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quarta-feira, 24 de julho de 2024

Walküren – As Três Marias

Capítulo Vinte e Seis

Eram dez horas da manhã. Izabel estava na recepção da Companhia Taubaté Industrial, aguardando ser atendida pelo responsável pelas entregas das encomendas. Ela havia encomendado um lote de amorim a duas semanas e até agora não havia recebido as peças. E seu estoque estava se findando. Se não recebesse logo o lote de fazenda encomendado, não poderia cumprir alguns compromissos firmados, e isso seria prejudicial para sua loja. Algumas das senhoras da região haviam feito encomendas para a confecção de alguns vestidos de festa, e isso para ela realmente era importante. Sua loja tinha uma certa reputação e ela não queria ver esta manchada por não ter conseguido cumprir seus contratos, mesmo que a culpa não fosse dela.

Quando Ezequiel finalmente chegou, deu de cara com Izabel. Ao ver seu rosto, logo percebeu que teria uma conversa difícil com a cliente. O que ocorrera… a Comercial Gebrüder Hering, situada em Blumenau tivera um problema com um de seus fornecedores e tinha uma grande encomenda para entregar… e pediu socorro para as principais tecelagens do país, para poder suprir sua necessidade imediata. A CTI, de vez em quando, usufruía de alguns favores da Hering, e essa era uma via de mão dupla. Embora a empresa de Izabel fosse uma cliente fiel, já com algum tempo de relacionamento, não tinha como comparar-se com a Hering. E não só ela, como vários pequenos clientes foram deixados de lado para que a empresa sulista fosse atendida. Claro que Ezequiel não contou isso para sua cliente, não podia dizer isso… inventou uma história, dizendo que houve um problema com os fornecedores de algodão, matéria prima para sua empresa… e prometeu que faria tudo que estivesse ao seu alcance para que a cliente fosse atendida o mais rápido possível, mesmo sabendo que essa era uma promessa vazia…

Quando Juca viu sua esposa chegando, ficou preocupado. Ela estava com cara de poucos amigos, o que sinalizava que não tivera boas notícias em sua incursão na fábrica. A garota entrou, passou direto por todos que estavam no salão da loja e dirigiu-se direto para seu escritório. Fechou a porta. A tensão instalou-se no ar… o que teria acontecido para que Izabel chegasse nervosa na empresa? Juca não tinha nenhuma vontade de descobrir, mas que remédio… ele teria que ir até sua esposa descobrir o que estava acontecendo. Mesmo porque as funcionárias precisavam ficar a par do que ocorria… na oficina de costura, a última peça de fazenda de amorim estava se findando… e haviam muitas encomendas paradas devido a falta do tecido…

Juca abriu a porta do escritório, mas não entrou de imediato. Ficou parado na soleira, pensativo. Quanto a Izabel, estava sentada em sua cadeira, cotovelos apoiados na mesa e o rosto sobre suas mãos. Estava com o olhar perdido, como se não visse a saída para o problema. E não via, mesmo… afinal, não conseguiria honrar seus compromissos, e isso a deixava nervosa. Se soubesse a mais tempo que não receberia o material solicitado, teria pedido ajuda para Graça, na Capital… Bem, à tarde tinha um trem que ia para São Paulo… com certeza, estaria nele. Levaria os desenhos dos pedidos e iria torcer para que a a amiga pudesse socorrê-la… sabia que era um tiro no escuro, mas tinha que tentar…

Juca finalmente tomou coragem e aproximou-se da esposa. Continuou em silêncio, apenas a observando. Sabia que, quando ela estava nesse estado pensativo, era melhor não perturbá-la… o ideal era deixar que ela resolvesse falar alguma coisa… sim, Izabel era uma boa pessoa, mas… bem, quando tinha algum problema era um pouco… explosiva. Bem, depois de algum tempo ela levantou a cabeça e viu seu marido parado à sua frente, silencioso. Apenas olhando-a. Com uma pergunta nos olhos que jamais iria ser expressa em palavras. Ela sorriu… não conseguia entender essa devoção do esposo, mas simplesmente amava esse gesto de sua parte. Ele nunca cobrava nada dela, sempre a apoiava, dava-lhe todo o cuidado de que ela necessitava… e nada pedia em troca….

