Quem vive ou passou alguns dias em um sítio, onde há mata ao redor, provavelmente já ouviu o canto da araponga. É um canto irritante, porque se parece com um martelo batendo sem parar em uma bigorna: plim… plim… plim… por horas a fio. O pássaro, até que é bonito — branco, com tons esverdeados — mas seu canto, se é que se pode chamar de canto, irrita os nervos. E muito.
No entanto, ele se torna lindo quando comparado aos “bate-estacas” da cidade. É verdade que os passos do progresso não podem ser interrompidos, mas que é uma tortura, é! Vejam só: infelizmente, iniciou-se uma obra para a construção de um daqueles futuros prédios que querem alcançar as estrelas, colado ao edifício onde moro. Pois é, leitor: moro em um prédio ao lado de uma dessas obras — separado apenas por um muro. Mas convenhamos… quem disse que muro barra o som?
Meus ouvidos estão pedindo silêncio. Neste meu prédio de doze andares, onde vivem, como meus vizinhos há mais de cinquenta anos, algumas famílias — na maioria idosos — imagino o que eles estão passando! E eu, então, que preciso de paz para escrever!
Resolvi protestar: fui até a portaria da obra, conversei com o mestre de obras e sugeri que ele solicitasse alguns protetores de ouvido para nós, os moradores. Do meu ponto de vista, seria uma atitude da incorporadora muito bem recebida — uma atitude de bom relacionamento com a vizinhança, de boas relações públicas.
Ele me ouviu atentamente, pegou meu cartão e disse que iria comunicar aos seus superiores. Virou-me as costas e o bate-estaca continuou, sem nenhum intervalo e no mesmo ritmo. Sim, claro que o meu protesto não adiantou nada. Mas acho que fui ingênuo. Uma obra que dará milhões em lucro para a incorporadora não tem espaço para pequenas reclamações — pequenas do ponto de vista deles. Acho que, pensam assim; “o que importa é a velocidade com que se conclui a obra”. Doa a quem doer… o progresso em primeiro lugar.
O jeito é voltar para o sítio e agradecer ao canto das arapongas do mato, porque as da cidade são um verdadeiro inferno!

