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terça-feira, 3 de setembro de 2024

Vinte Reais

Nada pior do que ser pobre e estudante, não pela estética da coisa, mas pelas dificuldades que se passa, pior que isso só ser pobre, estudante e pegar o ônibus errado para ir em outra cidade, pode acreditar que esse tipo de coisa é bem frequente de acontecer comigo. Faz algumas semanas que isso aconteceu, eu e um amigo estávamos indo até um evento em uma universidade, o maior debate era como iríamos chegar naquele raio de lugar, literalmente onde Judas perdeu as botas de tão longe.

Por uma desventura entramos em um infame TM2, um ônibus que passa por diversas cidades, porém, é aquela coisa, teríamos que descer na estrada estadual e esperar passar um TM3, que também passa por diversas cidades, mas chega em São Leopoldo. Entramos no ônibus e diversas pessoas com cara de cansadas, outras infelizes, e aquele praxe de ônibus lotado, sentei de um lado e Bruno de outro, voltamos a debater sobre como iríamos chegar até aquele bendito lugar, alguns olhavam e riam, seus olhares eram bem similares a um deboche pelo nosso entusiasmo juvenil e a vontade absurda de desbravar esse pequeno grande mundo.

De repente, um senhor já calvo, usando seus óculos de grau com lentes relativamente finas interrompe a conversa, não havia problema no ônibus que pegamos, só deveríamos descer na estação e pegar um trem. Bruno e esse senhor começam a conversar sobre jornalismo, política e afins, as pessoas observam como se vislumbrassem uma conversa extremamente complicada, às vezes a conversa era interrompida por um silêncio abrupto, mas continuava fluindo como um rio de experiências e paixões. Eu decidi analisar e observar, humanos são interessantes, gos- to de pensar que talvez haja verdades por trás dessas verdades que eles conversam.

O ônibus entra na bendita rodovia conhecida como ERS-118, a sensação é extremamente incômoda, parecia que estávamos no meio do nada indo para o nada, sensação idêntica a um filme de faroeste, e um clima assim é perfeito para reflexões filosóficas que vão te fazer pular do Guaíba, percebo que Bruno observa atentamente meu celular que estava com o esboço de um poema, enquanto aquele senhor conversava com outro, percebo que estamos entrando em outra cidade, em um comportamento impulsivo indago se já deveríamos descer.

De maneira gentil o senhor calvo responde que não precisamos nos preocupar, ainda estamos longe, de repente aquele senhor pergunta para onde estávamos indo, respondemos que iríamos a um evento de uma faculdade, estamos nos dedicando a passar no vestibular e que boa parte do caminho pré-vestibular, vestibular, simulados e o escambau. Nós já tínhamos conseguido passar, por ventura, a resposta daqueles dois senhores foi um tapa de luva, os dois conheciam muito sobre esse mundo de vestibular.

Começamos novamente uma prosa que cada vez mais aumentava, entre histórias do filho que se dedicou e passou na faculdade federal, do amigo da família que passava fome e hoje é bem-sucedido, porém, o auge de tudo, o ápice da reviravolta, foi a frase daquele homem:

“Vocês precisam ir contra esse sistema que não quer que os jovens estudem, vocês são o futuro!”

Naquele instante confesso que lembrei de alguém que se foi há algum tempo, foi como se meu trabalho de pesquisador independente fosse reconhecido, assim como Bruno se sentiu reconhecido como o escritor independente que é.

Aquele ônibus se tornou uma festa, descemos do veículo, eu, Bruno e ele, seu Delmar. Além de uma pequena explicação sobre a cidade de Esteio, quando íamos pegar caminhos diferentes, ele simplesmente pergunta se temos dinheiro para comer, dizemos que sim, mas mesmo assim, nos é dado vinte reais, acompanhado de um sorriso e de palavras que diziam:

“Não é muito, mas eu acredito em vocês! Por favor continuem com o trabalho de vocês, o mundo precisa de pessoas como vocês!”

Naquele momento lágrimas quase escorreram, sorrisos sublimes, olhares esperançosos atravessavam a multidão vazia enquanto um abanava para o outro. No silêncio do trem, eu refletia sobre algo imperceptível aos olhos científicos, por sorte sou poeta… Delmar no espanhol significa “do mar”, naquele jogo de palavras aquele que veio do mar… E por coincidência, tenho falado em ir desbravar o mar, seria algum ser místico mandando um sinal? Boa pergunta… Mas lembrei desse causo hoje, se passaram uns dois meses creio eu, creio também que seu Delmar ficaria feliz em ver o ritmo que às coisas estão se encaminhando.

Autor:

Daniel Maier, 2022

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