Meu amigo leitor, esta será uma crônica mais curta. Muitos poderão afirmar que estou exagerando, que eu estou fazendo uma comparação inadequada, que eu não sei do que estou falando. Mas, após a vexatória, ridícula e patética derrota do Botafogo para o Palmeiras, eu aprendi o que é sentir depressão, algo que eu nunca tinha experimentado.
Antes de falar desse terrível sentimento, de uma dor quase insuportável que transforma a morte em um alívio, eu tenho que falar de algumas sensações e deliberações que fiz após o jogo. Eu vou abandonar o futebol, seja como torcedor, como estudioso e cronista. Não vou mais escrever uma palavra sobre esse esporte, não vou acompanhar os jogos e, nem por decreto, jogaria uma “pelada” outra vez. Chegou a passar pela minha cabeça algo que só os tiranos e os fanáticos pensam, a de queimar todos os objetos relacionados ao futebol que estão em minha casa, inclusive os meus livros. Acredite, meu amigo, a irracionalidade chegou nesse nível!
No entanto, dois objetos me fizeram repensar a decisão. Foram dois presentes que ganhei de amigos queridos. O primeiro foi um escudo enorme de ferro do Botafogo que ganhei quando completei meio século de vida feito pelo meu xará, o Henrique, um cara muito especial e que, infelizmente, a Covid levou em 2021. O segundo artefato é um barco com velas botafoguenses que o Aristides, outra pessoa espetacular, me deu quando estava para se aposentar. Esses objetos, muito mais que o Botafogo, representam pessoas especiais e que sempre farão parte da minha história.
Em relação às crônicas, após momentos de indecisão, resolvi não as abandonar. A escrita é um exercício de reflexão. Nela posso expressar, não só as minhas ideias em relação ao futebol, como os muitos anos de leitura e estudos que fiz sobre a temática. Além disso, neste momento, por exemplo, ela serve ainda como um processo terapêutico e até de exorcismo dos fantasmas de verde que até hoje me assombram. E tem gente que diz que o verde é a cor da esperança.
Este ano, animado com a SAF e o final do Brasileiro do ano passado, comecei a assistir aos jogos do Botafogo pelo Campeonato Carioca. A campanha foi horrível e, o pior, sempre que eu assistia uma partida, o alvinegro, invariavelmente, era derrotado. Sem muitas expectativas, não acompanhei o time no início do Brasileirão. Com as vitórias sucessivas, de forma totalmente irracional e supersticiosa, comecei, nos dias dos jogos, a usar a mesma roupa, a ouvir a mesma playlist, a fazer a minha bicicletinha sempre no mesmo horário e, vejam bem, a não assistir aos jogos do Glorioso.
Animado com a boa campanha, em uma quarta ou quinta-feira eu assisti um jogo do alvinegro pela Copa Sul-Americana, foi contra o fraquíssimo César Vallejo. Tranquilo no sofá, o Botafogo havia acabado de fazer o terceiro gol, acreditei que seria uma noite sem tensão. Não é que o horroroso adversário quase empatou o jogo. Ainda assim, insisti e diversos resultados frustrantes me convenceram de que eu era o culpado. A mágica solução logo me veio à mente, vou continuar sem assistir aos jogos.
Na última quarta-feira, ao retornar do trabalho, fui fazer minha bicicleta enquanto assistia dois episódios de uma série espanhola disponível no Netflix chamada “Corpo em Chamas”. Antes de terminar o exercício, vários amigos me mandavam mensagens entusiasmadas, até exultantes, com a atuação do Botafogo. Para todos eu avisei que eu não assistiria ao jogo porque eu dava azar ao time.
Os minutos que passaram tão rápidos na primeira etapa, não corriam no segundo tempo. A Michelle me avisou que o Palmeira havia feito um gol. A sensação da tormenta começou a se formar. Depois fui avisado da expulsão do zagueiro. O horizonte foi tomado por pesadas nuvens que se deslocavam em velocidade incontrolável. Pênalti para o Botafogo! Parecia que um raio de luz iria romper as nuvens. O Tiquinho, sempre frio, tremeu e desperdiçou a oportunidade de “matar” o jogo. Nenhuma mensagem chegava pelo WhatsApp. Naquele momento, faltavam poucos minutos para o encerramento do jogo, ingenuamente eu pensava que a sua mudez era sinal de que nada estava ocorrendo. Quanta ilusão. O time que tem coisa com o Tinhoso havia empatado e virado o jogo.
Fui tomado por um sentimento que não desejo para ninguém. Se minha cachorra predileta, a Mancola, morresse, eu não sofreria tanto, tenho certeza. Perambulando pelo jardim, recebi uma mensagem da minha irmã. Obviamente que todas as catástrofes do mundo reverberaram na resposta. Acho que um pouco tocada e também se divertindo com o tom apocalíptico da minha resposta, ela me ofereceu um remédio para dormir. Eu aceitei, afinal era preciso esquecer tudo o que aconteceu. Ela me deu o tal medicamento, não sei o nome, que, segundo ela, faz até elefante dormir e, como eu nunca precisei desse tipo de artifício para encontrar Morfeu, ele seria ainda mais eficaz. Não foi bem assim. Eu até peguei no sono logo depois de tomar aquele comprimido, mas acordei diversas e diversas vezes ouvindo “é gol do Palmeiras”! Nem o 7X1 foi tão impactante.
Depois da catástrofe, vem a tormenta. Acordei muito cedo, “P” da vida, tomado por uma tristeza infinita e com um horizonte de expectativa assim:
Daí eu entendi o que uma vez uma pessoa muito querida me falou sobre a depressão. Que ela não via nada pela frente, que era tudo escuro e sem qualquer esperança. Fiz uma promessa, não vou mais ser tomado pela irracionalidade, agora serei apenas um frio analista do esporte bretão. E o Botafogo não vai nem para a Libertadores, pqp!
Autor:
Luiz Henrique Borges