11.1 C
São Paulo
sexta-feira, 13 de junho de 2025

Jobim, galos e o Admirável mundo fake

Tom Jobim dizia que o Brasil não é para amadores. Se vivo fosse, teria depressão. Quem é jovem há mais tempo, sofre com as palavras censuradas e comentários proibidos. Antigamente, a vítima da zoação (bullying), resolvia tudo na porrada, sem burocracia e sem precisar de análise. Mas aí inventaram o politicamente correto, fake news, patrulhas ideológicas, golpes, Inteligência Artificial e tudo mudou.

Vivemos numa sociedade dominada pela fraude, pós-verdade e coisa que parece que é mas não é. Muito difícil não ser enganado pela narrativa ideológica. É necessário cuidado com o que dizer, para quem dizer, o que curtir, fazer, postar e até o que pensar. O menor vacilo pode dar processo, cancelamento e lacração, a pena de morte virtual. Mas quem nunca foi zoado, vítima de fake news, ou caiu em golpe? Quem nunca levou um trote telefônico? Hoje, até contar piada pode dar cadeia.

Inácio Filho queria ser pai, só que enviuvou na lua de mel, teve depressão e isolou-se num sítio, sem eletricidade. Após 28 anos vivendo na solidão, comprou galos, galinhas, orientou o caseiro e voltou à cidade para procurar novo amor. Mas tudo mudou nas últimas décadas e ele precisou se adaptar. Sua velha Harley Davidson não gostou da gasolina misturada com etanol orgânico, azeite de dendê, granola e sobras de vacinas. Leu sobre tecnologia, fez cursos, comprou um Smartphone e matriculou-se num curso de dança de salão. Dizem que os homens são todos iguais, mas alguns sabem dançar e isso é um bom diferencial competitivo.

Acontece que, nas aulas, tem mais homens e híbridos do que mulheres. Inácio desistiu após fazer par com Ariel: brinco, barba rala e calça apertada que só dança com o rosto colado. Graças a um aplicativo de namoro, teve vários encontros, porém damas com validade vencida, que pareciam mães das moças da foto do perfil e outras com documento que não batia com o número do chassi (não nasceram mulher). Todas diziam que o importante não é a idade, mas princípios e valores. Valores no banco e princípios de infarto. Conheceu ainda doidas querendo vingar marido traíra, desequilibradas atrás de ouvintes para os lamentos e periguetes à procura de quem pague as contas. Só a linda Penélope, uma mudinha, se salvou. Parecia boneca inflável. Calada, pouca atitude, mas muita disposição.

Encantou-se com o WhatsApp e compras pela Internet, mas não conhecia golpes. Transferiu dinheiro para parentes que pediam ajuda e pagou boletos falsos, até descobrir o que significa conta clonada. Pediu alimentos pelo aplicativo e recebeu picanha vegana de soja, tolete “sabor” calabresa, cachaça sem álcool e café fake.

Gostou do comércio eletrônico. Bons produtos, depoimentos convincentes e ótimos preços. Comprou um ventilador individual que funciona sem baterias e recebeu um leque. A secadora movida à energia solar era uma corda de nylon para varal. O aparelho para aumentar o pênis era uma lupa. Comprou um box que desbloqueia 284 canais de TV, sem mensalidade. Quase foi preso. Muitos pedidos nunca foram entregues e o fornecedor não existia. Pagou um pacote com harmonização facial, lipoaspiração e Botox que prometia rejuvenescer 10 anos e perder 15 quilos em um mês. Pagou caro e viu na TV a manicure, dona do negócio, ser presa por charlatanismo.

Como registrava Boletim de Ocorrência e nada ocorria, decidiu fazer justiça com as próprias mãos. Localizou no Google uma empresa fake que o enganou, o Waze o levou a lugar isolado, roubaram tudo e voltou para casa pelado. Teve gastrite e o convênio ofereceu consulta on line com apoio de Inteligência Artificial. O médico, formado na pandemia, diagnosticou gravidez e prescreveu ozônio retal.

Arriscou sair com uma beldade do aplicativo e preparou-se para não se enganar. A moça era linda, como na foto do perfil, mas ao entrar no carro, deixou cair o RG: Napoleão Xavier. Disse que Suzy é nome social, é liberal e gosta de experiências. Inácio chamou um policial que passava e denunciou a extorsão, mas desconfiou da cor da farda, da postura, do linguajar do indivíduo e discou 190.

  • Magnata, desliga o celular. Perdeu, playboy!
  • Vou denunciar os dois, ou duas, sei lá. Vocês são fakes!
  • Somos sim, mas esta pistola não. Passa o Rolex, anel, corrente, jaqueta Armani, sapato Gucci, celular e diz a chave do PIX.

Inácio não tem PIX e a pistola do falso PM falhou. Deu uma surra na dupla e chamou a Polícia.  Foi detido, acusado de lesões corporais. Saiu da delegacia e entrou num barzinho, onde encontrou Ema Thomas, antiga vizinha. Grisalha, umas ruguinhas, mas linda como sempre e em ótima forma. Talvez esteja só, precisando de companhia, pensou.

  • Ema, há quanto tempo! Como vai o Alfredo?
  • Nos separamos há 14 anos. Hoje o canalha vive com o Adalberto.
  • Justo o Alfredo, tremendo garanhão. E você? O que faz sozinha, perdida num bar?
  • Estou esperando a Matilde, sempre atrasada, aquela cretina.
  • A sua prima Matilde?
  • Não. Essa é outra Matilde. Minha esposa.

Inácio alegou compromisso e voltou ao sítio para viver com as galinhas, aquelas com penas, que botam ovos, chocam e nascem pintinhos. Encontrou muitos ovos, mas nenhum pintinho. Então, perguntou ao caseiro:

  • Por que essas galinhas põem ovos, mas não nascem pintinhos?
  • Não são ovos galados, seu Inácio. Seus galos devem ser gays. Todos fakes.

Se você não consegue vencer o inimigo, junte-se a ele. Inácio vendeu o sítio, engravidou a mudinha Penélope, casaram-se, assumiram o mundo fake e montaram um negócio de bebê Reborn. Vida que segue.

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle). Crônicas de humor toda sexta-feira, às 10h.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

Patrocínio