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segunda-feira, 9 de setembro de 2024

33 – Coisas de mulher

 Graça estava preocupada com sua amiga. Afinal, desde de manhã que ela estava sentindo cólicas… teriam que fazer mais uma parada, pois sabia que sua parceira não estava em condições de prosseguir… bem, fazia parte do jogo, afinal uma vez por mês isso tinha que ocorrer… mas as dores tinham que vir de forma tão violenta, assim? Naqueles dias Maria simplesmente não conseguia fazer nada, pois  sentia como que seu corpo simplesmente não lhe pertencesse… Graça pediu à amiga um pouco de paciência, estavam perto de um vilarejo e logo estariam em uma pousada… uns três dias  de descanso era tudo o que Maria precisava…. e era isso que fariam… caramba, quando teve a ideia de sair atrás do Zé Ferreira não pensou que teria tanto trabalho pela frente… o pior é que já estavam na estrada a mais de um mês, e ainda não tinham nenhuma pista do sujeito…. ela já estava desanimando. Principalmente porque desse mês apenas duas semanas foram realmente usadas para seguir a pista de seu procurado… as outras duas, tiveram que se virar com seus “problemas femininos”… Graça até conseguiu superar a sua semana, sem sofrer tanto, mas Maria era mais delicada e acabou desabando…. é, as coisas não estavam fáceis para as duas…

Finalmente chegaram à cidadezinha e logo procuraram a hospedaria do lugar. Não era muito convidativo, o estabelecimento. Mas era a única opção que tinham, então lá foram as duas. Graça alugou um quarto por uma semana. A dona da hospedaria era uma senhora já de idade, muito simpática, contrastando com a primeira impressão que as moças tiveram do lugar. Ao ver a situação de Maria, dona Malvina – era esse o nome da dona da pensão – tratou de levá-la a um dos quartos, deixou-a o mais confortável possível e tratou de preparar um chá de gengibre para a moça beber. Vendo sua amiga sendo cuidada, Graça resolveu dar uma volta pelas redondezas, a procura de qualquer coisa que servisse de norte para sua busca. Depois de algum tempo deu sorte. Descobriu que sua caça havia passado por ali a poucos dias. Estava indo em direção a Cunha, onde se integraria a uma comitiva que levaria um rebanho até Igaratá, perto de Jacareí… ela não tinha certeza se conseguiria interceptar o sujeito antes que chegasse ao seu destino… bem, ela tinha certeza de que não conseguiria, uma vez que Maria ficaria pelo menos uns dois dias ainda até passar “seu período”… não era nada assim tão desastroso. Afinal, elas teriam a chance de cair na alma de sua caça, nem que fosse depois que ele terminasse sua viagem até Igaratá… e, pensando bem, deixar para capturá-lo no final da viagem seria até mais tranquilo… afinal, com o bolso cheio, com certeza ele iria se embebedar… e aí seria muito mais fácil surpreende-lo…

Enfim, as duas voltaram para a estrada, depois de quatro dias de recesso. Despediram-se de dona  Malvina, que as tratou como filhas enquanto estiveram sob seu teto. Muito atenciosa, não se descuidou de Maria nem um segundo, enquanto esta passava por seu período… Maria já estava bem disposta, e preparada para ir até o fim do mundo, se necessário fosse. Mas é claro que não precisaria ir tão longe. Afinal, de São Bento do Sapucaí, onde se encontravam, até Igaratá seria um longo percurso, mas avançariam mais rápido que Zé Ferreira, que estava acompanhando a boiada. Mesmo Cunha ficando mais próxima do destino, vencer as montanhas com o gado exigia que seguissem em passo lento, diferente das duas que poderiam imprimir uma velocidade um pouco maior em suas montarias… com certeza chegariam com uma boa folga em seu destino, e teriam tempo de planejar como fariam a captura. Maria estava animada, o ar das montanhas realmente lhe fazia bem. E o clima agradável, aquele cheiro das folhas que o vento trazia, era uma coisa inebriante.  O som da passarada fazia com que se sentissem bem, como se no paraíso estivessem. As borboletas esvoaçavam por todo o lugar, como em um balé mágico, acompanhadas pelas abelhas e outros insetos voadores. De vez em quando, um pássaro fazia um voo rasante. Pequenos animais se escondiam durante sua passagem. Sim, a natureza era bela e trazia para as duas uma mensagem de otimismo… tudo daria certo para elas…

