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segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Três portas

Uma xícara amarela cheia de café destaca uma cozinha moldurada de pequenos azulejos azuis e verdes. É uma perspectiva pálida daquilo que se chama de ambiente familiar, em que tudo que se vê são pessoas supérfluas mescladas a ódio e a rancor. O meu pai, Dr. João, bebia aceleradamente o seu vinho, à medida que observava a minha mãe, Maria, fazer cortes horizontais no alface. A minha mãe, uma bela mulher, de grandes cabelos, vaidosa, digna de um quadro que transmita sua magnificência, não era cozinheira, pelo contrário, odiava tarefas domésticas, então resmungava o tempo inteiro. Naquele mesmo dia, a minha irmã, Clara, havia sido presenteada com uma boneca de porcelana e a observava atentamente. Eu queria entender qual o mistério daquela boneca, às vezes queria ser enigmático igual a ela. Quanto a mim, não vejo relevância em apresentar-me, porque quero poupar-lhes desta sentença. Sentença pois não vejo o prazer que é viver. Contudo, quero que saibas que vagueio pelas figuras perturbadas que constituem a minha vida.

Ouço estalos de dedos na minha frente e uma voz aguda a me chamar: – filho, Pedro, o almoço está pronto. Não consegui ouvir na primeira vez, mas na segunda foi como trombones que fez erguer da mesa impulsivamente. Não queria que ela dissesse meu nome, mas a sua inconveniência não permite tal luxo que é o silêncio. Com as mão em seus ombros, Maria pergunta: – tudo bem, filho? Sem resposta, ela continua a indagar: – você tomou os seus remédios? De repente, a minha visão embaralhou-se, o meu coração descompassado, minhas pernas trêmulas, e sensação de desespero tomou conta do meu ser.

Eu não sei onde estou, tudo que eu posso ver é escuridão. Tudo parece muito confuso, meu corpo se move em movimentos lentos sem as minhas ordens. As pontas dos meus dedos se transformam em figuras abstratas quando proponho a movimentá-las. Socorro – gritei. Por favor, salve-me – implorei. Sem esperanças, agarrei-me à escuridão e me pus a chorar. Levante, rapaz – uma voz estranha surgiu. Venha – disse novamente. Ergui o meu rosto e vi uma figura de aproximadamente três metros a minha frente; ele era negro, seu cabelos eram crespos e seus olhos eram vermelhos sangue. Contudo, senti uma sensação de conforto e o segui.

Um cenário surgiu em meio a escuridão. Eram três portas à minha frente. Ele já não estava mais ao meu lado. Como um ímpeto, abri a primeira porta. Lá estava a minha a minha irmã, Clara, na faculdade cursando direito. Corri para abraçá-la, mas não consegui tocá-la, apenas pude assistir o seu sucesso. De repente, ela desapareceu e eu só pude enxergar a segunda porta, então fui em direção a ela. Lá estava meu Pai, que se divorciou da minha mãe e se afundou no álcool; não consegui ficar ali por muito tempo e prossegui para a terceira; era minha mãe, que observava atentamente o destaque que minha xícara amarela causava em uma cozinha de azulejos amarelos e verdes.

Autor:

Cleberson Martins

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