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quarta-feira, 20 de novembro de 2024

A dama do além

    A viagem seguia a rota do sol. Tudo brilhava. Rodará milhares de quilômetros.
Agora as favelas, casebres, casarões ao lado de prédios que tocavam às nuvens me dava à certeza que havia chegado à grande cidade. O tráfego intenso abria espaço para motos, carroças, ciclistas, automóveis, ônibus e caminhões. Todos em um mesmo espaço sem perder a velocidade de cada um.
Parei e desliguei o motor da moto. Contemplei aquele espetáculo inimaginável ainda para alguns seres deste planeta. Tudo poderia ser descrito no superlativo. Milhares de veículos. Superpopulação e outros super… alguma coisa…
Cansado e querendo repouso tentei me aproximar de uma garota para pedir informações. Ela resmungou alguma coisa e saiu apressada. Acho que murmurou; estou com muita pressa e nas entrelinhas se entendia: e com medo.
Resolvi não perguntar mais, aquele tinha sido a segunda tentativa. Decidi procurar conhecendo a cidade. E o bom senso indicava o centro da cidade. Na mosca: encontrei vários pardieiros e fiz a escolha baseado no critério dinheiro.
Alojei-me em um destes casarões antigos. Um quarto enorme, escuro e com uma janela difícil de abrir de frente para a estação de trem.
Banho e higiene pessoal no corredor. Não havia alugado uma suíte! Depois de me certificar da segurança da moto. Cai por entre os pingos da água quente do chuveiro. Exceção de um ou dois pingos gelados que insistiam em se mostrar presentes. Um caia no meu ombro esquerdo e o outro na cabeça. De uma maneira geral foi um senhor banho. Troquei-me e sai para conhecer as redondezas. Pedi um PF, para quem não sabe trata-se de um prato feito: aquele da antiga música; “arroz, feijão, bata frita e bife a cavalo”. Café de sobremesa. Tentei uma prosa com uma garota local e desta vez fui eu que manifestei muita pressa, no momento que ela se revelou e perguntou: quer fazer um programa?
Corri para aconchego daquele quarto que mal conhecia. A intenção era tirar uma pestana e descansar, mas já ao entrar posso jurar que alguém saiu correndo do quarto. Uma sensação de ter sido roubado tomou conta de mim. Apressado abri a porta e como Sir. Sherlock Homes, conferi todas as minhas coisas. Nada faltava. Pensei. Foi imaginação. Deitei-me e dormi com apenas um lençol por cima do corpo.
Senti algo mordendo carinhosamente minha orelha e, sutilmente passava a mão nos meus cabelos. E meu corpo sentia o calor de outro – lado a lado. Era sonho? Fiz um esforço tremendo para abrir os olhos – pareciam estar colados. Quando finalmente abri: nada! Nenhum vestígio de invasor no quarto.
Pensei. Foi um pesadelo. Caramba! Que grande alívio. Comer demais e dormir em seguida dão nisso.
O que me intrigou é que o lençol não estava mais na cama e sim lá perto da porta, bem distante da cama.
Não quis mais o abraço da cama, coloquei o jeans, uma camiseta e calcei meu tênis e sai para refrescar a cabeça.
Parecia estar dentro de um formigueiro conforme ia conhecendo a cidade. Ninguém queria conversar. Andei de trem, de metrô; que nada mais é que um trem mais rápido.
Todos lotados. Milhões de pessoas indo e vindo, mas ninguém se falava. Seriam eles fantasmas. Zumbis. Pensei e dei uma bela gargalha sozinho. Estou ficando xarope. Pensei!
 Chequei até a ir a parques e algumas praças públicas. Nessas se jogava baralho, dominó e em alguns cantos fumava-se o cachimbo de craque. Droga mortal segundo os meios de comunicação. Mas não havia predisposição ao diálogo. Era possível imaginar uma cidade de mudos. O passeio estava chato. Ninguém para conversar. Ninguém para aquecer os neurônios. Notei até que as igrejas possuíam horário para funcionar, quase todas que vi estavam fechadas. Voltei para o hotel de estrelas negativas e fui para a sala de televisão. Lá um sujeito cujo rosto parecia de um extraterrestre iniciou uma prosa comigo. Fiquei feliz. Viva a dialética! Falou-me que já pilotara vários aviões e me deu até noções da rosa dos ventos. Curiosamente seus olhos brilhantes não se mexiam. Cabeça achatada, baixinho e muito forte. Externara rancor por ter sido demitido. Diagnóstico: não poderá mais pilotar aviões porque suas pálpebras eram grandes demais e cobriria sua visão. E isto não tem cura. Agora ele era um vendedor…
Este hotel era o preferido dele. Conquistará algumas regalias e disse que convivia bem com a lenda do casarão.
Que lenda? Perguntei.
Há um século ou mais, morou aqui a família de um rico comerciante. Sua esposa era uma das mais lindas e elegantes senhoras da sociedade daquela época. Mas uma noite foi conferir a fofoca de uma das suas empregadas, que lhe contou que seu marido possuía uma segunda família. E que ele já tinha até filhos com a amante. Na verdade, todos sabiam e falavam por trás. Chorou. Chorou. Foi sua primeira reação. Ela, que tinha o marido como santo se indignou e ficou tão furiosa que se armou e saiu para conferir. Estava cega de ódio. No endereço citado encontrou o marido em festa com sua segunda família. Dois tiros se ouviram e ela saiu correndo sem rumo. Perto dali passava um grande rio, aonde ela se jogou e nunca mais foi encontrada. Nem a arma. Nem o corpo. Dizem que sua alma sai por aí, na calada da noite, buscando no sexo para sua paz de espírito. Querendo com isso punir a alma do marido a quem foi fiel toda a sua vida.
Dizem até que ela gosta de jovens.
Cruz Credo? Expressei-me com o medo visivelmente estampado na face.
A noite chegou e fui dormir. Novamente a sensação das mordidas, só que agora no pescoço e os carinhos não eram mais nos cabelos e sim no meu peito. Resolvi não resistir e deixar o pesadelo se desenrolar. Uma linda mulher começou a sussurrar no meu ouvido coisas que não posso escrever aqui. Meu corpo se incendiou e a cama parece que era o próprio inferno. Tudo estava em chamas e eu impotente. Não havia nada que pudesse fazer. Minhas forças não eram suficientes para abrir meus olhos.
Sua pele era macia e seus beijos ardentes. Seu quadril e nádegas bem acentuadas. Sim.
Era o que se pode dizer – uma mulher do além.
Se é que alguém pode desmaiar dormindo. Desmaiei. Acordei no dia seguinte muito assustado. Com a cama toda desarrumada, e o mais interessante o lençol sumirá do quarto.
Apressado, juntei minhas coisas, subi na moto e parti. Já saindo da cidade, na primeira curva senti que minha moto estava mais pesada. Algo como estar com garupa. Passei as minhas mãos na parte de trás do assento para conferir e senti que a minha vida nada monótona agora estava completa.
Com o coração palpitando senti que o vento beliscou meu peito trazendo um delicioso aroma de perfume feminino. Gargalhei e senti um eco de felicidade…

Autor:

Jaeder Wiler

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