Já estavam no meio da jornada… entre o nada  e o lugar nenhum.. quando Graça notou que seu cavalo começou a mancar. Preocupada, desmontou e foi examinar a pata do animal. Uma expressão de desânimo tomou conta de seu rosto. Seu cavalo havia perdido uma ferradura. O problema é que estavam longe de qualquer centro habitado, e o animal teria que prosseguir do jeito que se encontrava. É claro que ela não poderia continuar montando seu cavalo… então a viagem acabaria demorando mais do que o previsto… Maria a puxou para sua sela, e foram caminhando devagar, para não forçar a montaria… 

Havia se passado um dia, desde que Graça percebeu que sua montaria havia perdido a ferradura, e finalmente adentraram em um vilarejo. Foram direto ao ferreiro, pois tinham que recolocar a ferradura no animal. Deixaram os dois aos cuidados do ferreiro e foram procurar um lugar para comer e descansar… e tomar um banho também, por que não? Afinal, estavam com poeira acumulada de uns três dias sobre o corpo… o caminho que fizeram não tinha nenhum riacho por perto…

Como não estavam assim com tanta pressa de voltar à ativa… mesmo porque o ferreiro já adiantara que demoraria um pouco para cuidar dos seus animais… as duas moças resolveram dar uma volta pelo vilarejo. Visitaram algumas lojas, sendo uma delas de artigos femininos, é claro. Maria ficou encantada com um dos vestidos que estavam em exposição. O preço era um tanto salgado, afinal era uma roupa feita para as senhoras dos dirigentes da cidade… políticos e fazendeiros. Mas como olhar ainda era de graça…  Graça deu de ombros… já havia se acostumado com as roupas que estava usando nos últimos dias… sentia-se mais confortável usando as calças de vaqueiro do que as saias e anáguas que tanto encantaram Maria. Sim, sem dúvida a indumentária que ora usava era bem mais prática… não precisava ficar se policiando ao sentar-se, por exemplo… mas sua amiga realmente ficou encantada com as roupas que vira…

– Pode deixar, Maria… depois que pegarmos o Ferreira, você terá dinheiro para comprar essa loja toda…

– Ora, eu…

– Calma, menina… eu sei que você gostou de tudo aqui… afinal, são coisas de mulher…

– É tudo muito lindo, não é?

– Sim, amiga… é tudo muito lindo… mas a gente só vai ter dinheiro para ver essa lindeza toda depois que completarmos nossa missão…

– Acho que já está na hora, não?…

– Creio que sim… vamos?

E assim, banhadas, alimentadas, descansadas… refeitas da jornada até ali, as duas se dirigiram ao ferreiro, para pegar seus animais. Estes também estavam descansados, bem alimentados e prontos para reiniciar a jornada. Pagaram os serviços do profissional, colocaram as selas em seus cavalos, montaram e saíram novamente pela estrada afora…. ainda tinham muito chão para percorrer…

34 – Pegadas no pasto

Juca estava preocupado. As marcas que encontrou no solo não se pareciam com nada que já tinha visto. Caminhava lentamente, puxando seu cavalo pelas rédeas e tentava entender o que era aquilo que estava à sua frente. Parecia a marca da pata de um animal, mas ao mesmo tempo não era… Pensou se não seria melhor chamar seu Zacarias, mas no final chegou à conclusão que era melhor investigar o que estava acontecendo, primeiro…

Depois de algum tempo, as marcas simplesmente sumiram. Ele procurou cuidadosamente, tentando ver se não haviam apagado os sinais da passagem, mas realmente os sinais desapareceram, como se de repente o que quer que estivesse caminhando por ali tivesse se evaporado. Juca amarrou seu cavalo em um arbusto e voltou a examinar o chão. Não tinha como as marcas desaparecerem daquele jeito… o chão não era pedregoso, aliás, a terra era bem macia naquele local. Ou seja, não havia nenhuma explicação lógica para as marcas desaparecerem, assim. Mais um mistério para pensar. É, não tinha jeito… o negócio era chamara seu Zacarias, mesmo. Com certeza, ele poderia encontrar uma explicação para aquilo…

Na verdade, Juca havia descoberto as marcas por acaso. Nada havia no campo que denunciasse qualquer alteração… mas, do nada, surgiram os sinais no chão.  Tão abruptamente como haviam desaparecido.  Como o dia ainda estava alto, ele resolveu caminhar pelos pastos, à procura de mais algum sinal estranho. Passou próximo à cerca, depois pelo meio dos campos, e nada. Os únicos sinais que encontrou realmente foram aqueles. Não havia outros em nenhum recanto. Resolveu fazer uma contagem das cabeças de gado. Seria uma contagem superficial,  só para tirar a dúvida que pairava em sua cabeça… não gostaria de descobrir que estava faltando gado no pasto, novamente…

