“O resultado de uma substituição coerente e total da verdade dos
fatos por mentiras não é passarem estas a ser aceitas como
verdade, porém um processo de destruição do sentido mediante o
qual nos orientamos no mundo real – incluindo-se entre os meios
mentais para esse fim a categoria de oposição entre verdade e falsidade”.
Entre o passado e o futuro – Hannah Arendt.
Ao se emitir uma opinião, espera-se que quem o faz possua o requisito mínimo sobre tal: a posse da informação original. Pode ser a reprodução de um texto de um autor ou a imagem de alguém falando ou fazendo algo. Não importa. É necessário que a fonte que estejamos em contato nos mostre de maneira direta o que queremos saber. No caso de livros e textos estrangeiros, o critério será a proximidade do tradutor com o assunto e quanto mais ele souber do idioma e sobre o que está traduzindo, mais terá seu valor reconhecido.
Totalmente diferente é a atitude que ignora o conhecimento. Por exemplo, para falar de Platão, uma vez que seus textos chegaram até nós, não há desculpa para não lermos. Preciso, assim, conhecer sua produção para, só a partir daí, formar um juízo. É curioso que esse tipo de exigência, para o público em geral, é muito comum no campo religioso. Se uma pessoa opina sobre um tema nesse âmbito, cedo ou tarde, virá alguém e dirá: “onde você achou isso aqui em nosso livro sagrado?”.
Nos dias atuais, o caso da proliferação de conteúdo virtual pela internet, em que pese o lado positivo, é motivo de alarme em virtude da total falta de escrúpulos em divulgar uma opinião sem o devido cuidado. “Nunca li um livro de Platão, mas vi um vídeo de alguém que gosto falando mal dele: logo, devo repudiá-lo”. Da mesma forma: “Nunca li a Bíblia, mas ouvi alguém falar que é um livro preconceituoso: logo, devo rejeitá-la”. Qual é a diferença?
Nenhuma! Não importa o quanto se ouviu falar mal de algo. É preciso dar a oportunidade a si para saber se o que está sendo veiculado corresponde à fonte. Algumas perguntas básicas que podem ser feitas antes de uma afirmação: O que diz o autor/fonte? Que referência ele diz se apoiar para defender suas ideias? Sua interpretação é correta? Seu argumento é razoável? Qual é a importância do contexto em que vive?…Etc. A distribuição de mentiras pela internet tem sido uma das tarefas mais difíceis a se conter, pois o baixo índice de compreensão, em virtude de uma educação limitada e que se volta às exigências do mercado e do consumo apressado, somada a interesses políticos de grupos específicos, engendra um quadro de distorção cognitiva abrindo espaço para o desamparo da história e os riscos da insolência e do fanatismo.
E é aí que mora o perigo: se não valorizamos o nosso maior tesouro, a saber, o conhecimento procedente da pesquisa aprofundada, estamos incorrendo no esquecimento da velha máxima de não fazer ao outro o que não queremos que seja feito conosco. Por exemplo, se eu pertenço a um grupo (étnico, religioso, etc.) e sou partidário de uma visão cujo o porta- voz me incita o ódio ao outro com base no preconceito e na desinformação, como poderei eu exigir reparo quando meu grupo passar a ser alvo de perseguição pelo mesmo motivo?
Assim, se desprezamos as fontes originais e a pesquisa séria e qualificada oriunda dos tradicionais espaços onde ela se faz, elegendo, por outro lado, como “tutores”, indivíduos que desprezam a cultura científica, a literatura especializada e sequer conhecem sua sistemática, seus centros de estudos, associações e comitês e órgãos, bem como os seus papéis, que se resume, basicamente, em não permitir que a humanidade venha a sucumbir mais abaixo do que a história revelou ser ela capaz, somos envolvidos em um “lençol tênue” que, no momento em que “se rasgar”, promoverá a rápida troca de papéis: quem outrora foi agressor, amanhã será vítima, pois um erro sabidamente injusto é precedente para um outro. Aí não adianta apelação e lágrimas, pois quem plantou sementes de uva não poderá esperar laranjas, não é mesmo?
Autor:
Adriano Bittencourt. Doutorando em Ética e Filosofia Política na Universidade Federal do Ceará – UFC.