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domingo, 8 de setembro de 2024

51  –  A espera

– Graça, você ouviu? Estão chegando!

Era Maria, eufórica, contando a novidade para sua amiga, que estava deitada na cama…

– Sim, menina… eu ouvi… mas não vão chegar na fazenda antes que a noite caia… sossega…

– Como vou sossegar? Não era isso o que a gente estava esperando?

– Sim, menina… mas, calma… até os vaqueiros chegarem na fazenda, entregarem o gado, conferir as cabeças… vai demorar um mundão, ainda…

– Será que os vaqueiros vem prá cidade hoje?

– Acho que não… até terminarem todo o trabalho, vai ser noite alta…  e estão cansados da viagem…

– Mas sempre tem aquele que acha que uma cachaça ajuda a descansar o corpo…

– Eu sei, Maria… mas vão tomar cachaça lá na fazenda, mesmo… hoje não vai vir ninguém para a cidade…

Maria se sentou na beira da cama… segurou seu chapéu, amassando suas abas. Estava nervosa, dava para perceber pelas suas mãos…

– Tão perto…

– Acho que amanhã a gente acaba com essa história…

– Ou começa outra…

Rosa, que até então se encontrava calada, resolve entrar na conversa…

– Vocês acham que ele vem para a cidade?

Maria e Graça olham para ela, sérias…

– Estamos contando com isso… imagina se ele resolve ir embora direto da fazenda…

Maria olha para Graça, antes de falar…

– Não era melhor a gente esperar por eles lá na fazenda?  Vai que… 

– E que desculpa a gente ia usar, Maria?

– Sei lá…

– Mulher, se acalma… vai dar tudo certo…

Rosa olhou para as duas, e percebeu o quanto ambas estavam tensas, embora Graça conseguisse disfarçar seu nervosismo…

– Gente, se quiserem, posso fazer um chá de maracujá para vocês… ou de camomila… vocês estão muito nervosas…

– Obrigada, Rosa… só se a Maria quiser… eu prefiro não…

– Rosa, acho que vou aceitar, sim… estou um bocado nervosa….

E lá foi Rosa, para a cozinha da Pensão… pediria licença e faria um bule de chá para as amigas… até ela estava precisando…

Uma meia hora depois as três estavam se deliciando com o chá de maracujá feito por Rosa. Conversavam sobre amenidades, despreocupadas com a vida, ao menos por alguns momentos… Ao terminarem, Graça resolveu que deveriam esticar um pouco as pernas, já que era quase hora do almoço e ainda não tinham saído do quarto. Na verdade, o que ela realmente queria era saber a que distância encontrava-se o gado que lhe interessava. Afinal, era hora de planejar como agir quando finalmente chegasse a hora. Mas, como eu disse, ela não queria que suas amigas soubessem de sua preocupação, então sugeriu um passeio pelo campo… uma cavalgada antes de enfrentar o barreado, a galinhada, o afogado e o pudim de pão que seria servido para o almoço do dia…

As três garotas foram para o estábulo, onde pegaram suas montarias. Selaram seus animais e ganharam a estrada, rumo à saida do vilarejo… em direção à chegada do gado… Depois de uma hora de cavalgada, mais ou menos, Graça fez sinal para as amigas pararem. Apearam e ficaram simplesmente observando a natureza.  Maria sentou-se sob um pé de ipê e ficou brincando com as flores selvagens à sua volta. Graça e Rosa caminhavam pela pradaria, usufruindo cada minuto de seu passeio… os pássaros cantavam na mata, longe da vista das moças. Borboletas esvoaçavam por todo o local, e as cigarras, com seu canto característico enchiam todo o ar com sua sonoridade…

 – Meninas, está tudo muito bonito, mas estou ficando com fome… que tal deixarmos para continuar nosso passeio depois do almoço?

