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sábado, 16 de novembro de 2024

O dia do Fico: a semente da independência

O dia 09 de Janeiro marca uma data fundamental para a história do Brasil. Há 202 anos D. Pedro I, o primeiro imperador do Brasil, escreveu uma carta para Portugal que mudaria os rumos do nosso país. Nela está contida a famosa frase “Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que fico”, que eternizou essa data conhecida como “o dia do fico”. 

Mais do que um ato de rebeldia contra a coroa portuguesa, a posição de D. Pedro I se mostrou como o mais contundente ato em prol da independência do Brasil, fomentado por alguns setores da sociedade brasileira, mas uma realidade muito distante até aquele momento. Apesar de parecer um sonho distante, entre a carta de D. Pedro I e a proclamação da independência, ocorrida em 7 de setembro de 1822, passaram-se apenas nove meses, um tempo extremamente curto considerando o contexto histórico do século XIX. Logo, é inegável que o “dia do fico” foi uma peça importante na construção da independência do Brasil. 

Apesar de sua importância, poucos brasileiros conhecem ou mesmo lembram desta data. Notadamente ao longo do tempo, a memória coletiva fixou-se no ato de independência e, como consequência, o dia 09 de janeiro não ganhou a mesma projeção, apesar de lembrado e marcado nos livros de história. Um fato que atesta o esquecimento desta data é de que esse dia não é um feriado nacional ou mesmo uma data cívica, diferentemente do 7 de setembro e até mesmo do 15 de novembro, data da proclamação da república. 

Visto isso, será que não deveríamos refletir sobre o valor histórico do Dia do Fico? Não se trata apenas de relembrar os fatos, mas projetar essas ações no tempo e perceber sua importância para a construção da nação que chamamos de Brasil. Também se faz urgente resgatar o valor dos personagens envolvidos nessa trama que, apesar de esquecidos ou diminuídos, cumpriram um importante papel para que o dia 09 de janeiro de 1822 – não fosse apenas mais um dia qualquer.

Um mundo em transformação 

Para entendermos o significado do Dia do Fico é essencial compreender o contexto histórico vivido no Brasil. Como sabemos, devido às guerras napoleônicas do início do século XIX a família real foi obrigada a sair de Portugal, mudando a corte para o Rio de Janeiro. A vinda da família real em 1808 alterou completamente a dinâmica social exercida em nosso país. Não apenas pela transferência da corte, mas também pelas novas possibilidades dentro da política interna e externa do Brasil. A abertura dos portos em 1808 fez com que novos parceiros comerciais fossem estabelecidos, como a Inglaterra. Vale lembrar que até então devido ao pacto colonial, o Brasil estava autorizado a comercializar apenas com Portugal. 

O Rio de Janeiro foi modernizado ao longo dos anos subsequentes, com a construção do Banco do Brasil, Jardim Botânico e demais reformas necessárias na cidade para comportar os mais de 20 mil portugueses que atracaram na Baía de Guanabara. Porém, apesar de toda importância exercida na colônia, até 1815 o Brasil mantinha-se como uma colônia portuguesa, ou seja, estava completamente subordinada aos interesses lusitanos. D. João VI, imperador de Portugal, vivia no Rio de Janeiro mas com sua mente voltada para Europa, principalmente o seu país, até então dominado por Portugal. 

Em 1815 o Brasil é alçado à condição de Reino Unido. Graças a pressão política brasileira e a condição favorável em que a corte encontrava-se no Rio fomos capazes de sair da condição de colonizados e passamos a integrar o império português. Apesar de parecer apenas um título diplomático, a quebra da relação metrópole – colônia deu mais autonomia para o nosso país que gestava, aos poucos, o desejo de tornar-se independente. 

Porém, em 1820 ocorreu a revolução do Porto que conseguiu expulsar as tropas francesas do território português e retomar a autonomia portuguesa. Como consequência, os revolucionários exigiam o retorno da família real para Portugal e rebaixar o Brasil para a condição de colônia. Além disso, Portugal deixou de ser uma monarquia absolutista, em que o rei detém praticamente todos os poderes, e passou a ser uma monarquia constitucional. Todas essas mudanças ocorridas em Portugal afetaram o império e, consequentemente, o Brasil. Dom João VI, que até então comandava o império a partir do Rio de Janeiro, teve sua presença exigida em Portugal, desembarcando em Lisboa em abril de 1821. Porém, o monarca deixou seu filho D. Pedro I como príncipe – regente no Brasil, pois para a família real naquele momento era estratégico manter-se separada. Enquanto D. João VI administrava a situação na Europa, D. Pedro I seguiu comandando o Brasil. 

