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sexta-feira, 21 de junho de 2024

Os algoritmos dos App de relacionamento funcionam mesmo?

João Camiños é muito exigente e um tanto atrapalhado. Demora para tomar decisão, escolher o que vestir, qual itinerário seguir, e por aí vai. Falou “papai” com 3 anos e aos 5 já dizia papai para a pessoa certa. Até os 29 anos, nunca teve namorada. Ele não é lesado. Pelo contrário, é hiperinteligente, mas tem dificuldade nos contatos com terráqueos. Tem poucos amigos e suas poucas amigas são as namoradas dos poucos amigos.

Escolher a pessoa certa, compatível nos gostos, desgostos e costumes é muito complicado. Não que ele não saiba dialogar. Ele simplesmente não consegue dialogar sobre as coisas fúteis do universo feminino. Foi ficando para trás, com cada vez menos opções de acasalamento, mas quer encontrar alguém compatível para transmitir seu DNA para a posteridade. Não vai ser fácil! 

As “amigas” arrumaram vários encontros às cegas, mas João reprovou todas. Umas pareciam quebra-cabeça com peças faltando, outras eram como livros sem capítulo final e as demais eram apenas malucas. As amigas decidiram criar um perfil para João num conhecido aplicativo, o que ele considerou uma grande bobagem, pois os algoritmos não são capazes de identificar pessoas com as características que exige. É tudo engodo, disse, mas os argumentos não foram acatados e ele teve de ceder. 

Construindo o perfil

  • Vamos lá. Como você se define?
  • Pontual, planejador, metódico, objetivo, humilde, praticamente perfeito e…
  • Calma. Assim você afugenta as candidatas. Do que você mais gosta?
  • Whisky, música clássica, churrasco, ficção científica e que não me contrariem.
  • Sossega, amigo. Menos! O que você detesta?
  • Fila, cigarro, tomate, sol forte, baladas, pessoas me cutucando e querendo me dizer o que fazer. Não como queijo. Tenho intolerância à lactose.
  • Descreva sua companheira ideal.
  • 25 a 27 anos, magra, gostos iguais, cabelo longo, ruiva, alta e simpática.
  • Agora vamos criar um pseudônimo.
  • Que tal Johnny-W? De Johnny Walker, quase como meu nome, João Camiños!
  • Uma frase que o defina:
  • Se o que tens a dizer não é mais belo que o silêncio, cala-te. Pitágoras.
  • Aff! Agora é só escolher umas fotos, publicar e aguardar. Temos certeza de que em algumas horas você receberá dezenas de contatos.

Sua filosofia existencial diz que, quando menos se espera, aí é que nada acontece. E foi o que aconteceu, ou melhor, o que não aconteceu. Após dias sem qualquer mensagem, as amigas concluíram que ele procura uma agulha num palheiro. Mas eis que, do nada, alguém o contatou: Ruiva90. Perfil com pouca informação, mas diz se encaixa nas especificações. A foto é de uma ruivinha mignon, lindo sorriso e cabelos longos. Sua frase é enigmática: Por que priorizar quem te considera apenas uma opção? Mas o que uma frase diz sobre a pessoa?

As namoradas dos amigos ajudaram João nas conversas românticas com Ruiva90 e sugeriram um encontro num barzinho descolado com música ao vivo e pista de dança, ideal para pessoas que desejam se conhecer.

O encontro

Ele chegou cedo, foi para a mesa reservada e disse ao maitre que aguarda uma dama a procura de Johnny W. Após 70 minutos, ele conduz alguém até João. O atraso lhe rendeu nota baixa em pontualidade na planilha oculta nas células cinzentas de seu cérebro. Estatura mediana, cabelos curtos e ruivos tingido padrão Koleston, acima do peso ideal e voz estridente. Ele se levantou, ofereceu a cadeira e depois sentou-se pensando em como se livrar daquela doida e dizer às amigas: eu disse que era bobagem!

  • Marguerita.
  • Prefiro whisky. Johnny Walker.
  • Marguerita é o meu nome.
  • Ah. O meu é João é Camiños. Os amigos me chamam Johnny Walker.

Em menos de 10 minutos, João já sabia que Ruiva90, ou Marguerita, gosta de axé music, praia com muito sol, filmes de terror, é baladeira e vegana. Nada em comum com ele. O “90” é o ano do nascimento e ela tem 33 anos. Disse que foi sua irmã gêmea, Carmem Rosé, quem viu o perfil. Ela foi traída pelo noivo e está buscando um novo amor. O pai, José Cuervo é barman e as filhas têm nomes de bebidas. Carmem Rosé é exatamente o que João definiu, mas quando se preparava para sair, o noivo apareceu com 12 dúzias de rosas, ajoelhou-se e pediu perdão. Eles reataram e a irmã pediu que Marguerita fosse em seu lugar para não dar o cano em Johnny-W. 

  • Ruiva, quero dizer, Marguerita, acho que não temos nada em comum.
  • Nisso eu concordo. E você ainda parece o “Ó” do borogodó!
  • Garçom, o que é isso?
  • Especialidades da casa: Bloody Mary, Bruschettas e patê de tomates com ricota.
  • Mas que droga! Só tem tomate e queijo neste bar?
  • Aff! Detesto tomate e queijo me provoca uma saraivada de puns barulhentos!

Eles foram embora irritados. Onde já se viu tamanho insulto! Caminharam umas quadras e entraram num bistrô de rodízio de sopas. Conversaram bastante e acabaram se entendendo. O Papa João Paulo II dizia que devemos nos apegar mais ao que nos une do que o que nos separa. As coisas que unem João e Marguerita, aversão ao tomate e queijo, foram o ponto de partida para o namoro e o casamento.

Os amizades aumentaram, graças à estridente Marguerita. Quando alguém pergunta se, com tantos pontos incomuns, não rola muita D. R., respondem que sim, só que nunca brigam. O trato é, disse Marguerita: quando um está bravo com o outro, a pior ofensa que pode dizer é “tomate para você!”

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

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