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quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Calma, sua hora vai chegar

Por volta das 6 e trinta da manhã, a sala de espera transbordava, mas o expediente só inicia às 7h. O ambiente era tenso, e os sentimentos, contraditórios. Apenas um adolescente. Os demais, todos homens maduros, entre 40 e 65 anos. Um único paciente estava acompanhado da esposa, era Teotônio, casado com a paraibana Socorro, mais “macho” que muitos homens naquela sala. Mas ela não era a única mulher no recinto. Haviam duas outras, no canto da sala, na moita, trajando vestidos amarrotados, adquiridos num brechó de segunda linha e a prazo.

Teotônio Leite, Tetê para a mãe, Ninho para a esposa, não gosta do nome, nem dos apelidos, nem da presença de Socorro naquele lugar. Diz que pode resolver seus problemas sozinho, mas ela discorda e alega que cobra providências há 2 anos.

  • Você diz que é arretado, mas se eu não venho, você também não vem.
  • Mulher, você sabe que quando eu digo que vou fazer uma coisa, eu faço. Não precisa ficar me lembrando de três em três meses.
  • Só saio daqui com o problema resolvido.
  • Vai pegar mal prá mim, único cabra acompanhado da mulher nesta sala.
  • Quem manda ser frouxo? Se fosse arretado mesmo, estaria tudo resolvido.
  • Essa doeu. Pior que me acompanhar, é duvidar de mim.

A sala acomoda umas 15 pessoas e o atendimento é por ordem de chegada, conforme a senha que se retira na recepção. Cadeiras rústicas de madeira e não estofadas contornam o ambiente. Há um só lavabo, unissex, sem toalha ou sabonete, um bebedouro, sem copos ou água gelada, e uma garrafa térmica com café frio, fraco e muito doce. No centro, uma mesa baixa com gibis e revistas antigas sobre carros, pescaria e esportes, todas rasgadas ou amassadas. No canto, um balcão com revistas eróticas masculinas, respingadas de baba ou coisa pior. A música ambiente é monótona como itinerário de elevador. Só duas melodias. Vai e volta, sobe e desce.

O monitor de vídeo brilhou e o relógio marcava 06:59. Uma voz vinda da caixa de som informa que o atendimento já vai começar. A porta de vidro do corredor de acesso é aberta por um vigia que se posiciona ao seu lado. Baixo, 35 anos, uniforme azul marinho surrado, tipo segurança de cabaré, quepe largo para sua miúda cabeça, bigode ralo e barba de uns três dias. Na boca falta um dente, que ele disfarça com a mão. Mesmo assim, parece estar sempre sorrindo, por timidez ou sacanagem. A caixa de som reverbera:

  • Bom dia. Bem vindos à Clínica Macho Man – a saúde do homem moderno. Atenção à sua senha. Se não responder imediatamente, passaremos ao próximo número e você irá para o fim da fila.

A voz é feminina, jovem e com um quê de sensualidade, igual às moças que anunciam os voos no aeroporto. Dá prazer em ouvir, apesar do que anuncia. O ar é pesado e as pessoas se mexem o tempo todo nas cadeiras, muito nervosas. Alguns transpiram, outros consultam o relógio a todo instante. O que ninguém imaginou é a locução informar o motivo da consulta.

  • Senha 312, Colonoscopia – dirija-se à sala 4.

Um senhor se levantou e andou constrangido até a porta. Estava tão mal como um jogador reserva de time da série “C”. Uns se apenaram, outros constrangeram-se. O bedel alargou o sorriso sarcástico, com a mão à boca. O senhor seguiu resignado.

  • Senha 313, Exame de Próstata – sala 8.

O bedel tampou a boca e abaixou a cabeça e riu às lágrimas quando viu uma moçoila se levantar com a senha na mão. Segundo o dicionário politicamente correto, é uma “mulher com próstata”. Muitos torceram o nariz, Teotônio tossiu e Socorro, que folheava uma revista masculina, fez sinal negativo com a cabeça e disse: “Calma Ninho. Sua hora vai chegar.” 

  • Senha 314, Espermograma – Sala 1. Pegue uma revista na mesa.

Um jovem disfarçou a própria revista debaixo da jaqueta de lã, apesar do calor, enquanto o bedel gargalhava e fazia um gesto vulgar com a mão.

  • Senha 315, cirurgia de Fimose – Sala 2. Trouxe cuequinha extra?

O pai abraçou o adolescente encorajando-o e olhou feio para o bedel que juntou as pernas protegendo o membro inferior central enquanto fingia sentir dor. O garoto atravessou a porta mais contrariado do que gato no cabresto.

  • Senha 316, Prótese Peniana 13 – Sala 8.

O bedel caiu na gargalhada e precisou se sentar, enquanto dobrava o dedo indicador para baixo. Pigarreou e parou de rir imediatamente quando paciente, com físico de estivador, passou por ele e o encarou. Teotônio se contorceu de nervoso e Socorro o cutucou dizendo: “Sossega homem – sua hora vai chegar”.

  • Senha 317, Ultrassonografia Transretal da Próstata – Sala 9.

O bedel lacrimejou, de tanto rir, cobriu os olhos com a mão direita e com a esquerda protegeu a porta dos fundos. Teotônio, instrutor de boxe e MMA, caminhou em direção à porta, fingiu tropeçar, caiu de joelhos e desferiu um “upper” – golpe do boxe, de baixo para cima – porém, em vez do queixo, atingiu o penduricalho situado logo abaixo do regador de moita. O bedel arriou instantaneamente, com os olhos esbugalhados e falta de ar. Teotônio levantou-se e disse em voz alta:

  • Sua hora chegou. Retire a senha para Orquiectomia Radical (retirada dos testículos). Avisa que já está anestesiado.

Enquanto o bedel tentava respirar, Teotônio virou-se e jogou um beijo para a esposa, que não retribuiu. Os demais pacientes aplaudiram, Socorro gesticulou a cabeça negativamente, continuou folheando a revista masculina e disse:

  • Lembra o doutor da sua hemorróida.

Teotônio ignorou o lembrete da esposa e os demais pacientes riram e depois se calaram. Vai que o cabra soca mais um! Clinica médica popular é emoção o tempo todo! Vida que segue.

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

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