Há livros que não apenas contam uma história, mas desestabilizam certezas. O Evangelho Segundo Pilatos, do escritor francês Eric-Emmanuel Schmitt, é um desses romances que não se contentam em reproduzir a tradição; preferem questioná-la. Com uma prosa clara e poética, Schmitt reescreve o episódio mais emblemático da fé cristã – a paixão e ressurreição de Cristo – para transformá-lo num drama íntimo sobre dúvida, consciência e transcendência.
A narrativa se divide em duas partes complementares. Primeiro, acompanhamos um Jesus humano, frágil, um homem em crise com o próprio destino, escrevendo cartas a Deus às vésperas de sua crucificação. Depois, o olhar se desloca para Pôncio Pilatos, o governador romano que, diante do desaparecimento do corpo de Jesus, se vê enredado numa teia de perguntas sem resposta. Schmitt faz dessa alternância um espelho duplo: de um lado, o homem que ascende ao divino; de outro, o racionalista que tenta compreender o inexplicável.
O autor, conhecido por conciliar filosofia e literatura, não pretende oferecer uma nova teologia. O que propõe é uma reflexão sobre o lugar da fé num mundo saturado de lógica. Pilatos, em suas meditações, poderia muito bem ser o próprio Schmitt — ou qualquer leitor moderno —, alguém que busca um sentido que a razão já não alcança. O romance, assim, fala menos de dogmas e mais do desassossego humano diante do mistério.
Há na escrita de Schmitt uma beleza contida, quase luminosa. Cada frase parece construída para revelar, ao mesmo tempo, o fascínio e o medo do sagrado. O autor faz da dúvida uma forma de oração, um gesto de quem aceita a incompletude da experiência humana. Seu Evangelho não é o evangelho dos que acreditam sem hesitar, mas dos que creem apesar da hesitação.
Em tempos de discursos absolutos, O Evangelho Segundo Pilatos renova a dignidade da pergunta e devolve à fé seu caráter mais corajoso: o de enfrentar o vazio sem fugir dele. Schmitt nos lembra que crer não é ter certeza, mas continuar buscando sentido mesmo quando o silêncio parece completo. Entre o tribunal da razão e o túmulo vazio, o autor constrói uma via possível — a da fé que duvida de si mesma, mas ainda assim se recusa a morrer.
Sobre Eric-Emmanuel Schmitt
Nascido em 1960, Eric-Emmanuel Schmitt é um renomado escritor, dramaturgo e filósofo francês. Sua obra se caracteriza pela união da literatura com questões filosóficas e espirituais, explorando temas como a fé, a dúvida e a condição humana. Autor de grandes sucessos internacionais, Schmitt é conhecido por sua habilidade de traduzir pensamentos complexos em textos acessíveis e poéticos, conquistando leitores ao redor do mundo.

