Moro em uma pequena cidade do interior, pacata, onde tudo acontece, principalmente serenatas. À noite, costumam andar de janela em janela uns poetas e cangaceiros da cidade gritando: “Ô de casa?”
Lembro- me que na última noite, seu Pescocinho, velho poeta da cidade, gritou na janela da dona Elza, “Ô de casa?” A dona do casarão mais antigo da cidade abriu a janela e gritou: “Ô de fora, tome chegada!” O sujeito entrou e foi para a janela contar um causo de Maria e João de Barro para a cidade toda e no final tocou gaita. A cidade toda batia palmas para o velho poeta.
E assim acontecia, de janela em janela um poeta gritava pedindo chegada para recitar poesia.
Um dia, gritaram na casa do meu avô, Seu Francisco, tarde da noite pedindo chegada e ele franqueou a janela para um poeta lá do sertão que recitou um poema de Luís Gonzaga.
A vó estava dormindo e levantou assustada com a lamparina acessa. Sem saber de nada, meu avô contou para ela que era um poeta que pediu chegada na janela para assobiar uns versinhos…
O poeta terminou e quando a cidade continuou a passeata, ele fechou a janela e agradeceu gentilmente meu avô. A vó apareceu e ofereceu café que ela tinha acabado de prachear no bule. O poeta recusou a lei da hospitalidade dizendo que tinha que acompanhar o povo. Queria só mesmo a janela para recitar poesia. De tanto os dois convencerem ele, o poeta aceitou o convite e acabou ficando a noite toda proseando com a vó e o vô no alpendre da casa de sapé. Quando o último badalar do sino da igreja bateu, ele despediu deles com gratidão por emprestar a janela, subiu na mula e sumiu no escuro da estrada do sertão tocando o seu berrante…
Autor:
Lucas Dolher
Que lindo, amigo. Adorei!
Muito bom. Sensibilidade á flor da pele!