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sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Casamento, bicicleta e vítima da sociedade.

Nunca entendi essa coisa de casar ou comprar uma bicicleta. Que comparação abestalhada! Por que bicicleta, e não um carro? Por que casar, e não viajar? Bem, abestalhando mesmo é o Evilásio. Sua vida é um pesadelo jogado numa lixeira que alguém tacou fogo. Sempre foi bom em executar tarefas que não precisam ser feitas e jamais teve reconhecimento. Nunca pensou em se casar, mas bicicleta é algo que o anima. Agora, aos trinta e tantos anos, resolveu provar que pode ter uma esposa e uma bicicleta.

Diz o dito popular que casar e morrer é o destino: quando chega a hora, acontece. Casar, eu não sei, mas a morte é certeza. James Hunter, no best seller “O Monge e o Executivo”, diz que há duas coisas na vida que o homem tem de fazer: uma é morrer, outra é tomar decisões. E se alguém diz que nunca tomará uma decisão, acabou de fazê-lo. Evilásio quer esposa e bicicleta, mas tem dois problemas: embora seja alto, musculoso, honesto, trabalhador e limpinho, é pobre e fraco de feição. Se pelo menos fosse rico, tudo o mais seria irrelevante.

Evilásio cansou de viver só e andar a pé. Casar e comprar bicicleta, para ele, é só questão de encontrar a mulher certa e arrumar dinheiro para a byke. Mas há algo em comum entre sua vida amorosa e suas finanças: ele ama mulheres, ama o dinheiro, mas não é correspondido por nenhum dos dois!

Entrou num site de relacionamento barato, povoado por pessoas baratas, mas não se pode por um preço no amor. Também pesquisou bykes e fontes de financiamento. Não precisa ser nova. Basta estar em excelente estado, para durar. A mulher, também, em bom estado, sincera, que não diga a idade em décadas e o peso em arrobas. O salário de carcereiro não é lá grande coisa e ele ainda ajuda a família, o que dificulta um pouco.

Após muita busca e troca de mensagens, conseguiu um encontro amoroso. A mulher parece linda, mas os amigos advertiram que os perfis trazem fotos retocadas ou com mais de 10 anos, além de silhuetas antes dos 3 partos. Com a bicicleta ele pode fazer um test drive, mas primeiro encontro também é como um test drive. Ele moderou nas expectativas para não se frustrar.

Um agiota bancou a compra da bicicleta e Evilásio, feliz da vida, pedalou até o local do encontro, uma praça escura e deserta. Estacionou na sarjeta e Sharona não demorou a chegar. Surpreso, ele não cabia em si de contentamento. Ela é ainda mais bonita e vistosa ao vivo do que na foto. Alta, morena, lábios carnudos, cabelos compridos, tudo nos conformes. Finalmente, a sorte lhe sorriu: bicicleta e uma linda mulher. 

Mas a alegria durou pouco. Durante o abraço apertado, percebeu que caiu no Golpe do Encontro. Enquanto Sharona o abraçava, ou melhor, imobilizava, alguém roubou a bicicleta. Evilásio tentou reagir, Sharona passou uma rasteira, ele foi ao chão e ela fugiu na carona do ladrão. E ainda tem 11 prestações para pagar!

Evilásio demitiu-se do cargo de carcereiro e vagou por aí pensando em como pagar o agiota. Quando presenciou um assalto, agiu rápido, espancou o ladrão e devolveu a bolsa à vítima. Ao saber de sua história, Brigite, dona da Vip Academia, contratou-o como vigia. O espaço é bem equipado, frequentado por lindas mulheres e ele pode morar num cômodo nos fundos.

A vida vive nos pregando surpresas. Num dia, bicicleta e encontro amoroso. Noutro, a quase namorada ajuda a roubar a bicicleta. Hoje, herói, emprego novo, mulheres cumprimentando com beijinhos e bicicletas na academia. Se não saem do lugar, estão sempre perto do emprego e da cama. Ele não é dono das bicicletas e não namora as clientes, mas também não custeia nada disso. Um mês depois, viu Sharona na academia e descumpriu a regra número 1 do dispensado: correu atrás. Disse que a perdoa e que quer tentar novamente. Ela disse sim, e saiu.

Evilásio foi preso à tarde, acusado de inadimplência, furto de bicicleta, lesões corporais em quem se apropriou de sua bike e assédio à Severina Barbosa, ou melhor, Sharona, parceira e amante da pobre vítima da sociedade.

Brigite pagou um advogado, sem saber que é primo de Sharona. Evilásio teve de declarar-se culpado, tomou uns cascudos dos capangas do agiota e voltou à carceragem, do outro lado das grades. A cela é limpa, mas tem a dimensão, o charme e o perfume de um banheiro químico. Passa o tempo assistindo a séria Lei e Ordem e o filme Esse crime chamado Justiça.

Brigite o visita uma vez por semana. A pena é curta, mas ele não sabe se quer sair de lá. O lugar é seguro, tem banho de sol, TV, academia com bicicleta, 4 refeições, assistência médica, visita íntima semanal e dois mil por mês de auxílio reclusão. Onde vai conseguir tudo isso? Vida que segue! 

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

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