Capítulo Sessenta e Dois
– Dona Matilde, o que a senhora descobriu com as suas pesquisas?
– Seu Juvêncio… o senhor já não tinha feito essa pergunta, antes?
Juvêncio estava na sala da diretora, conversando sobre o caso que estava trabalhando. Sua busca pela floresta havia sido infrutífera… não conseguira nenhum resultado. Não encontrou nenhuma pista…
Como? O episódio da caverna na cachoeira? Ele não se recordava de nada. E Dona Matilde, tampouco. Sim… quando saíram do templo e chegaram à entrada da caverna, Rosa fez um encanto, onde nenhum dos dois conseguia recordar-se de qualquer coisa que tivesse ocorrido. Não se lembravam nem mesmo que tinham feito aquela excursão. Para Juvêncio, era a primeira vez que estava perguntando sobre as pesquisas de Matilde. Que também se esquecera dos avanços que tivera em sua busca pela verdade, na história da região.
– Torquato me deu algumas pistas, mas há muitas lacunas… e logo o vampiro volta a atacar…
– Calma, Juvêncio… com certeza vamos descobrir alguma coisa de útil para usarmos…
– Eu não consigo entender, Dona Matilde…a forma desse vampiro agir foge de todos os padrões que conheço…
– Por que?
– Bem, normalmente eles costumam atacar suas vítimas com dentadas, de preferência na jugular…
– Mas por quê?
– Bem, a senhorita é a professora, aqui… mas acredito que é porque o sangue é bombeado com mais força nesse local…
– Pode ser…mas não é isso que o Anhangá faz com suas vítimas?
– Não, Dona Matilde… ele corta o pescoço de suas vítimas… já se esqueceu?
Matilde dá um tapa em sua própria testa… como pudera esquecer de algo tão marcante? Afinal, desde que começaram a aparecer os corpos com as cabeças decepadas que ela começou as suas pesquisas sobre o passado daquela região…
-Tudo bem, Juvêncio… você tem razão…
-Saber de uma coisa, Dona Matilde? Tenho a impressão de que estou esquecendo de alguma coisa… é uma sensação estranha…
– Eu sinto o mesmo…
– A senhorita está muito ocupada?
– Apenas o serviço normal…
– Se a convidar para me acompanhar para o almoço, te atrapalho?
– Oh, não, claro que não… a minha vice pode assumir sem problema…
– Então, está convidada… vamos?
Matilde sorri. Pega sua blusa, chama sua vice e vai com Juvêncio para a pensão. Eles tem muito que conversar… quem sabe se, em frente a um belo prato de macarronada ao sugo as memórias não retornam, não é mesmo?
Enquanto caminham da escola até a pensão aproveitam para observar a beleza do lugar. Ao passarem pela praça Juvêncio, vendo uma rosa que acabar de desabrochar, a colhe e a oferta para a professora, que a aceita com um sorriso de satisfação. O sol está ameno e os dois caminha devagar, conversando sobre amenidades. Por alguns momentos deixam a história do Anhangá de lado. Sabem que ele retornará, mas ao menos por alguns instantes resolvem ignorá-lo, como se jamais houvesse surgido na região…
Juvêncio olha para Matilde e pensa “meu Deus… como essa moça me faz lembrar de Rosinha…o mesmo jeitinho faceiro… o mesmo sorriso encantador… como ela pode ser assim tão…” e seguem em frente, caminhando em direção ao seu destino. No meio do caminho ficava a delegacia. E quem estava de pé, na porta, quando o casal passava? Sim, ele mesmo… o delegado Santana. Quando viu Juvêncio passando, acenou para ele. Precisava perguntar algumas coisas para o delegado, saber como foi a sua excursão sertão adentro. Quando fez essa pergunta para Juvêncio, a expressão de estranhamento, de surpresa, o deixou sem ação. Mas prosseguiu…
– Mas, Juvêncio… você partiu ontem de madrugada para lá… não se lembra de nada, mesmo?
– Não, Santana… para mim, tudo o que você está dizendo é novidade. Eu tenho certeza de que não fui para lugar algum…
Santana sacudiu a cabeça, desanimado. Como o delegado podia ter esquecido sua incursão à mata sombria? Será que ele fora encantado pelos maus espíritos que habitavam aquele local? Era uma possibilidade. Embora antes não acreditasse em almas do outro mundo depois que presenciou a manifestação de seres do além era obrigado a admitir que existiam mais coisas na terra do que ele jamais sonhara… e, sim, existia um outro mundo além do nosso…
– Santana, eu e a professora estamos indo almoçar… não quer nos acompanhar?
Na verdade, Santana não queria… o fato de Juvêncio ter apagado o dia anterior de sua mente fez com que qualquer desejo que tivesse de sentar-se em uma mesa para comer se esvaísse como fumaça ao vento. Mas, de repente, uma luz poderia se acender e o delegado lhe relataria coisas que os ajudariam a destrinchar aquele nó que estava a tempos atrapalhando a rotina da cidade…
Santana seguiu com os dois e não pôde deixar de notar como estavam se comportando. Apesar da aura dos dois, dava para perceber que se sentiam atraídos um pelo outro. Santana perguntou-se se realmente deveria acompanhá-los ou se não era melhor deixar os dois curtirem o momento que estavam vivendo.
Entre um pensamento e outro, finalmente chegaram à pensão. Santana notou que, no fundo do salão, estavam as três Marias. Reparou também, que olharam fixamente para o casal por alguns instantes, antes de voltarem a sua conversa. Ele não tinha nenhuma desculpa para aproximar-se destas e tentar puxar assunto com elas… Quem sabe o que não poderiam lhe contar… mas para isso precisava fazer as perguntas corretas…
Os três sentaram-se em uma mesa próxima da saída e, pela primeira vez desde que haviam se conhecido, Santana notou que Juvêncio sentara-se de costas para a porta. Isso era no mínimo inusitado, pois Juvêncio sempre cuidara de sua segurança, e jamais dava as costas para o perigo… o que estaria acontecendo?
Enquanto isso, na mesa das três Marias….
– Acha que agimos certo?
– Como assim? Não entendi…
– Graça, deixa de graça… você sabe do que estamos falando.
– Se está se referindo ao… passeio até o Templo… bem, não podíamos fazer nada! Apenas cumprimos ordens de um poder maior…
– Mas agora Anhangá conhece seu inimigo!
– Izabel, tinha que ser assim. Você sabe que os dois vão se enfrentar brevemente!
– Sim, mas Anhangá…Cronos é um deus… como um simples mortal conseguirá se defender… e vencer tal criatura?
– Bem, está escrito que Cronos retorna ao Olimpo brevemente…
– Você sabe que tempo não significa nada para os deuses… e para Cronos, significa menos, ainda… Afinal, ele é o senhor do tempo…
– Meninas, acho que o jeito é parafrasear Júlio Cesar… “A sorte está lançada”…