Capítulo Setenta e dois
Maria estava cercada de todos os lados. Estranhamente calma, apesar da situação. Como pudera ser tão inconsequente? As palavras de Juvêncio haviam sido bem claras… ela e suas parceiras jamais deveriam se separar durante suas missões, pois era essa união a origem de sua força. Bem, ela não quis ouvir e agora estava naquela situação… conferiu sua munição… tinha ainda mais uns trinta cartuchos… depois, teria que ser no braço, mas ela não tinha nenhuma ilusão de sucesso. Por que? Simples…pelos disparos, deveriam ser pelo menos uns oito, nove oponentes… e ela estava sozinha. Poderia até vencer um ou dois agressores, isso se eles viessem de mãos limpas, o que ela tinha certeza de que não aconteceria… mas, mesmo que fosse assim, o resto com certeza a subjugaria e aí… pensando bem, até que seria menos doloroso se ela fosse atingida pelos disparos… pelo menos não seria submetida a abusos… bem, de qualquer forma, não era hora de pensar nisso… não. Agora o mais importante era esconder o medalhão em algum lugar… Juvêncio havia sido bem claro quanto a isso… em caso extremo, ocultar a peça, para que ela não caísse em mãos erradas. E, entre um disparo e outro, Maria observava a sua volta, procurando um bom esconderijo para o artefato… finalmente avistou uma arvorezinha quase ao seu lado… ela tinha uma reentrância que parecia a toca de algum animal pequeno. Não teve dúvidas… escondeu o melhor que pôde seu ornamento no buraco da árvore, e continuou a atirar. Seu rifle estava desmuniciado, não tinha mais nenhuma carga para repor… seus revólveres tinham exatamente cinco munições…. depois disso… bem, ela não queria nem pensar. E não pensou, realmente. Saiu da proteção em que se encontrava e correu campo aberto, disparando contra os oponentes mais próximos… conseguiu atingir dois de seus agressores, mas quase que ao mesmo tempo seu corpo estremeceu, atingido que foi pelos projéteis que vinham de todos os lados… ela ainda teve forças para efetuar os três disparos restantes, levando consigo mais um dos inimigos, mas então tombou sem vida, pois fora atingida na cabeça por um dos últimos disparos que ouviu… sua última visão de nosso mundo foi uma dália vermelha, quando seu corpo tombou sobre a mesma… e seu sangue misturou-se à seiva da flor… sim, Maria partiu… e deixou suas parceiras desprotegidas! Como ela pôde ser tão descuidada?
Cecilia olhou Ricardo nos olhos. Em seu semblante, nenhum receio do que poderia acontecer. Deu um passo para a frente, deixando suas irmãs um pouco afastadas de si. Ricardo continuava a apontar a arma contra sua ex… falava palavras desconexas, culpando-a de todas as suas mazelas. Cecilia continuava a fitá-lo, cabeça erguida. Embora noite, os dois conseguiam se ver nitidamente graças à iluminação pública, que deixou o local claro como se dia fosse. Calma, lentamente, Cecilia caminhava em direção ao seu ex, que não percebia essa ação da moça, tal seu estado de embriaguez. As duas irmãs também caminhavam em direção ao rapaz, cada uma por um flanco. Lenta, vagarosamente, se aproximavam do mesmo. Ele não percebia a manobra das moças por dois bons motivos… estava focado em Cecília, em quem depositava toda a sua ira, o seu ódio, e estava bêbado, o que fazia com que seu discernimento ficasse bastante comprometido. Claro que isso não o tornava mais inofensivo, afinal estava apontando uma arma carregada e destravada contra a moça… e a qualquer momento poderia disparar um tiro.