– Senta… ou vai ficar o dia inteiro aí de pé?

Juca sentou-se em frente a sua esposa.

– O que aconteceu, Belinha?

Ela olhou para o esposo, pensativa…

– Vou pegar o trem das quatro para São Paulo…

– Vai para São Paulo? Por que?

– Porque a CTI vai atrasar ainda mais a entrega do amorim… e eu preciso dele para terminar as encomendas…

– Sei, mas… o que a CTI tem a ver com São Paulo?

– A CTI? Nada… eu vou pedir ajuda para Graça…

– E acha que ela poderá ajudar?

– Espero que sim… de qualquer forma, vou levar as três costureiras comigo…quem sabe se não consigo…

Juca ficou calado… sabia que Izabel e Graça eram muito unidas na infância e adolescência, mas já fazia um bom tempo que as duas não se encontravam… e se as coisas não saíssem como Izabel esperava?

Com um pequeno atraso, a composição saiu da Estação Ferroviária de Taubaté, com destino a São Paulo. A viagem levaria umas seis horas, se não sofresse mais nenhum atraso durante o percurso. Como já eram quase três horas, na melhor das hipóteses chegariam na Capital lá pelas nove da noite. Ficariam em algum hotel ali no Brás, perto da Estação Ferroviária. E na manhã seguinte se dirigiriam até a loja de Graça. E Izabel pediria ajuda para a amiga. Claro que ela sabia que de repente a amiga poderia não ter condições de ajuda-la. Mas a única maneira de descobrir isso era conversando com ela. E era isso que teria que fazer.

Mais ou menos umas dez horas da manhã Izabel estava na porta da loja de sua amiga. Deixara suas auxiliares no hotel, achou melhor não chegar com seu batalhão… afinal, primeiro teria que sondar o terreno, ver se haveria condições de sua amiga a ajudar. Estava contando com isso. Precisava dessa ajuda. Mas sabia que nem sempre aquilo que necessitamos nos é ofertado, já que a vida tem suas próprias rotas já traçadas. Quando coincidem com aquilo que esperamos, que felicidade. Mas nem sempre é assim…

Quando Graça viu a amiga entrando na loja, quase não acreditou. Afinal, fazia já um bom tempo que as duas não se encontravam. E ficou feliz com a chegada de sua companheira de traquinagens em seus bons tempos. As duas se abraçaram efusivamente, e depois de apresentar Izabel para todas as suas funcionárias, dizendo que, de certa forma, aquele local só existia graças a sua amiga, as duas dirigiram-se ao escritório. E Izabel expôs seu problema. Graça ficou alguns instantes pensativa. Levantou-se, foi até seus livro de controle, examinou-os. Verificou também sua lista de pedidos e seu estoque. Estava séria, pensativa. Izabel ficava cada vez mais preocupada. Afinal, não poderia pedir para a amiga fazer mais do que fosse possível… não seria muito honesto de sua parte. Então, finalmente Graça dirigiu-se a ela…

– Quanto ao material, sem problema… Posso te emprestar duas máquinas… mas não tenho ninguém disponível…

O rosto de Izabel iluminou-se de felicidade. A amiga iria ajudá-la… ela conseguiria honrar seus compromissos…

– Eu trouxe minhas funcionárias comigo. Muito obrigada, amiga! Você não sabe o tamanho do presente que está me dando!

– Você é minha irmã de coração! Como eu poderia não te ajudar? Bem, cadê suas ajudantes?

– Estão no hotel. Vou buscá-la agora… 

– Vou contigo… estou precisando dar uma voltinha, mesmo.

E lá foram as duas para o ponto do bonde, com destino ao Braz. Izabel não conseguia conter sua felicidade. Graça apenas sorria, vendo a amiga tão animada.

Tania Miranda
Tania Miranda
Trabalho na Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo e minha função é "Agente de Organização Escolar", embora no momento esteja emprestada para o TRE-SP, onde exerço a função de "Auxiliar Cartorário". Adoro escrever, e no momento (maio de 2023) estou publicando meu primeiro livro pela Editora Versiprosa...

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