O sol estava se escondendo na linha do horizonte quando Juca chegou à porta de Zacarias. Dava prá notar que o rapaz estava deveras preocupado. Não encontrou nada de anormal, a contagem do gado não acusou a falta de nenhuma rês… mas aquela marcas não saíam de sua cabeça… o que diabos seria aquilo? Tinha que conversar com alguém, e a única pessoa com quem poderia fazer isso era seu chefe e mentor… afinal, tudo aquilo que Juca conhecia do campo lhe havia sido ensinado por Zacarias. O rapaz o considerava quase como um pai. Sempre que tinha dúvidas sobre alguma coisa, ia direto ao “velho” como carinhosamente o chamava. Sim, nesse momento a dúvida realmente o perseguia… queria entender que diabos era aquilo lá nos pastos…. não era cavalo, cachorro, muito menos boi… se pudesse arriscar um palpite, diria que era rastro humano misturado com cachorro… mas como isso poderia acontecer?

– O que aconteceu, Juca?

– Nada, patrão… só uma coisa que não consegui entender…

– E o que foi?

– Não adianta falar… eu precisava mostrar pro senhor…

– Onde, menino?

– No pasto norte…

– A essa hora?  Até chegar lá já é noite fechada…

– Não, agora não… melhor amanhã cedo…

– Tá certo… apeia, menino. Vem comer com a gente…

– Não incomodo?

– De jeito nenhum… e como você parece realmente preocupado, dorme aqui em casa, hoje… amanhã a gente vai ver esses pastos…

– Agradecido, seu Zacarias…

E o rapaz desmontou, e entrou na casa conversando com seu amigo… falaram sobre amenidades, coisas do dia a dia, o rapaz perguntou como estava o ombro de seu parceiro… e finalmente chegou onde realmente queria chegar… as estranhas marcas que havia notado no campo.  Zacarias apenas respondeu que não havia motivos para preocupação. Nada de grave havia acontecido no campo e nenhuma rês sumiria… não em decorrência dos rastros que o rapaz localizara. Este ficou sem entender, mas como Zacarias parecia saber do que estava falando resolveu simplesmente aceitar. Para sossegá-lo,  Zacarias confirmou que de manhã os dois iriam verificar os tais sinais…

Não dá para dizer que a noite de Juca foi tranquila. Passou a noite toda variando e, embora tenha dormido, a sensação que tinha é que não pregara os olhos a noite toda. Finalmente amanheceu … quer dizer, a noite ainda estava alta, eram quatro horas da manhã… e lá foram os dois em direção aos pastos, para que o rapaz respirasse aliviado finalmente. Depois mais ou menos uma hora de cavalgada, finalmente chegaram no local onde o rapaz havia notado os sinais no solo. Os dois apearam e começaram a examinar o terreno. Quando avistou o primeiro rastro, Zacarias riu….Juca não entendeu muito bem o riso do amigo, e ficou a olhar para o mesmo, com uma pergunta não formulada estampada em seu rosto. Depois de algum tempo rindo, Zacarias resolveu se explicar…

– É como eu te disse, menino… não tem que se preocupar com estes rastros… é só um lobisomem…

Juca quase deu um salto para trás ao ouvir isso da boca do amigo. Um lobisomem…  como assim? E como assim… não se preocupar? É claro que isso o deixava preocupado…

– Eu sei que você está com medo, rapaz… mas de todos os bichos encantados, um que não nos oferece perigo algum é justamente o lobisomem… é claro que isso tem muito a ver com a índole do possuído… mas, no geral, não é nada perto de outros seres fantásticos…

– Não estou entendendo…

– Diferente da bruxa, que tem quase que a mesma origem, o lobisomem é inofensivo para os seres humanos. Ele não nos ataca nem nos faz mal…. tampouco ataca os animais… eu diria que ele é o terror dos galinheiros, mas não das galinhas, em geral…

– Não entendi…

– Deixa prá lá…  algumas coisas, é melhor não entender, mesmo. Tudo o que você precisa saber é que não tem nada do que temer…

E assim Zacarias encerrou a conversa. Não dá para dizer que seu pupilo ficou aliviado com a história do lobisomem, mas já que o chefe garantia que não tinha do que ter medo, o negócio era acreditar… bem, desde que não cruzasse seu caminho, não tinha por que temer, não é? Se bem que agora que sabia que havia um bicho fantástico caminhando entre eles fazia Juca repensar em suas andanças pelo campo à noite, principalmente quando houvesse lua cheia….

Autora:

Tania Miranda

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