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quinta-feira, 28 de novembro de 2024

O apicultor redundante

Existe um livro chamado A Fábula das Abelhas, que foi escrito no século XVIII por Bernard Mandeville, holandês radicado na Inglaterra. Trata de uma colmeia de abelhas viciosas e corruptas, as quais viviam em harmonia justamente em razão dos seus defeitos. Havia abelhas que cometiam crimes? Tudo bem, existiam outras que eram policiais, juízas, promotoras, advogadas, carcereiras… Certas abelhas se entregavam aos excessos alcoólicos? Para essas havia muitas colegas que trabalhavam nas fábricas de bebida e nos bares. O enredo é farto de situações em que vícios individuais geram benefícios coletivos.

Acontece que um dia as abelhas se cansaram da própria canalhice e, por meio da graça divina, todas passaram a agir de forma virtuosa. O resultado foi que a colmeia desandou, pois, dentre outros males, o desemprego explodiu. No final das contas, a realidade mostrou que vícios e corrupção eram necessários. Segundo Mandeville, é o vício, não a virtude, que faz uma sociedade progredir.

Por que fui pensar no livro A Fábula das Abelhas? Simplesmente porque vi a seguinte propaganda de certo apiário: “Mel de abelhas 100% puro.” Ora, essas obviedades não são gratuitas. Quando um apiário – não um vendedor desconhecido – precisa deixar claro que o mel vendido é de abelha e que esse produto não é só puro, mas 100% puro, é porque, no que diz respeito à comercialização do item, a confiança já está tão desgastada que precisa de redundâncias para sobreviver. É como se o dono do negócio garantisse que ali, diferentemente do que acontece em outros locais, o cliente não levará gato por lebre, uma vez que o mel não é de rapadura ou coisa parecida, mas sim de abelha e, além do mais, 100% puro. A frase “vendemos mel” até seria suficiente, mas, cá entre nós: quem, sabendo o que é o Brasil em matéria de desonestidade, não ficaria com uma pulga atrás da orelha diante de propaganda tão lacônica? Pois é.

Pena que sou diabético. Caso contrário eu me tornaria um fiel cliente de um apiário assim. O vendedor parece implorar para que acreditem na sua honradez. A propaganda redundante passa certa tranquilidade em relação à qualidade do mel – embora, claro, não garanta coisa alguma. Esse reclamo também é um lembrete de que somos uma colmeia viciosa e corrupta, porém funcional. Para cada vendedor honesto de mel, por exemplo, há muita gente que sustenta a família empurrando xarope de glicose nos incautos.

Autor:

Ataíde Menezes

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