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quinta-feira, 29 de agosto de 2024

 O eu e o coletivo – como saber separar o eu do outro sem me afetar?

A cada dia observo as pessoas, as diversas pessoas no coletivo, e isso me faz perceber o quanto insignificante sou perante ao todo. Isso não significa que eu também não seja um sujeito que sofre por viver num coletivo que te adoece. Minha infância não foi a pior, e aqui não deveríamos comparar, mas me senti tão triste na minha infância, que de fato, entendi que agora, na fase adulta, que pouco prazer tinha, já que o medo me paralisou.

Não é culpa da minha família, apesar que conviver com meu pai foi o meu único problema, não passei fome, não apanhei, não tive uma infância ao qual me compadecer, talvez, eu fosse chata demais – insuportável – como criança chorona e que queria chamar atenção com uma boa atuação.

Talvez, seja uma adulta, que de fato não sabe o que está fazendo nessa passagem que chamamos de vida. Não consigo levar a sério esse papo de ser alguma coisa, pois eu não sei ser alguma coisa boa o suficiente para me levar a sério. Claro que a minha pequenez diante de um todo é simplesmente um pedaço do bolo.

No coletivo é necessário se impor, se quiser de fato depor sobre aquilo que é seu por direito, perante a lei, da liberdade de expressão ou de não querer se expressar perante a liberdade de ser. Não existe indivíduo sem o coletivo, e também acredito que não existiria coletivo sem o indivíduo. Complexo igual a aquela velha história: – quem veio antes o ovo ou a galinha?

E olha que estamos falando de algo muito específico – estamos falando de mim e do outro. Ou seja, é apenas um ponto de vista no meio de diversos pontos no coletivo. O paradoxo – a excitação é proporcional ao medo de dar a opinião – muitos falam na mesma proporção que muitos se calam.

Calados perante a tantos que gritam – essa é a criança que me habita – não suporto o grito, mas quando vou ao parque de diversão sinto minha calcinha molhada por ouvir tantos gritos permitidos. Chegando minha vez não paro de gritar, mesmo que minha voz se perca na falta de ar – CARALHO, PORRA, QUE DELICIA, CARALHO, COMO É GOSTOSO SENTIR TANTA ADRENALINA.

Vou confessar que gritar no coletivo é muito mais atraente do que gritar no travesseiro onde ninguém pode me ouvir. Qual a graça de chorar se minha mãe ou os outros, não vão estar ali para me acolher. Os adultos se escondem para sofrer, com desejo de que alguém veja só para os acolher. Quando se é criança é permitido sofrer para chamar atenção. Agora adulto, isso é feio, é se fazer de vítima, é drama, é querer chamar atenção – mas, me diga, qual a graça de sofrer sozinha?

No meu caso, eu gozo no sofrimento de sentir o meu peito, as lágrimas escorrendo em meu rosto e a angústia junto com o aperto, me lembrando que isso também é vida e que sem isso, talvez, não exista – pura melancolia – da mulher que chora e rir, que sente o nada e tudo, que inventa qualquer coisa só para sentir o seu corpo vibrar em direção ao gozo de estar viva.

O meu indivíduo precisa do coletivo, mas não a ponto de ser sufocada, adoecida. Mas, olhar para o coletivo e dizer que isso te adoece, é imaginar uma dor que não é sua. Não precisamos nos colocar no lugar do outro para lutar por ele e respeitá-lo, não precisamos passar fome para lutar por aqueles que passam. Não precisamos sofrer só porque as pessoas sofrem todos os dias os seus milhões de porquês.

Não tenho sanidade mental, ou conhecimento sobre política a fundo, não tenho visto jornal – mas, não preciso ver tudo isso para me sentir mal, já está internalizado dentro de mim, essa ideia de que precisamos sim servir a um coletivo, de preferência o oprimido. É o meu discurso, é a minha identidade perante a fantasia de que tenho que ser importante, ou seja, fazer algo louvável, onde garanta o meu lugar no céu.

