Nós não nos conhecemos e isso não será mais possível, mesmo assim, eu sinto a necessidade de externar um pouco do meu sentimento ao receber a notícia do seu falecimento na madrugada passada.
Estou escrevendo neste momento sentada na varanda de dentro do meu apartamento em (também) Jardim Camburi. Como eu amo este lugar! Amo chegar em casa e me sentir segura. Sempre penso que o fato de morar em prédio me deixa mais resguardada das “vistas” de bandidos. Na antiga casa em que morava, perdi as contas das vezes em que pularam o muro e furtaram algo, fazendo com que eu aumentasse cada vez mais as grades ao meu redor.
E hoje, ao ver o seu rosto estampado nos jornais, G, uma faca rasga o meu peito lentamente e, com uma dor sufocante digo a você que, definitivamente, o mundo não vai bem.
Não vai bem por vários motivos, mas aqui vou me limitar ao que aconteceu com você.
Ao assistir as imagens da câmera do seu prédio e ler as notícias, deixo uma breve análise (mesmo não sendo analista), com todo o respeito e cuidado para não ser leviana.
Vejo, você no seu total direito de repousar na cama de forma tranquila e serena, sem ser “invadido” por qualquer tipo de som ou barulho. Vejo, do outro lado, pessoas inconsequentes se achando no direito de ouvir som na hora que quiser e no volume que achar conveniente. Sem respeitar o direito dos que estão ao redor. Sem querer saber se os demais moradores também estão dispostos a escutar música pela madrugada adentro.
Sabe o que mais me incomoda, G? É que eu vejo além disso.
Ora pois, o policial é a figura na sociedade que nos protege e, no entanto, ao reivindicar um direito seu, ele se exalta e responde se achando no direito de tirar a sua vida. Não tem como negar que esse tipo de crime, quando vindo de um fardado, é ainda mais chocante.
Antes que eu me estenda, preciso responder sobre o que mais me incomoda e angustia, além do fato do “homem da lei” ser o assassino. Além do fato de um jovem com planos e sonhos, ser covardemente assassinado dentro dos muros do seu prédio.
A intolerância, a falta de limites e o descaso com o próximo, ficam cada vez mais acentuados. Eu vejo o ser humano caminhando por uma trilha sem volta: animalesco, retrocedente e com a urgente necessidade de alimentar os seus impulsos reptilianos.
Não se pode mais usar o seu direito de pedir que o outro lhe respeite. Poder até que pode, mas quando feito, corre-se o risco de levar tiro, faca ou pedrada na cabeça. Não se pode mais pedir por gentileza. Não se pode mais confiar no próximo.
Sentada na sacada do meu confortável lar, G, penso em cada um dos meus vizinhos. Será que algum deles seria capaz disso? Será que devo me sentir menos segura quando entro pelo portão do meu prédio?
Penso também em como deve estar a sua família neste momento. Como deve ser perder um ente querido dessa forma, de uma hora para a outra e por um motivo tão trivial.
Finalizo aqui te pedindo perdão. Perdão por você não poder voltar a repousar na sua cama aconchegante, ao lado de sua esposa. Perdão por ter sido tirado de você a alegria de participar de mais um aniversário do seu pai. Perdão por ter sido lhe roubado o direito ao futuro, de forma tão grotesca, banal e assustadora.
Fiquei sabendo que você sempre foi um cara bacana, do bem, da luz. Peço que, gentilmente, continue emanando luz para nós seres humanos, daí. Estamos precisando por demais.”
Autoria:
Fê L.