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segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Liderança feminina: há espaço para ela no ecossistema de inovação? Confira histórias inspiradoras

Em março é comemorado o mês da mulher, e é muito comum que o tema empreendedorismo feminino seja discutido entre as grandes empresas e os agentes do ecossistema de inovação, porque ainda há um mar de oportunidades a ser conquistado, e principalmente muitos estigmas e preconceitos a serem quebrados, como por exemplo, a relação entre maternidade, mercado de trabalho e a diversidade.

Luciana Leão foi contratada no oitavo mês de gestação. Quando retornou ao trabalho, após a licença, estava ainda mais motivada e encantada com a cultura da empresa e deu o seu melhor. Um ano e meio depois, saiu de licença maternidade novamente de sua segunda filha, no meio da pandemia. A insegurança decorrente de um contexto sanitário e econômico desfavorável (para dizer o mínimo) a fez acreditar que talvez não houvesse mais espaço para o seu crescimento na empresa quando retornasse deste período.

Diferentemente do que imaginava, os sócios fundadores ligaram para ela e, para sua surpresa, fizeram o convite para que se tornasse vice-presidente, assumindo uma área com mais de 40 pessoas. “Parece que a aposta feita de ambos os lados (meu e da empresa) na contratação durante a gestação do meu primeiro filho estava certa. A admiração e confiança no que estávamos construindo se fortaleceu ainda mais”, conta a vice-presidente de operações da Liga Ventures, maior rede de inovação da América Latina.

Esse fato que aconteceu com ela é uma “mosca branca”, algo difícil de acontecer. Infelizmente, essa experiência positiva sobre como maternidade e trabalho podem (e devem) andar juntos é um caso raro. Dados da Fundação Getúlio Vargas apontam que 35% das mães com mais escolaridade perdem seus empregos 12 meses após o início da licença. Para mães com nível educacional mais baixo esse número ultrapassa 50%.

Esses indicadores evidenciam a falta de políticas inclusivas para que as mulheres consigam conciliar suas atividades econômicas com as jornadas de trabalho não remuneradas e as atribuições trazidas pela maternidade. Para Juliane Devaux, gerente sênior de Inovação Aberta da Dasa, os cargos executivos demandam disponibilidade completa do profissional e uma jornada de trabalho extremamente elevada, não considerando que a maioria das mulheres possui uma agenda que ela chama de “PMO familiar” – uma analogia ao fato de tarefas domésticas e de gestão familiar ainda serem atribuídas às mulheres.

De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o PIB global cresceria 35% com a igualdade de gênero nas relações de trabalho. No entanto, as projeções não são animadoras. Segundo o estudo do World Economic Fórum de 2022 serão necessários 151 anos para que a paridade de gênero seja alcançada na dimensão “Participação Econômica”, o que é um dado no mínimo assustador. No estudo divulgado pela instituição em 2020, os principais motivadores do gap eram: as mulheres terem maior representação em papéis que estão sendo automatizados; número insuficiente de mulheres em profissões com crescimento salarial mais pronunciado (principalmente nas áreas de tecnologia), e problemas recorrentes de acesso à capital.

Além disso, a pesquisa apontou que no Brasil há apenas 8,4% de mulheres em conselhos de administração (enquanto em países como França e Islândia esse número ultrapassa 40%).  Outra mulher de destaque no ecossistema, Nai Corrêa, Líder de Inovação do Grupo Carrefour, corrobora com essa percepção. “Das empresas que ocupam as principais premiações de inovação a predominância ainda é de homens, quando se fala de cargos de diretores. Muitas vezes essas áreas fazem parte de diretorias de TI e esse é um reflexo imediato já que essa área ainda é predominante masculina. Mas o fato é que quando descemos o nível hierárquico encontramos mais mulheres nas áreas de inovação e vejo que uma das características é a capacidade relacional necessária para condução das esteiras das atividades de inovação”.

