Aqui é assim, quando tenho uma alucinação corro para registrar, e não importa o tema, é uma força maior que eu.
Pois vamos lá a mais um delírio do seu amigo. Aqui próximo da minha casa tem alguém fazendo aula de Trombone de Vara. E eu fiquei imaginando as possíveis situações que envolveram o futuro músico e sua família. Supondo que o aluno é esposo de Clotilde.
— Amor, estou pensando em fazer aula de música. Desde pequeno sonho em tocar trombone de vara e agora, aposentado, acho que chegou a hora.
— Nabuco, não teria outro passatempo mais útil? Jardinagem, por exemplo. Nossa grama está quase do tamanho do coqueiro do vizinho e você pensando em tocar uma corneta que ainda vem com uma vara. Você acha isso correto, Nabu? E os ensaios aqui em casa, onde vão ser?
— Filha, isso é um sonho que eu tenho desde o tempo do colégio. Eu queria tocar na banda marcial e o máximo que consegui foi ir na frente dando piruetas.
— Nabu, isso foi em 1965, na época em que todo mundo tinha que marchar. Hoje não tem mais isso, e o senhor já esqueceu que essa brincadeirinha de mau gosto, diga-se de passagem, custa caro? Sua aposentadoria mal paga o Corsinha que, por sinal, era outro sonho seu. Meu Deus, que sujeito para pensar em merda! Homem, pense em algo mais proveitoso, como um curso de culinária ou faça um blog e fique postando coco todo dia, igual ao Caroço de Manga.
À tarde, o Nabuco sai com o Corsinha e volta com um trombone de vara que o vendedor afirmou que um dia tinha sido do Louis Armstrong.
— Não acredito que você trocou o nosso carro por esse tal de reco-reco de vara.
— Trombone de Vara, Clotilde, e você não vai adivinhar de quem era, dá um chute.
— Esse troço de vara pode ter sido até do Cauby Peixoto que eu não me importo. O importante é a minha paz e o silêncio que mereço depois de 28 anos trabalhando na sonoplastia da Igreja Universal.
O Nabuco só tinha uma coisa em mente: o trombone. Nem o jantar foi capaz de desviar sua atenção.
— Não gostou da sopa? — pergunta Clotilde.
— Gostei, mas estou evitando sopa de feijão. Me dá azia e tocar trombone com azia ninguém merece.
— Pronto, agora quem vai ditar o cardápio da casa vai ser esse tumba de vara. Era só o que me faltava!
Clotilde parecia até conformada com seu posto de suplente de trombone de vara quando, ao adentrar a sala, se depara com o dito cujo devidamente encaixotado, ocupando metade do sofá.
— Oh, Nabuco… Venha aqui! — grita a concubina de Nabuco.
— Me diga onde eu vou assistir minha novela se essa flauta de vara ocupa todo o sofá. Hein? Diga logo…
O Nabuco, já com azia, retira o instrumento do recinto e continua a pesquisa por uma boa escola de música.
Na manhã seguinte, ele e o trombone partem em direção à escola de música. Sua alegria dura até saber o preço das aulas. Mesmo assim, tenta obter algumas em troca de futuros concertos ou apresentações que venha a fazer, o que foi recusado pela escola. Mas o professor orientou que ele podia estudar em casa pela internet, e ele achou uma ótima e econômica ideia.
Mal podia esperar para contar a boa nova a Clotilde.
— Amor, imagina a boa notícia!
— Vendeu o flautim de vara? — responde, toda esperançosa, a esposa.
— Não, querida. Posso aprender aqui em casa mesmo, pela internet. Eu já fiz as contas: três anos estudando oito horas por dia e estarei pronto para participar de qualquer apresentação.
No dia seguinte, a garagem do antigo Celtinha já estava adaptada para o início de uma longa jornada de aprendizagem. Após três dias, os vizinhos somaram voz à Clotilde na reclamação pelos intermináveis sons que oscilavam entre uivos de lobo, berros de elefantes, grunhidos e um outro que parecia um pum—começava baixo e ia aumentando até esvaziar todo o ar dos pulmões do Nabuco.
Na tarde do quarto dia, Clotilde faz as malas e vai para a casa de sua mãe.
Passado um mês da separação, para a surpresa de Clotilde, ela vê nos classificados:
Vende-se ou troca-se linda casa por aulas de trombone com vara. Tratar com Nabuco do Trombone.