Início Literatura Crônicas Pedro e Leopoldina: 200 anos depois

Pedro e Leopoldina: 200 anos depois

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Em algum lugar no metaverso do além, Pedro está intrigado. Sabe que uma data importante se aproxima, mas não se lembra qual. Aniversário de casamento? Qual deles? Enquanto pensava, Leopoldina o chamou por vídeo, nova funcionalidade disponível no celular dos desencarnados.

  • Amor, 7 de setembro de 2022 se aproxima.
  • Ô pá! E eu com isso?
  • O gajo, esquecestes? Vivíamos no Brasil e proclamastes a independência! Lá se vão 200 anos no tempo terrestre.
  • Raios. Sabia que era uma data importante.

A imperatriz pesquisou no Ghost Google, popular site de busca do outro mundo, e localizou Chico Xavier, que intermediou o contato com Pai Ambrósio, famoso médium e pai de santo da Rocinha. O nobre casal animou-se com a possibilidade de rever o Rio de Janeiro, o primogênito, a brava gente brasileira e a terra querida após 200 anos. Pedro queria rever Domitila, a bela e amada Marquesa, e Chalaça, o parça fiel que abandonou ao regressar a Portugal. Não entendeu quando Pai Ambrósio disse que chegariam no Galeão. Por que Galeão, uma nau de guerra fortemente armada? Uma luxuosa caravela bastaria.

Surgiram no saguão de desembarque do Galeão e estranharam os grandes pássaros metálicos, as pessoas e seus trajes. Preencheram o formulário e entraram na fila.

  • Quanta burocracia. Ninguém a nos receber. Veja só o espaço para o nome. Não cabe nem metade do meu: Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon.
  • Escreve só Pedro Bourbon, ou Pedro I. Todos te conhecem.

O funcionário estranhou as datas de nascimento, ele 1798 ela 1799. Como não tinham bagagem, imaginou serem figurantes dos festejos da Semana da Pátria e deixou passar. Na saída, um caça passageiro os conduziu até o taxi clandestino e Pedro pediu para tocar para a Quinta da Boa Vista.

Nos semáforos, foram abordados por pedintes, vendedores e gente do tráfico. As ruas eram imundas, mas as praias continuavam lindas as banhistas seminuas. Pedro deixou Leopoldina na Quinta e foi para São Paulo, no Ipiranga.

Não reconheceu o riacho espremido pela avenida com malabaristas e vendedores nas esquinas. Perguntou por Domitila e Bonifácio, mas ninguém deu informação. Quando soube que a Capital agora fica no Planalto Central, buscou Leopoldina e rumou para Brasília para avistar-se com o tal Mito. Era 6 de setembro, véspera dos 200 anos do heróico brado retumbante.

O casal detestou Brasília e seus prédios envidraçados. Nenhum bosque, pomar, macaco, arara ou praia. Centenas de pessoas acampadas no Eixo comiam pão com mortadela e bebiam de uma lata vermelha. Na Praça dos Três Poderes, viram lanceiros em trajes de gala. Pedro imaginou ser em sua homenagem. Era ensaio para o dia seguinte e ninguém deu a mínima para sua presença.

Foi recebido pelo Cerimonial do Palácio que aprovou os 2 atores e os figurinos escolhidos. Surgiu uma manada de estranhas montarias sobre rodas. Disseram-lhes que era uma motociata. O Mito parou uns minutos no cercadinho rodeado por seguranças e bajuladores e entrou no Palácio.

  • Salve Pedrão! Bom dia madame. Vamos entrando, tá Okei.

O anfitrião acompanhou o casal ao salão nobre, pediu Tubaína, pastel, deixou Leopoldina com a primeira dama e puxou conversa com o “figurante”.

  • E aí Pedrão, o que é que tu conta?
  • Como andam as relações com a Corte?
  • Muito difícil, porr@! Não me dão sossego. É um inquérito por dia.
  • Lamento que após tanto tempo ainda não tenham se entendido.
  • Pois é. Política é assim. Pedroca, você é da Direita ou da Esquerda?
  • Eu era o Poder Moderador.
  • Já vi que é do Centrão. Isentão, rá rá rá. Deixa prá lá.
  • Diga-me cá uma coisa, ô pá. Como está o Caxias?
  • É meu grande herói, mas tem gente que não gosta dos militares.
  • Portugal e Espanha ainda são poderosas?
  • Nem se classificaram para as finais da Eurocopa. Deu Itália.
  • Quais são as potências militares atuais?
  • Tem a China, a Rússia, mas os Estados Unidos ainda lideram.
  • As 13 Colônias? Quem diria! Ainda bem que papai escreveu ao George Washington desejando sucesso. Onde encontro Chalaça?
  • Cachaça tem em todo lugar. Quem é chegado é o Luiz 51, rá rá rá.
  • É algum descendente do Luiz XVI? O Chalaça que procuro é o Francisco Gomes da Silva, grande amigo. Deixa estar, ô pá! Cadê sua coroa?
  • Eu me separei faz tempo. Agora tô com a Michele, mais novinha e mais gata!
  • Não vos compreendo. Onde fica o trono?
  • Naquele corredor, segunda porta à esquerda. O das damas fica ao lado.
  • Tens dois tronos? Um para ti e outro para a madame? Interessante.

Pedro foi ao trono e o Mito convidou Leopoldina para uma motociata em Copacabana no dia seguinte. Nisso, um raio atingiu o terreiro do Pai Ambrósio e a conexão com o além caiu. O nobre casal desencarnou novamente e retornou à cripta do Monumento do Ipiranga.

  • Michele, cadê os dois artistas? Adorei as fantasias.
  • Raios! Esse Pai Ambrósio é um charlatão. Estive em São Paulo, no Rio e não consegui rever o Chalaça, nem minha querida Marquesa Domitila. O tal Mito é um doido varrido. Que triste sina teve meu império.
  • Bem que mamãe falou para não sair da Áustria. Morri no parto, o gajo casou-se de novo e após 2 séculos sem me ver, nem pergunta como estou. Só quer saber da rapariga de Santos. E essa obra no Museu? O barulho durou uma eternidade. Descanse em paz? Rá rá rá! Só pode ser piada de português. Raios!

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