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terça-feira, 27 de agosto de 2024

Verde – crônica

A cidade em movimento estrutura os passos acelerados daqueles que andam por meio da selva cinza em busca do que não são. Sem tempo para respirar, comer ou vagabundear, correm em desespero em busca do que não podem alcançar. Talvez, a promessa de chegada, fim da corrida, seja a mais absurda das mentiras.

Queria tempo para respirar profundamente e sentir que vivo apenas. Não quero tempo de formular sonhos ou de planejar a felicidade. Queria tempo, um pouco mais, para perceber que nada disso faz muito sentido. Mas, como reagiria se essa ideia meio vaga, que não compreendo, tomasse conta de meu corpo? Se eu pudesse efetivamente sentir a falta, o vazio, não propósito, ainda viveria?

Algumas vezes, tenho a impressão que cheguei um pouco perto, da contemplação, fruição sem propósito futuro. E me sinto desconfortável, e um pouco mais vivo.

Esses dias acordei e chovia. Cheiro de umidade e nos pés um frio cadavérico, os sentidos meios lentos, a audição mais consciente, e visão afiada permitindo enxergar a cor do dia. Verde, um verde musgo, com tons terrosos que pairava sobre o ar, sobre as cabeças de toda gente.

Subi ao ônibus, meio vazio, pela graça. Sentei em uma dessas cadeiras solitárias. E observava o verde que pairava sobre as pessoas. Era nítido como todas elas estavam nesse dia em um processo muito peculiar de si mesmo. Como se a água da chuva as levasse para os rios do seu sangue, da sua vida.

O que será que aquele velho homem de roupa engraçada e particularmente pensava? O que será que se passa? Se eu fosse esse homem velho de roupa engraçada. Estaria eu meditando sobre a vida que não tive? Pelo medo de sonhar, por que a morte parece eminentemente mais íntima? Estaria eu vivendo e relembrando com saudosismo as paixões da minha carne? Ou estaria pleno em mim mesmo, por que o fio da vida ainda não acabara?

Me coloquei a meditar olhando fixamente para o velho. Como eu gostaria de penetrar em sua mente. Quando em um momento tirei os olhos do velho magricela de roupa engraçada, e algumas pessoas do lado de fora do ônibus, na rua, andavam rapidamente. E o verde em suas cabeças. Uma imagem de algo profundo e frio. O velho magricela havia se afogado dentro de si, e não sabia o que pensava. Tenho certeza que se perguntasse não saberia responder, nem mesmo chutar. Era o vazio. E ele vivia.

Autor:

Felipe Rocha de Oliveira

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