Um dia Triste

Passam poucos minutos desde que o sino da igreja desta freguesia tocou cinco vezes seguidas esta tarde, o dia está nublado, triste. É um dia por si só triste. A jornada de trabalho terminou e lá ia eu em direção à porta das traseiras com as minhas pequenas e irrelevantes preocupações, quase residuais à beira de tantas outras pessoas. Pela mesma porta, de vidros, no meio do escuro do nevoeiro está a entrar uma senhora do alto dos seus sapatos, sempre carregada de malas e sacos, e se fossem só malas e sacos era tudo o menos, do alto dos seus sapatos parece carregar o peso do mundo e por duas vezes. Cruzámo-nos na porta traseira como tantas vezes tinha acontecido ao longo dos últimos anos. Era um dia triste, de chuva, e lá vinha ela com a sua gabardine, extremamente magra e muito bonita, mas parecendo sempre muito cansada. Cruzámo-nos e sorriu-me como tantas outras vezes. Diz muitas vezes que tem orgulho em mim e na minha procura de qualificações um pouco tardia, e eu sei que ela sabe que a vida não é fácil e que temos de passar às vezes por situações menos agradáveis. Sorri-me sempre e sorri sempre de igual forma para todas as pessoas que aqui estão, independentemente do cargo que ocupam. Tem uns olhos bonitos e sorri com eles muitas vezes. Era um dia triste e mal ela sabia que não percorreria novamente aquelas escadas, as escadas que todos os dias subia ao longo dos últimos anos, as escadas que lhe davam acesso ao regaço da sua querida mãe. A porta não se vai fechar e as escadas lá continuarão para que outros tantos as continuem a subir, no entanto, não a vou encontrar mais naquela porta em que tantas vezes nos cruzámos. A mãe desta senhora partiu hoje, poucas horas depois de a filha deixar e de se despedir como se fosse a última vez, como acontecia todos os dias, tendo sempre a esperança de a poder voltar a ver no dia seguinte. Ela estava a sofrer muito nos últimos tempos. Nunca queremos que esta hora chegue, nunca queremos que as pessoas que mais amamos nos deixem fisicamente, mas quando sabemos que estão a sofrer e que cumpriram com a sua missão nesta vida, parece que vemos atenuar um pouco a nossa dor. Não conheci a mãe, mas pelos valores extraordinários da filha deve ter sido um exemplo de mulher e de mãe. Espero de coração, que encontre a luz e a força para enfrentar o luto da perda da sua querida mãe. Esta Senhora é Professora, os professores são sempre muito mais educadores do que professores, descansa-me saber que há pessoas verdadeiramente boas, capazes de transmitir bons valores aos filhos que daqui por uns dias também terão de subir por aquelas escadas.

Vila de São Sebastião, 02 de Novembro de 2022

Autora:

Lídia Patrícia Meneses