“Temo somente uma coisa: não ser digno do meu tormento.”
Dostoiévski
Aqui, buscamos abordar o referido tema sob o olhar da Neuropsiquiatria Analítica, que faz uma espécie de releitura, utilizando os mais recentes resultados do desenvolvimento científico.
O termo neurose, do grego neuron (nervo) e osis (condição doente ou anormal)) foi criado pelo médico escocês William Cullen, por volta de 1769 (há quem date de 1787) para indicar “desordens de sentidos e de movimento”, causadas por “efeitos gerais do sistema nervoso”, relacionados, por exemplo, ao Alzheimer e ao Parkinson, provocando alterações na personalidade. Por volta de 1893, Sigmund Freud redefiniu o conceito, para fazer referência à maneira de um indivíduo relacionar-se consigo e com a vida. As causas, para Freud, estariam “recalcadas”. A partir de então, a psicologia moderna tomou a palavra “neurose” como sinônimo de psiconeurose ou distúrbio neurótico, referindo-se à qualquer transtorno mental que, embora cause tensão, não interfere com o pensamento racional ou com a capacidade funcional do indivíduo, sendo essa diferença a mais importante em relação à psicose, que se refere à desordens mais severas. No entanto, convém resaltar que, embora a neurose ou psiconeurose não interfira no sequenciamento lógico do raciocínio, interfere, de certo modo, na percepção da realidade, de maneira que pode-se dizer que neurose e psicose são aparentadas, podendo, a psicose, se desencadear a partir de comportamentos neuróticos.
Freud classificou três tipos de neurose e, posteriormente, outros psicanalistas desenvolveram olhares mais ou menos diferentes sobre a neurose. Não irei expor, aqui, esses “olhares mais ou menos diferentes”, para não incorrer no erro de tornar-me enfadonho e demasiadamente repetitivo.
Embora eu esteja, aqui, me referindo mais especificamente à neurose, abro mais o leque e digo que, neuroses e patologias delas decorrentes, tem origem, quase sempre (se não sempre) em fatos de profundo impacto emocional _fatos esses, moralmente reprovados pelo indivíduo, mas que, porém, proporcionaram-lhe algum prazer. Toda pessoa que se irrita intensamente, que se sente moralmente afrontada por coisas de pouca relevância, expressa, sem saber, uma neurose, ou mais propriamente “psiconeurose”, que nada mais é do que uma “crise moral aguda”, resultante de aprovação, inconsciente, daquilo que tão veementemente reprova; uma “profunda ambivalência ou latência moral ambígua”.
Indubitavelmente, uma neurose é, quase sempre (se não sempre) um sintoma, uma “descarga de ambiguidade moral”. Um exemplo de como se desenvolve uma neurose pode ser o da criança que sofre abuso sexual, por parte de um tio, de um irmão ou mesmo por parte do próprio pai, ou podemos pensar, ainda, no caso de uma mulher que se casa e logo é submetida à relações sexuais que, frente aos seus conceitos sobre tal questão, são bizarras, moralmente reprováveis. Essa mulher ou essa criança experimenta um grau de prazer, nisto que tanto reprova por causa de aspectos morais e, possivelmente, também por causa de dores resultantes. Uma experiência assim, com um misto de atração e repulsa, de prazer e dor, e de consequente “aprovação velada daquilo que tão firmemente a pessoa reprova”, é a principal fonte de neuroses e de comorbidades fisiológicas que, por tal razão, seriam melhor definidas como “psicofisiológicas”.
A liberação do estado neurótico se dá pelo reconhecimento da “porção de prazer existente na ação dolorosa e moralmente inaceitável”; livra-se da neurose o indivíduo que chega a aprovar, não mais inconscientemente, a “porção atrativa no fato repulsivo”, entendendo que sua neurose é uma espécie de autopunição pelo prazer obtido na ação que, de seu ponto de vista, é moralmente reprovável. Na abstração, na separação entre “elementos moralmente inaceitáveis” e “elementos fisiologicamente aceitáveis”, está a salvação definitiva do indivíduo acometido pela neurose. Convém resaltar que, nem sempre, questões de sexualidade estão envolvidas em comportamentos neuróticos. O ponto-chave é o “conflito moral frente a prazerosa experiência fisiológica” ou mais propriamente psicofisiológica. Tal coisa pode ocorrer em todas as áreas de nossa vida. Saliento, ainda, que o chamado “transtorno de personalidade narcisista” (ou narcísica) tem relação direta com as neuroses, e podemos dizer que é uma neurose acentuada, “enraizada no comportamento”, e soma-se a isso os traços de temperamento sob os quais a personalidade não se desenvolveu muito bem. Um comportamento neurótico-narcísico muito comum é o de mulheres (também homens em relação às esposas) cuja infância foi de abandono e maus tratos, ou de “abusos transfigurados em intensos cuidados”, que desenvolvem transferência afetiva ao seu parceiro, tornando-o, inconscientemente, como “o pai verdadeiramente amoroso e protetor” que nunca teve. Em tais casos, a mulher passa a ter um excessivo ciúme, uma obsessão, sentindo-se, sempre, sob eminente ameaça de “perder o pai amoroso e protetor” que “é” o seu marido. Ela, como criança, age como se dissesse às mulheres que se aproximam (e por vezes também aos homens): “O pai é meu”! Esse comportamento neurótico afeta suas relações familiares e de amizades, podendo interferir no campo profissional, dela e, principalmente, dele, causando danos por vezes irreparáveis.
Autor:
Cesar Tólmi – Psicanalista, arte-terapeuta, jornalista, escritor, com Graduação/Licenciatura em Filosofia, pós-graduando em Neurociência Clínica, idealizador da Neuropsiquiatria Analítica, integrada aos campos clínico, forense, jurídico e social, codiretor do EPISTEME – Centro de Apoio Acadêmico, presidente do International Circle of Analytical Neuropsychiatry.
E-mail: cinpa.contato@gmail.com
Whatsapp: +55 11 98595-4031