Questiono o meu senso de justiça, pois, não sei o que é justo, e não estou falando de lei. Acredito que viver no coletivo é um ato político e social. Mas, ignorar o meu indivíduo, não acredito que seja justo, seria um ponto de equilíbrio – mas, também não sei se acredito.

Não tenho que fazer nada, pensar no coletivo não é sinônimo de ter que ajudar, salvar, me sacrificar, me responsabilizar pelo outro, até porque cada um deveria ser responsável por si, mas, não é bem assim. Me colocar no coletivo é uma chance de ouvi-lo, trocá-lo, respeitando a sua diferença, contribuindo com alguma coisa, pois compartilhar também faz parte da nossa jornada, e claro tentando não ser um cuzão.

O macro, o todo – é impossível de alcançar – mas, quem sabe, aqueles que estejam lá no poder, podem ajudar muito mais, do que eu, um ser mortal, que não quer salvar ninguém de si mesmo e dessa realidade cruel, mas isso não significa não olhar para aqueles que me pedem ajuda, mesmo não conseguindo ajudar todo mundo, como a minha fantasia insinua.

Ser do coletivo, não é apenas ser ativista, é ser um sujeito que respeita a liberdade de outro indivíduo. E acho que ser político é pensar no todo e não no seu bolso.

É básico para viver uma sociedade um pouco menos desigual, o egoísmo é sinônimo de destruição. E de quem é a culpa, senão do indivíduo, que não sabe pensar no coletivo ou do sistema que não está preocupado como vivemos, apenas quer mais que a gente seja – produtivo.

Mesmo o caos lá fora, a guerra, a disputa, a política, a infração, a fome, a ansiedade e depressão, existe o eu – a quem tira todas as suas preocupações perante a sociedade só para sentir um pouco de paz, de conforto, de calmaria na sua tempestade cheio de lágrimas e com o desejo de ser tocada por uma mão grande. Mas, depois se volta para o real – aquilo que sempre existiu e sempre existirá.

Sou um indivíduo com dificuldade de existir no coletivo, mas – estou aprendendo a me posicionar, a me respeitar e respeitar o outro que é diferente de mim, melhor ou pior, pois sempre haverá comparações e isso não me torna uma vilã.

Aceitar que nada depende apenas de mim, mas que posso sim contribuir para que a partir de mim o mundo seja menos caótico – somos movimentos – e sempre seremos movimentos em direção daquilo que escolhemos, acreditamos.

Sou o grande Outro, o discurso dos meus pais, a lei internalizada da minha cultura e a punição da minha religião que pregou uma ideia de ser alguém pura.

Sou o encontro com o diabo, e aqui ele nem existe como todos pregam, e se ele existir quero bem longe de mim.

Sou Deus das minhas próprias escolhas perante aquilo que acho certo e errado. E também, tudo aquilo que ele pregou sobre o amor ao se entregar na cruz.

Sou uma menina num corpo de mulher, que não sabe mais se gosta apenas de homem, ou seja, sinto um puta tesão em ver a mulher usando o seu corpo, seduzindo com a sua dança e sendo o centro da atenção. Sim, fico fantasiando como seria ser homem nesse mundo real. – meu psicanalista diria que isso é pura inveja da liberdade masculina.

Queria ser apenas uma personagem que escreve para o seu livro de contos de fadas, a partir do real vivido.

Mas, não é assim que funciona, não é assim que vivo.

Sou coletivo, pois tudo me atravessa no individual, mas também, sou indivíduo que vive no coletivo, que faz o que tem que fazer para sentir prazer e tentar sobreviver ao caos que é viver no coletivo que não respeita o indivíduo.

No fim, estamos no mesmo barco, mas alguns estão se afogando no alto mar pedindo socorro, outros estão no comando, e tem aqueles que estão trabalhando para os que estão se divertindo enquanto isso.

Autora:

Samanta Botelho Kons

1 COMENTÁRIO

  1. Muito bom! Descreve perfeitamente sentimentos tão naturais e tao julgados, ditos como errados, mas que não trazem nenhum mal. É tão bom ler os pensamentos de alguém fora da caixa, fora do padrão e real.

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