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terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Assembleia no condomínio

Para o personagem Simeão, do livro “O monge e o executivo”, de James Hunter, tem apenas 2 coisas que o ser humano é obrigado a fazer: uma é morrer e a outra é tomar decisões. Enquanto não morre, toma decisões. Se alguém disser que jamais tomará decisões, acabou de tomar uma.

            Que horas acordar? Café preto ou com leite? Débito ou crédito? Vai comer aqui ou é para viagem? Estes são alguns exemplos de decisões que tomamos diariamente, mesmo sem perceber. Temos livre arbítrio para decidir, mas nos tornamos escravos das nossas decisões. Muitos recusam cargos de chefia porque preferem cumprir ordens a tomar decisões.

A assembleia

            Após a aposentadoria, seu Atanagildo mudou-se para o Gonzaga, em Santos, e foi eleito síndico do prédio. Em pouco tempo no cargo descobriu que todos os seus problemas começavam com a letra “C”: carro, cachorro, cano, criança e condôminos – esses certamente os piores! É difícil lidar com pessoas e tomar decisões que afetam suas vidas. No final do mandado, convocou uma assembleia para prestar contas e eleger o substituto, mas mal abriu a sessão, alguém levantou uma questão de ordem. Aí o caldo entornou de vez.

  • O seu Caio do 83, depois que enviuvou recebe visitas de mulheres jovens muito maquiadas e com pouca roupa. Lamentável.
  • Lamentável para os invejosos – retrucou seu Caio. O que pensa que o seu marido faz toda 4a feira quando diz que vai jogar bocha?
  • Rui, o playboy do 74, chega sempre de madrugada e com o rádio no último volume. Meu quarto fica ao lado do portão da garagem e acordo toda noite.
  • Sou vizinho de garagem dele – falou Gabi. Sua caminhonete é muito grande. Meu Pálio fica entalado e não consigo abrir a porta.

Rui estava no fundo do salão, curtindo música com fones no ouvido e digitando no celular. Nem notou que ele era o assunto.

  • A crianças chegam na Van escolar, pisam na grama e emporcalham o hall de entrada. É só correria e gritaria – disse dona Madalena.
  • E o Ciro do 42, que aluga para temporada? As pessoas voltam da praia molhadas, sujam o corredor de areia e falam muito alto até tarde da noite.
  • A Clarice chega sempre depois das 23h. Seus poodles ficam na varanda latindo o tempo todo até ela voltar. Ninguém merece!
  • Minha vizinha tem uma cobra Píton de 2 metros. Um dia o bicho invadiu a varanda e quase engoliu minha gatinha Penélope!
  • Os adolescentes ficam se pegando no sofá do salão de jogos. Nas férias é pior ainda. Maior pouca vergonha – disse Marilda.
  • Ah Marilda, você fala só porque o Hugo trocou a sua Lurdinha pela minha Gorete. Você nem imagina o que ela aprontava lá em baixo.
  • A Lúcia roubou minha empregada por salário maior, mas se deu mal porque ela engravidou do porteiro – disse Vânia.
  • Sei não – falou Sonia. Dizem por aí que seu marido dá em cima da moça quando você vai ao cabeleireiro. Aliás, não seria a primeira vez. K K K

Entornou o caldo

Vânia partiu prá cima da Sonia, pisou no pé de seu Caio e empurrou Lúcia sobre a Marilda, que derrubou o copo com chá quente na virilha do seu Nestor. Moradores tentavam apartar a briga enquanto Rui, alheio a tudo, curtia som no fundo do salão. Seu Atanagildo pedia calma querendo voltar à pauta da assembleia, mas em vão. Juan e Marta, hispânicos e recém casados, torciam, riam, aplaudiam o pessoal se estapeando e filmavam a confusão. O síndico suspendeu a reunião em meio à troca de ofensas, tapas e ameaças.

Seu Atanagildo sentiu saudades do isolamento social, quando fechou a piscina, os salões de festas, jogos e o playground. Todos em casa em home office. Nada de visitas íntimas para o seu Caio; a caminhonete do Rui na garagem com o som desligado; os poodles quietos com a Clarice em casa; as crianças no apartamento, sem pisar no jardim e gritar nos corredores; nada de pegação indecente no salão de jogos; nada de intrigas, bate-boca, fofoca; nenhum veranista no 42. A paz reinava no edifício, mas aí as atividades retornaram, e a zoeira também. Felizmente o mandato do síndico Atanagildo esta terminando, assim como todos os seus problemas.

Bem, quase todos os problemas. O quarto dos hispânicos calientes é grudado ao dele. Rola salsa e sexo barulhento toda noite, das dez e meia até uma da madrugada. Dona Apolônia assiste novela na cama, cai no sono antes do final e não escuta nada, mas seu Atanagildo só consegue dormir depois das da 2h. Precisa tomar uma decisão, falar com o casal, mas não sabe como abordar a delicada questão. Cutucou a esposa sonolenta, contou o problema e pediu conselho. Dona Apolônia disse:

  • Para de implicância Tatá. São jovens, deixa aproveitar a vida. Você não dá mais no couro e fica com inveja deles. Agora sossega o facho que eu quero ver minha novela. Vê se dorme!

Síndico sofre!

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

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