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sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Galo !!!

Tenho (absoluta) certeza: essas coisas só acontecem comigo. Não sei como fui perder o retrovisor do lado do passageiro, mas mesmo com ele chegaria bem depois da decisão do varzeano, que por causa da viagem não pude assistir. Com uma parada no posto fiquei sabendo apenas que o Galo F.C. ficara com o vice-campeonato e que a partida havia sido muito tumultuada. Até um menino havia sido agredido.

Precisava de detalhes e fui até a casa do Groselha, torcedor nº 1 do “penoso” (agora há treze anos na fila) e que certamente havia ido ao estádio. Além de deserta a rua estava bastante escura e ao estacionar próximo a um latão de lixo tive a sensação de que algo batia na lateral traseira do carro, mas começou a chover forte e como não iria enxergar nada mesmo… atravessei a rua correndo.

Fui entrando e o Grosa ainda vestia a camisa do time. Perguntou-me da viagem e depois falou sobre a partida. O garoto agredido era justamente… o Groselhinha (como foi que não desconfiei?!). Levou alguns safanões do número 10 logo após a expulsão, quando foi pedir a camisa (que é claro, não ganhou) para o descontrolado jogador.

Grosa me disse que isto não foi tudo. Pela manhã seu filho estava em frente da casa fantasiado de galo (como entraria em campo) e uma senhora acabou dando-lhe inúmeras “guarda-chuvadas” pensando que o objetivo era o de assustar as pessoas mais velhas na rua. Antes que (o guarda-chuvas) acabasse já restavam poucas penas e uma parte do bico. A crista, desapareceu por completo.

Com o presidente do clube conseguiu permissão para entrar com os jogadores no gramado, tirar fotos com a equipe e assistir a partida lá de dentro. Na saída dos vestiários para entrar no campo escorregou e com exceção do goleiro que ia à frente, foi pisoteado pelo resto do elenco. Enquanto o massagista o recobria com anestésicos ficou de fora das famosas fotos tiradas antes do jogo.

Pouco antes do início o árbitro determinou a substituição de uma das redes, avariada. Na pressa, dois funcionários do clube passaram pelo garoto e acabaram por arrastá-lo preso à rede por alguns metros. Pouco depois levou uma bolada na cabeça, ficando algum tempo desacordado.

Para completar, gritou tanto durante o jogo que perdeu completamente a voz e já nos vestiários foi se trocar justamente na sala onde o (agressivo) mascote do time – um galo de verdade – estava trancafiado, recebendo bicadas e esporadas.

Conversamos bastante sobre a decisão e eu precisava ir, mesmo sem ter visto o menino. Além de cansado, já era tarde. Despedi-me e ainda sob chuva segui em direção ao carro, do outro lado da rua. Ao abri-lo, novamente a impressão de batidas agora insistentes, na lateral do carro.

Peguei uma lanterna sob o banco e fui verificar… o ruído vinha de trás do tambor de lixo. Aproximei-me e encontrei… o (encharcado) Groselhinha! Havia parado com o pneu sobre seu pé e, sem voz e todo dolorido não pôde dizer ou fazer nada… estava ali na calçada triste e cabisbaixo pela derrota do time e pelo dia nada bom (e isto antes que eu chegasse). Avisei seu pai e o levamos ao hospital. O médico, seu velho conhecido e que possuía seguramente o maior acervo de radiografias de um mesmo paciente fez outra receita e recomendou-lhe: nada de futebol, chuva, gritaria, ficar na calçada ou brincar com aves. De quebra, ganhou do médico um ímã de geladeira (um decorativo… galo).

Autor:

Miguel Arcangelo Picoli é autor do livro Momentos (contos) e Contos para Cassandra (em homenagem à escritora Cassandra Rios).

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