Era Rosa, reclamando de seu estômago que roncava de tempos em tempos…Maria riu da situação da amiga, Graça decidiu que a moça tinha razão… era melhor voltarem para a vila e comerem alguma coisa… mais tarde voltavam para a campina, para colocar as ideias em ordem… e se preparar para o dia seguinte, que prometia ser bem agitado…

Um bom par de horas depois, já devidamente saciadas, as três moças voltaram a cavalgar pela pradaria. Desta vez resolveram avançar pelo campo um pouco mais, na esperança de avistarem a comitiva que, segundo ouviram, estava próxima do local em que se encontravam. Seguiam a passo lento, pois não havia necessidade de correrem, uma vez que tudo que faziam era um reconhecimento do local. Depois de muito cavalgarem, perceberam uma nuvem de poeira a uma boa distância de onde estavam. Pela distância da nuvem, e considerando que o terreno era plano, calcularam que a comitiva deveria estar a umas duas horas de distância… e pensando na distância que separava o local em que se encontravam para a fazenda, se tudo corresse bem, antes de umas dez horas da noite não chegariam no seu destino… o que significava que só iriam completar a viagem no dia seguinte, pois ninguém é louco de conduzir o gado noite a dentro…

– E agora, Graça? O que a gente faz?

– Eu iria tranquilamente para a Pensão descansar para o dia de amanhã…

– Eles estão muito perto…

– Sim, estão… mas hoje não completam a viagem…

– E se o boiadeiro for meio doido?

– Nem que fosse por inteiro… se arriscar a perder uma rês por viajar à noite? Não vale o risco…

– Maria… acho que a Graça tem razão… dificilmente ele vão se arriscar a conduzir o gado à noite… principalmente porque estamos na lua nova… talvez, se fosse lua cheia…

– Além disso, o céu está cheio de nuvens… a noite fica mais escura, ainda…

– Acho que vocês tem razão… é provável que eles só alcancem a fazenda lá pela hora do almoço….

– Sim… e a tarde, com certeza, os vaqueiros devem visitar a cidade…

– Acho que vai ser melhor assim…

– Sabe que não vejo a hora de tudo isso acabar?

– Eu entendo, Maria. Juro que entendo… mas estamos chegando ao final…

52 – Uma noite tensa

Duarte nunca havia se sentido tão impotente antes em toda a sua vida. Ele se sentia um mero espectador na reunião marcada pelo Delegado Vicente. Os assuntos que debatiam lhe eram totalmente estranhos. Primeiro o Delegado perguntou para Zacarias sobre todas as histórias de assombração que este conhecia, das mais inocentes até as mais escabrosas. E as escutava com toda a atenção do mundo, dando-lhes uma importância que, com toda a certeza, não tinham… afinal, eram historinhas para assustar as crianças malcriadas no final do dia… e mais do que isso não poderiam ser… quem, em sã consciência, poderia realmente acreditar em um ser que usava um redemoinho como meio de transporte e que poderia ser aprisionado em uma garrafa?  Bom, ao que tudo indicava, Vicente acreditava. Em sua frente havia um bloco de notas e, de vez em quando ele o consultava. Quando achava que algum ponto da história não estava claro o suficiente, pedia para seu interlocutor repetir. Fazia várias perguntas sobre alguns tópicos… ou seja, estava realmente levando a sério aquela patacoada. Já passava das dez da noite, e Vicente não dava sinais de que iria encerrar a conversa com Zacarias. Duarte estava nervoso porque, além de tudo, ainda não haviam feito uma pausa nem mesmo para comer alguma coisa. Depois de muito ponderar, resolveu interromper a conversa, ao menos por algum tempo…

– Delegado…

– O que foi, Duarte?

– Eu não sei o senhor, mas acredito que ninguém aqui já comeu alguma coisa…

Vicente fez ar de assombro… não havia percebido que as horas tinham avançado tanto…

– Nossa… que horas são, Duarte?

