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sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Ausência

O telefonema apenas confirmou o esperado e o que dona Catharina mais temia. Apesar de todos os esforços, não fora possível salvá-lo. Enfatizaram que nem foi pela idade avançada, já que estrangeiros dessa geração eram muito fortes, mas por conta do acidente que havia sido muito grave. Eu mesmo ajudei a colocá-lo no carro, e naquele instante já não tinha esperanças de que pudesse voltar para casa.

Agradeci, sabendo que esteve em boas mãos e que o melhor havia sido feito, e disse que mais tarde passaria por lá para acertar tudo, pois não queria que naquele momento minha vizinha tivesse mais essa preocupação. Não seria fácil dar-lhe a notícia, mas achei melhor fazê-lo logo, e pessoalmente.

Após as duas batidas costumeiras na porta da cozinha fui entrando e chamando por ela. Estava no sofá da sala, onde invariavelmente o tinha ao seu lado, além da sacola de bordado, ocupação de todos os dias, mas que ainda não retomara desde que ele fora levado. Abaixei-me em sua frente, segurei suas mãos e olhando-a em seus olhos disse-lhe que sentia muito.

Ela compreendeu. De certa forma já esperava por isso, pois sabia que quando o teto desabara com a tempestade, ele estava bem sob a enorme viga. Suspirando e com a voz triste me disse:

— Já sinto falta dele! Esse silêncio é torturante…

De fato, sua ausência incomodava muito a quem se habituara com aquele grandalhão de dois metros.

Pensei no que poderia dizer a uma senhora que já havia enfrentado tantas adversidades, agora uma vez mais, inconsolável. Ele fora a paixão de sua vida nos últimos 62 anos. Ambos presenciaram toda a história da família, o crescimento dos filhos; os casais que se formaram; a vinda e o crescimento dos netos, algumas baixas, outras conquistas, dificuldades tantas… Testemunharam tudo.

— Ele era tão bonito!

Era mesmo. Em minha sala havia uma foto no porta-retratos tirada no último Natal, e em que eu estava ao seu lado, exatamente à meia-noite. O alemão, como eu costumava chamá-lo não aparentava a idade que tinha. Disse-lhe o que me veio à mente, que tudo tem seu tempo, nada é eterno a não ser as recordações que ela guardaria carinhosamente.

Claro, sua ausência seria difícil de suportar. Ele nunca lhe dera qualquer trabalho e sempre estivera presente, pontualíssimo. Recomendei que retomasse seu bordado, pois isso lhe ajudaria a se distrair já que o tempo não para, e era necessário prosseguir mesmo sem ele com as tarefas pessoais, da casa, etc. Pedi que respirasse fundo, pois aquela depressão não combinava com ela.

Pedi também que nos fizesse um gostoso café, como sempre fazia quando a visitava; perguntei-lhe sobre a peça que bordava; sobre os familiares; elogiei os reparos feitos na sala após a tragédia, lembrando-a que poderia ter sido pior; pedi para colher um pouco de tempero de folha em seu quintal, e assim, aos poucos e distraindo-a, foi dando sinais de que em breve voltaria a ser a dona Catharina que eu tão bem conhecia e de quem tanto gostava. Mais triste, sem dúvida, e vendo as horas passar de outra forma. Nem tentei encontrar outro carrilhão alemão de pedestal como o que ela perdera e que fora presente de sua querida madrinha. Era mesmo insubstituível.

Autor:

Miguel Arcangelo Picoli é autor do livro Momentos (contos) e Contos para Cassandra (em homenagem à escritora Cassandra Rios).

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