Apesar de todos os desafios enfrentados para a adoção de maior equidade de gênero dentro de ambientes de inovação, parece um contrassenso negligenciá-la. “Se colocarmos uma lupa no processo de inovação, observaremos que ele não vem da convergência e homogeneidade de ideias. Ao contrário, nasce do contrapor, questionar e desafiar um padrão. Para enxergar novas alternativas para problemas existentes é fundamental combinar diferentes pontos de vista e compor as ideias com diferentes experiências humanas, criatividades e inteligências”, avalia Luciana.

As visões divergentes, e muitas vezes complementares, tornam as soluções mais robustas e aumentam as chances de sucesso. Além disso, o mercado consumidor é plural. Por isso, a diversidade na composição de times é fundamental, pois traz a combinação de ideias e soluções, que são mais “fortes” do que uma percepção individual. Ou seja, há um aumento concreto em vantagem competitiva.

Um estudo da McKinsey de 2020 aponta que organizações na América Latina que possuem equidade de gênero em posições executivas têm 14% mais chances de superar a performance dos concorrentes. “Há um ganho concreto para organizações que abraçam a diversidade. Nesse contexto, os times de inovação de grandes corporações têm um papel fundamental de propor pautas e também ações inclusivas. Os movimentos de grandes players do mercado têm potencial de influenciar concorrentes, impactar fornecedores e gerar um ciclo virtuoso em toda a cadeia de valor do setor”, observa a vice-presidente de operações da Liga Ventures.

Por outro lado, há algumas startups prontas para oferecer soluções que auxiliem grandes corporações na jornada de diversidade e inclusão. O estudo Mulheres e o Ecossistema Empreendedor mostrou que a proximidade com grandes empresas é extremamente importante para o sucesso dos negócios liderados por mulheres. Esse fator, combinado com investimentos, tecnologia e redes de apoio, potencializa as chances de sucesso dessas empreendedoras, porém menos de 45% desenvolveram as soluções do negócio com base em tecnologia e 59% delas não conseguiram investimento para abrir os seus negócios.

Questões culturais também pesam nessa equação. Iana Chan, CEO da Programaria, uma das mulheres entrevistadas para o estudo da Liga Ventures, acredita que “não faz parte do imaginário da nossa sociedade mulheres que empreendem com tecnologia, que arriscam, que tomam empréstimos, até mesmo pela nossa criação e pelo papel que se espera que a mulher desempenhe.” Vale lembrar que vivemos em uma sociedade patriarcal, e que na maioria das vezes a educação formal e informal é orientada a perpetuação desses padrões.

Mas o que será que o futuro nos reserva em ecossistemas de inovação? Para Mirella Marcon, Diretora de Inovação da Sodexo, “todos temos a responsabilidade de trazer mais mulheres para todas as áreas onde não existe uma representatividade igualitária. Sobretudo em áreas de tecnologia, pois ela está formatando a sociedade do futuro, então deve ser feita por pessoas diversas que representam a sociedade.”

Aumentar a participação de mulheres em cargos de liderança no ecossistema de inovação é mais do que possível, é urgente. Segundo Luciana, para que isso aconteça é preciso se atentar a alguns pontos: essa precisa ser uma pauta endossada e com compromisso do board das empresas, cujas atenções devem englobar não apenas contratações, mas também equiparação salarial, plano de carreira e formação de novas líderes atendendo suas necessidades específicas (como, por exemplo, um plano de retorno após licença maternidade).

Além disso, é fundamental entender a existência de vieses inconscientes e combater estereótipos. “Muitas vezes há um estereótipo de liderança feminina como emocional, afetiva e frágil. O paradoxo é que liderança de sucesso remete a imagens de comando, segurança e firmeza. Reconhecer e eliminar esses vieses tornam os caminhos menos árduos para a ascensão de mulheres a cargos de liderança. É importante que cada uma de nós nos percebamos como agentes de transformação e identifiquemos o que podemos fazer na nossa esfera de atuação para provocar a mudança, encorajando outras mulheres. Afinal, ecossistemas de inovação, empresas e instituições são reflexos dos nossos comportamentos enquanto indivíduos”, finaliza Luciana.

Autora:

Ana Isabella

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