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quarta-feira, 13 de novembro de 2024

O (des) Encontro da Turma

Quem nunca foi a um encontro da turma do colégio ou faculdade relembrar os bons tempos e matar saudades? O problema é que costumam trazer à tona assuntos mal resolvidos, rusgas, apelidos, namoros camuflados e nem sempre acabam bem.

Lucas nunca compareceu aos encontros da turma, mas soube da reunião do Jubileu de Prata e pensou em reencontrar o passado. Ele foi expulso no último ano porque surrou um machão, mais grosso que parede de igreja, que atazanava um Nerd e bolinava uma mini aluna. Sua vida virou mais que biruta de aeroporto. Esteve preso, internado, foragido e hoje vive com Eva Dias, conhecida estelionatária e piriguete bissexual.

Na véspera, a ansiedade prejudicou o sono. Tentou relembrar os anos do colégio, a trajetória de vida, mas seu passado inclui muitos fatos que não se lembra e outros tantos que quer esquecer. Seus melhores anos foram horríveis e seu legado serão apenas recordações. Recordações de depoimentos a delegados. Sabe mais nomes de juízes e promotores do que de artistas da TV. Contudo, sua moral permanece intacta. Nunca foi usada!

Quando chegou ao restaurante, viu o grupo posando para fotos sob uma faixa comemorativa. Preferiu ficar numa mesa à parte, observando. Não se lembrava de rostos, nomes ou apelidos. Reconheceu apenas Wadih Zastre, o machão que socou e que causou sua expulsão. O pentelho pegou o microfone, teve uma crise de incontinência verbal e passou a recordar apelidos, gafes e situações constrangedoras.

Começou com Lúcia, a Lulu Boca de Veludo, que se ofendeu e foi embora. Pediu 3 Hip Hip Urra! para Coió, o Nerd dentuço e zarolho sua vítima predileta. A linda esposa beijou Platão, o Nerd. A roupa de Sophie, a Barbie, custa tanto quanto o PIB do Burundi. Aninhazinha, nome no duplo diminutivo por causa da mini estatura, era a Filé de Borboleta. Lucas lembrou-se de ambos, mas se conteve.

Vieram outros apelidos: Seborreia, Pum de Gambá, Fuinha, Nacional Kid (quem tem mais de 60 lembrará); Hilda Furacão; Narizinho, tão feia que entrou por engano no vestiário masculino e não foi notada; Catatau, ninguém era maior que ele, só mais alto. Citou triângulos, quadrados e pentágonos amorosos, tendências gay, traições e peraltices diversas. 

O constrangimento atingiu o ápice quando projetou fotos antigas, com legendas jocosas, e leu suas previsões depositadas na Cápsula do Tempo. Coió, o Nerd, seria Animador de Velório; Hilda Furacão, dona de cabaré; Narizinho, analista de cheiros; Nacional Kid, dublê do Godzilla; Lulu Boca de Veludo, fundadora da ONG Piriguetes Sem Fronteira. Wadih Zastre se divertia e todos queriam encerrar o evento. Quando o assunto mudou para política, o ambiente degringolou de vez. Wadih disse que seria candidato e choveram vaias e xingamentos. O pentelho encerrou sua fala com uma pergunta: por onde andará o foragido demoníaco Lucas Trado?

Foi a gota d’água. Enquanto alguns participantes tentavam conter os danos, Lucas, na moita e sem ser reconhecido, provocou um curto circuito, gerou tumulto e conduziu Wadih Zastre na marra até o banheiro. Depois pagou a comanda e foi embora. 

Na calçada, foi reconhecido por Platão, que abria a porta da Ferrari para a esposa Shirley, a Narizinho. À distância, ele o saudou e ela lançou um beijo. Aninha, juíza criminal, abraçou Lucas, agradeceu pelo apoio no passado, ofereceu carona e, conversa vai, conversa vem, decidiram ir a um motel. Após duas horas, Lucas foi caminhar no shopping. Precisava sacar algum dinheiro.

Enquanto vagava pelos corredores e lojas, refletiu sobre o encontro desastroso, e chegou a algumas conclusões. Amigos, vão, amigos vêm, mas um bom inimigo é para sempre. Platão continua dentuço e zarolho, mas é um empresário podre de rico. Não existe bilionário feio! Narizinho, nariguda e fraca de feição, casou-se com Platão e, algumas plásticas mais tarde, estava linda! Lucas conheceu muitas juízas quando esteve no banco dos réus, mas nenhuma tão fogosa quanto Aninha. Chegou em casa por volta das onze da noite.

– Como foi o almoço? – perguntou despretensiosamente Eva Dias.

– Uma droga! Só ofensa e rancor. Mas revi pessoas com quem me importei no passado e, no fim das contas, o balanço foi positivo.

Lucas ligou a TV no canal de notícias para ver o resumo do dia: “Polícia não tem pistas do furto de carteiras e joias no shopping”; “Ninguém se apresentou para reclamar o corpo estrangulado no banheiro do restaurante”. Ainda estou em plena forma, pensou Lucas. Desligou a TV, deitou-se, contabilizou o lucro do dia e dormiu bem. Sonhou com Aninha.

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

4 COMENTÁRIOS

  1. Uau….bela crônica!! Uma reviravolta e tanto na história de cada um personagem. Até chegamos no final aprovando um pouco as atitudes do Lucas.

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