Sobre esse ponto, a separação da família real pode ser entendida como uma forma de assegurar a sobrevivência da sua dinastia, pois apesar da revolução do Porto não ter um caráter republicano a princípio, o exemplo da revolução francesa e a decapitação da família de Luís XVI certamente estava na memória de qualquer monarca europeu. Assim, deixar parte da corte no Brasil era uma garantia de que a família portuguesa não seria destronada de forma tão brutal como a do Palácio de Versalhes. 

Mesmo assim, a pressão para exigir o retorno de D. Pedro I continuou ao longo de todo o ano de 1821. A ideia por trás da volta de D. Pedro I é o fato de manter a corte centralizada, o que mudaria o jogo de poder administrativo do império português e faria com que o Brasil voltasse ao status de colônia. O impasse entre a corte portuguesa e o Brasil escalou para uma crise que quase desencadeou um confronto militar, uma vez que Portugal chegou a enviar soldados até o Brasil para forçar a vinda de D. Pedro I. Frente a esse cenário, era necessário uma postura sólida e contundente. 

Para além do dia do Fico 

O Dia do Fico não foi uma conquista unicamente do príncipe-regente. Apesar de darmos grande parte dos créditos ao filho de D. João VI, é fato que alguns setores da sociedade brasileira, principalmente a classe política, os empresários e comerciantes, enxergavam a necessidade da independência do Brasil. Os anos vindouros de 1808 até aquele momento tinham gerado doces frutos como a possibilidade de novas rotas comerciais, com novos produtos e parceiros, além da autonomia política. Esses avanços não seriam entregues “de mãos beijadas”, logo, não era aceitável o Brasil voltar para a condição de colônia de Portugal.

Frente a isso, nos primeiros dias de janeiro de 1822 a classe política brasileira começou a pressionar D. Pedro I para tomar uma posição assertiva frente às ameaças portuguesas. Assim se mostrava o desejo da sociedade brasileira em seguir avançando até a independência. Dom Pedro I, por sua vez, percebendo a oportunidade de continuar reinando no Brasil – caso voltasse para Portugal seguiria como príncipe apenas. Entretanto, é inegável que os motivos de D. Pedro I perpassa a questão política ou mesmo de exercer o poder. 

O que se mostrava em jogo era o futuro da nação crescente, que avançava a passos largos naquele momento. Nas mãos de D. Pedro I. estava a decisão de frear esse crescimento ou impulsioná-lo. Nesse sentido, o Dia do Fico foi um dos momentos cruciais de nossa história enquanto nação, pois é nele que surge a semente do patriotismo, afinal, até então o Brasil era apenas uma peça no tabuleiro político-econômico do império português e nunca fora vista como uma nação propriamente dita. O que se clamava por parte da sociedade – e Dom Pedro I sabia disso – era ter a chance de ser um país.

Assim, a carta de D. Pedro I referente a ficar no país representa muito mais do que um ato de poder frente ao seu pai e superior, D. João VI. Também representa muito mais do que um ato de rebeldia, como um filho que se volta contra o seu progenitor. A ação do monarca é, de fato, a postura de um rei perante o seu povo. O Dia do Fico é, acima de tudo, um ato de amor pela pátria que estava sendo gestada. 

Conclusão 

Conhecendo um pouco mais sobre o Dia do Fico somos levados a nos perguntar: não deveríamos dar mais valor a esse momento tão importante da nossa história? Em 1922, quando se comemorou o centenário da independência – e do Dia do Fico – o 09 de janeiro tornou-se feriado nacional, mas somente naquele ano e de forma emblemática.

Essa é uma condecoração limitada frente à magnitude do ato de D. Pedro I em consonância com a sociedade brasileira. Enfrentar o império português, determinar os limites entre as duas nações e estabelecer as bases de nossa identidade nacional a partir de um ato de imposição de sua soberania é um marco para o nosso país. É evidente que não estavam em jogo apenas interesses de cunho nacional, assim como em qualquer dinâmica social cada pessoa está inclinada a interesses particulares, porém, a composição e resultado do Dia do Fico foi o estopim para os eventos que culminaram em nossa independência política, escapando assim das amarras portuguesas. 

Dito isso, é imperioso que neste 9 de janeiro de 2024 possamos colocar nossa consciência em ação para firmarmos, mais uma vez, um sentimento a favor da nação brasileira. A história, enfim, continua a nos ensinar com os bons e belos exemplos como podemos ser, mesmo diante das pressões e adversidades, melhores em nossas decisões quando pensamos no bem comum, na coletividade, em todos.

Bom trabalho e grande abraço.

PROF. ADM. Rafael José Pôncio

Rafael José Pôncio
Rafael José Pônciohttps://linktr.ee/rafaeljoseponcio
É escritor brasileiro, historiador, administrador, economista e professor.

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