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domingo, 24 de novembro de 2024

A volta da fome no Brasil: uma questão de políticas públicas e organização social

Não é preciso muita atenção para enxergar a situação de miséria se expandindo a cada dia no país, ainda que tal realidade nunca tenha sido erradicada em cem por cento em nossa sociedade.

Se os brasileiros, principalmente os mais jovens, se dispuserem a rever os registros jornalísticos das décadas de 70/80/90, terão oportunidade de se depararem com cenários que mostram um povo vivendo em condições sub-humanas comparadas às regiões mais pobres do planeta, principalmente em países africanos como a Etiópia, por exemplo.

Infelizmente, parte da situação passou a ser revertida no início do século em curso, onde políticas públicas, como o Programa Bolsa Família, trouxeram alguma esperança a uma parcela das classes vulneráveis, minimizando principalmente, o problema da fome entre os mais necessitados.

No entanto, ao que tudo indica, o país está fazendo o caminho de volta. As imagens que se sucedem pelo Brasil afora têm mostrado pessoas à cata de lixo e rejeitos de alimentos a fim de matar a fome, ainda que esta seja uma forma de adoecer, considerando que a comida descartada pode estar deteriorada. Essa realidade mostra que a situação de miséria volta a bater à porta de boa parte da população brasileira e indica a necessidade de mobilização para a reversão dessa situação degradante.

É possível que algum leitor tente justificar que o problema da fome date dos primórdios da existência humana, e, que fora em busca de alimentos que os primeiros seres humanos se deslocaram e povoaram a Terra. Com certeza, tal leitura tem algo de verídico. Mas esse processo ocorrera de forma natural, onde nada pode ser comparado ao que se vive agora. Entretanto, a História registra que na Antiguidade já existiam políticas de distribuição de alimentos.

No Egito antigo, por exemplo, os faraós providenciavam o armazenamento de alimentos em tempos de fartura a fim de não permitir a seus súditos a humilhação da fome, quando em ocasiões necessárias se distribuía trigo aos famintos.

Mesma situação foi marcante no Império Romano, onde por meio de suas colônias, provia seus armazéns para os momentos de dificuldades, onde o trigo era distribuído para garantir a tranquilidade dos desprovidos. Vale frisar que praticamente todos os grandes impérios guardavam preocupação em armazenar proventos para os tempos de dificuldades.

No que tange à temática da fome, em 2014, de acordo com o Relatório de Insegurança Alimentar no Mundo, o Brasil foi dado como um dos países que adotaram estratégias de combate à fome com a expressiva diminuição da desnutrição. Esse é um reconhecimento da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). Como indicadores para essa proeza, a FAO considera que o aumento da oferta de alimentos, o aumento da renda dos mais pobres por meio do crescimento real do salário mínimo e geração de empregos, o Programa Bolsa Família, governo transparente e com participação da sociedade foram fatores fundamentais para que o país alcançasse esse resultado, onde a fome persistia por séculos.

Até então, ainda que o Brasil continuasse com cerca de 1,7% de subalimentados, em 2014 ficou evidenciado que 98,3% da população brasileira tinha acesso a alimentos e segurança alimentar. Portanto, uma grande conquista.

Apesar dos avanços, dados da FAO indicam que a fome tem se tornado cada vez mais realidade no Brasil, quando, segundo informações dessa entidade, entre 2017 e 2019 o quantitativo de pessoas que viviam em situação de insegurança alimentar cresceu mais de 4%, chegando a cerca de 43,1 milhões de brasileiros.

Igualmente, dados do novo relatório da FAO revelam que situação mais preocupante se encontra na África, onde Angola e Moçambique lideram o ranking da fome no mundo. De acordo com números desse organismo da Organização das Nações Unidas (ONU), as taxas de famintos aumentaram lentamente nos últimos três anos, sendo que em 2018 cerca de 820 milhões de pessoas passavam fome no planeta, indicando um desafio enorme por ser enfrentado até 2030, quando se espera que os índices cheguem a zero.

Apesar de todos os problemas que envolvem questões relacionadas à fome, não se pode negar a responsabilidade do Estado para que pessoas tenham comida.

Para tanto, cabe aos governantes e à sociedade organizada a implementação de ações de curto, médio e longo prazo que possam atuar em vários pontos a fim de que sejam conhecidos os fatores que levam as pessoas à condição de famintas, para desta forma implementar políticas que possam sanar sua causa, sem o esquecimento que o Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CESCR) determina que ao Estado compete o compromisso para que a população tenha acesso à alimentação, realizar medidas de modo a assegurar que as pessoas não sejam privadas de comida, implementar políticas  que garantam ao povo sua alimentação e prover as pessoas de alimentação em situação de crise.

Portanto, dentre as políticas públicas que competem ao Estado podem ser enumeradas a distribuição de rendas para aliviar a situação emergencial, a exemplo do Programa Fome Zero e do Bolsa Família. Além disso, compete ao Estado: fornecimento de subsídios aos pequenos produtores, pois estes são responsáveis por grande parte de alimentos no local onde estão instalados; ofertar capacitações às pessoas vulneráveis a fim de que estas aprendam fórmulas de enfrentamento de seu problema; fornecimento de alimentação escolar de qualidade, considerando que isso pode promover a frequência à escola e a aprendizagem dos alunos elevando, igualmente, suas oportunidades e perspectivas de futuro. Tais ações são indicativos para uma sociedade promissora, considerando que a alimentação saudável promove crescimento econômico pelo fato de gerar produtividade e aumentar a expectativa de vida das pessoas.

Para piorar, a pandemia da Covid-19 veio a calhar exatamente nesse momento, abrindo campo para corroborar com o aumento da fome, pois as metas nesse sentido têm sido esquecidas, o que tem elevado os índices de famintos em consequência de recessões econômicas, deixando evidências que as intenções de erradicação da miséria até 2030 não serão cumpridas, tanto no que diz respeito à garantia de alimentos quanto a qualidade destes, pois quando se fala em comida é preciso questionar se esta está sendo nutritiva, o que torna a situação bastante desconfortável, considerando que uma dieta rica em nutrientes exige custos. E nem tudo que se distribui — ou se cata nos descartes — como alimento às classes vulneráveis é nutritivo. Às vezes é tóxico pesado.

Entretanto, não basta esperar para ver, mas mover ações para que a fome seja erradicada no Brasil e no mundo inteiro, pois esse é o melhor caminho para dotar todos os seres humanos de dignidade. Para isso serão necessárias ações concretas dos governantes e solidificação dos movimentos da sociedade organizada.

Acertadamente, a questão da fome é real e grave. Infelizmente o atual governo brasileiro não está sensível a esse problema. Se é que o que se instalou no Palácio do Planalto em Brasília nas últimas eleições pode ser chamado de governo.

Autor:

Pedro Paulino da Silva é graduado em Ciências Sociais pela FAFI de Cachoeiro de Itapemirim e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

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