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domingo, 1 de setembro de 2024

O fantasma

Foi numa conversa qualquer, numa mesa de bar, que o menino se deu conta do vazio.

Conversava espontaneamente com o outro, confiante no outro, quando a ausência chegou.

Era uma conversa bastante interessante, ora superficial, ora profunda, mas com um desejo primordial de conhecer o outro e de deixar o outro conhecer um pouco dele.

E no meio de tanta confiança, talvez confundido pelos sentidos, ele se sentiu o próprio homem andrógeno na sua fantasia. Olhou para si e viu que não lhe faltava nada. A alteridade quase não mais existia, porque o desejo fundira todos os universos em um. E agora a extensão do ego era o outro. E o outro era parte dele. Fora uma fagocitose perfeita. Estavam englobados. Fundidos. Intimamente conhecedores de si.

Pensava no seu eu e imediatamente se lembrava do outro. Aquela relação, de uma mesa de bar, se transformara numa metonímia existencial que tornou quase impossível de ser resgatado o todo daquela parte.

E o problema foi a presença desse “quase”. Não. Porque na ausência de alguma falta, o desejo amorna. Quando o eu está completo, o futuro é desnecessário. Quando um sonho se realiza, é necessário sonhar outro sonho. Assim como quando o dia amanhece, a ave voa, porque o sol ilumina um outro desejo. Porque o conforto é estagnante. Porque surge a sede e a fome.

E assim, no meio de tanta androginia, percebeu-se sozinho. Puramente sozinho. O outro desistiu. Sumiu. Deixou posta à mesa a sua ausência e fora embora, porque tudo o que podia oferecer era o seu abandono.

Parcelou-se o homem andrógeno e ele se viu inteiramente individual, solitário e cindido.

O corte doera-lhe, afinal, a faca utilizada fora a ausência.

E naquela semipresença, o outro era apenas um fantasma. Um fantasma que está sempre próximo o suficiente para estimular o desejo, mas que, ao mesmo tempo, se encontra encarcerado por si mesmo na torre mais alta do seu egoísmo, privado do contato externo por pesadas grades feitas de medo e ferro que o próprio fantasma fixou no chão do seu confortável cárcere.

Estava ali, mas não estava. Era uma essência parcial. Translúcida. Quase real. Que habita a lugar nenhum mas que, na sua ânsia de pertencer, nunca vai embora e permanece longínquo e impróprio no imaginário. Presente. Ausente. Fantasmagórico.

Autor:

Marcos Vinícius D’Ambrósio Andrade

19 de abril de 2022

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