Duarte consultou seu patacão, presente de formatura que ganhou de seu pai…

– Onze da noite, chefe… e a gente ainda não jantou…. o pior é que não tem onde comer, a essa hora…

– Pessoal, me perdoem… não vi o tempo passar…

Juvêncio levantou-se da cadeira, esticou todo o corpo… depois de alongar-se por alguns momentos, convidou seus companheiros a segui-lo… todos se dirigiram à pensão, onde um farto jantar os aguardava… a cozinheira mantivera todos os alimentos quentinhos. Depois de se fartarem, ou como disse Duarte no final do pequeno banquete, “depois de matar quem os estava matando”, Juvêncio resolveu continuar a reunião ali mesmo, não sem antes pedir permissão à dona da pensão…

Conforme as horas iam passando o nervosismo tomava conta dos componentes do grupo. E Juvêncio apenas observava as reações de cada um do grupo. Na verdade, além de Juvêncio, apenas Zacarias se mantinha tranquilo. Alice começou a dar sinais de nervosismo quando o relógio marcou onze e meia…Duarte mostrava sinais de cansaço desde as oito e Alberto mostrava em seu semblante que realmente estava exausto. Considerando a situação, Juvêncio deu a reunião por encerrada, e cada um seguiu seu destino. Quando todos estavam de saída, Juvêncio fez um sinal, imperceptível para os outros,   mas que Zacarias percebeu no ato… e ficou sentado em sua cadeira. Com certeza o Delegado precisava de mais alguma informação… e ele estava sem sono, mesmo…

Depois que todos saíram, Juvêncio voltou a sentar-se, e dirigiu-se ao amigo que permanecera…

– E então, Zacarias?

– Desculpe?

– O que você achou?

– Seu Vicente, eu não entendi…

– Da reação do grupo, quando você estava falando sobre as manifestações aqui na região…

– Ah… bom, só eu falei a noite toda… pensei que a professora também fosse falar alguma coisa…

– É sobre ela mesmo que eu queria falar…

– Hein?

– O senhor não a achou um pouco esquisita?

– Como assim? Não entendi…

– Quando o senhor estava falando sobre bruxas e outros seres da noite, ela ficou muito incomodada…

– Bom, tem gente que não gosta dessas histórias….

– Eu sei, eu sei… mas achei a reação dela muito estranha…

– Seu Delegado, ela é uma pessoa letrada. Eu sou um ignorante da terra. É claro que ela não vê com bons olhos as histórias que eu conto…

– Mas ela não é uma estudiosa das histórias da terra, homem?

– Ainda assim… o senhor reuniu a gente para comparar nossas impressões… e eu fiquei falando a noite toda sobre lobisomem, boi tatá, mula sem cabeça… só falamos sobre assombração a noite toda… qualquer um ficaria cansado de tantas história…

– Notou que na ultima hora ela estava um bocado nervosa?

– Delegado, a moça trabalha na escola… é professora da criançada… tem que levantar cedo e preparar a aula que vai dar para seus alunos… e ficando aqui ouvindo as histórias de um velho? É claro que ia acabar nervosa…

– Talvez você tenha razão… mas, não sei… alguma coisa nela mudou com o passar das horas…

– Não reparei nada de diferente…

– Pode ter sido o cansaço… não sei… de repente o senhor tem razão… eu é que estou vendo coisas onde não tem nada…

– O que o senhor precisa de mim?

– Por hoje? Nada… mas… se não for abusar muito… o senhor se incomodaria em me ajudar em algumas coisas que tenho que ver amanhã?

– Sem problema… eu peço licença para o meu patrão…

– Não se preocupe com isso… eu já conversei com o senhor Nardi e ele o deixou à minha disposição…

Zacarias fez um ar de desagrado. Não gostava que ninguém passasse por cima dele. Quem esse delegado pensava que era, para tomar uma atitude a seu respeito sem consultá-lo antes.;..? Mas depois de ponderar por alguns instantes, entendeu a situação do agente da lei, e resolveu deixar o mal entendido para lá… afinal, tinham coisas muito mais importantes para resolver…

Autora:

Tania Miranda

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