Ricardo continuava a destratar sua ex, em voz alta. As palavras que pronunciava eram ásperas, machucavam o ego de Cecília. Mas ela conseguia manter a calma, pois sabia que, se se deixasse envolver pelas palavras do rapaz, estaria perdida, ficaria sem saída. Para conseguir sair daquela situação sem se machucar, teria que manter a calma. Pelo canto dos olhos percebeu a manobra de suas irmãs, e respirou aliviada. Sabia que tinha que manter o rapaz focado em sua figura. O que não seria difícil, dado seu estado atual. Mas, sabe como é… nunca se pode contar com o incerto, com o imponderável… qualquer ação impensada poderia desencadear o inferno na terra… e isso não era o desejo de Cecília, nem de suas irmãs…
Cecília já estava bem próxima do rapaz… uns três metros, quando muito. Sabia que, quanto mais próxima, mais cuidado deveria ter. Afinal, estava mais perto da arma e, em consequência, se ele acionasse o gatilho, seria atingida com certeza. E ela não tinha nenhum desejo de terminar sua noite, na melhor das hipóteses, em um hospital… verificando cautelosamente a posição de suas irmãs, a moça percebeu que era a hora de conversar com seu agressor… seria uma manobra de distração, onde ela ganharia tempo para que as garotas pudessem agir. Fazia mais ou menos uns dez minutos que estavam nesse jogo. E Cecília sabia que não tinha muito tempo para reverter a situação… teria que dar sua cartada agora. Mas… sobre o que falaria? O que poderia desestruturar seu atacante? Teria que ser algo que mexesse com sua cabeça, que o desorientasse, mesmo que por alguns segundos… o suficiente para que ela ou suas irmãs desarmassem esse imbecil, antes que alguma coisa irreversível acontecesse…
– Ricardo, você não pensa em sua filha?
– O que tem ela, sua…?
– Pode me xingar a vontade… palavras não machucam…
– Claro que não… o seu presente, que vai te machucar de verdade, como você me machucou… está aqui, ó….
E Ricardo, com a mão esquerda, aponta o dedo para a arma, que segura com a direita.
– E como eu te machuquei, poderia me explicar?
– Você me trocou por outro…
– Eu o que?!
– Não adianta tentar me enganar… eu sei que você tem outro homem em sua vida…
– Ricardo, quem saiu de casa com outra família já formada foi você, não eu…
– Eu…
– E é por isso que eu repito… deixe de besteira, abaixe essa arma… Pense em sua filhinha…
– Deixa a Letícia fora disso, sua… você tem que lavar sua boca com sabão para falar da minha menina!
Helena e Estela conseguiram se posicionar logo atrás do rapaz, que tão focado em Cecília, não percebera a manobra das moças… Helena fez sinal para que Cecilia continuasse a distrair seu ex… poucos passos separavam as moças de seu objetivo. Agora que tudo caminhava para o fim, a moça começava a ficar tensa. Mas sabia que, se não mantivesse a calma, as coisas poderiam não acabar bem para ela… como não acabou para sua bisavó… engraçado como, de repente, veio esse pensamento em sua cabeça… e ela viu Maria tombando em batalha, e entendeu o por que encontrou a medalha naquele dia… estava apenas recuperando algo que havia guardado a muito tempo atrás, porque ela era, na verdade, a reencarnação de sua bisavó… pensamento estranho para ter numa hora dessas… talvez fosse o medo de morrer que a tivesse feito ter aquela visão… que foi fugaz, mas que para ela durou uma eternidade… Cecília não conseguia entender as relação entre sua situação e a do sonho, que insistia em martelar sua imaginação…e, francamente, agora não era a melhor hora para ter esse tipo de pensamento…
A ação que se desenrolou foi muito rápida…Helena fez um sinal para Cecília, que se atirou ao lado, enquanto suas irmãs atacaram Ricardo, tentando desarma-lo… os três rolaram pelo chão e a arma chegou a disparar, mas felizmente não atingiu nenhum dos presentes. Helena atingiu Ricardo com um soco em seu rosto, enquanto Estela aplicou-lhe um chute nos países baixos… desnecessário dizer que o rapaz ficou totalmente sem ação, imobilizado pelas três… uma viatura de polícia se aproximava, acionada que foi por algum dos vizinhos que percebeu o que ocorria em frente da casa de Helena… o rapaz foi algemado e todos foram parar na delegacia, para registrar a ocorrência. Passaram o resto da noite prestando depoimento. Quando o delegado leu o que Ricardo falou, não conseguiu deixar de dar risada… segundo o relato do rapaz, ele foi atacado por três vaqueiras, que portavam armas em sua cintura…
Uma semana depois do ocorrido… sim, Ricardo ficou preso por tentativa de assassinato… mas saiu na manhã seguinte, pois o juiz achou por bem deixá-lo em liberdade até o julgamento, já que não houve nenhuma vítima fatal… as três irmãs estavam reunidas na casa de Helena, que deu uma notícia não muito boa para Cecília e Estela… sim, as três eram reencarnação de um grupo que atuava desde os primórdios dos tempos… e sua consciência despertou porque uma grave ameaça estava para se abater sobre a Terra… e elas teriam que impedir… o nome do grupo? “Walküren”…