– Alberto, juro que não entendo….
– O que você não entende, Duarte?
– Bem, você é médico… é um homem da ciência. Sinceramente, não acha que nossos companheiros estão meio doidos?
– Porque?
– Oras, porque…. como é que eles podem cogitar que existem almas do outro mundo rondando nossa cidade… e pior ainda, matando pessoas?…
– Duarte, eu sou uma pessoa esclarecida…
– Eu sei… é por isso que estou falando com você… eu acho que a gente deveria começar a fazer uma investigação de verdade, procurar os culpados de verdade, não espíritos vindos sei lá de onde…
– Duarte, pensa um pouco…
– Pensar em que?
– Você presenciou alguns fenômenos paranormais nesses ultimos tempos… eu mesmo presenciei alguns…
– Que fenômenos?
– Só para te refrescar a memória…. um dos mais escabrosos… o Mané da Tiana…
– O que tinha ele?
– Exatamente… o que tinha ele? Eu, sinceramente, não sei dizer. Tudo aquilo que aprendi na Faculdade de Medicina não serve para explicar o que nós presenciamos aqui, Duarte. E não foi uma, mas duas vezes…
– Não estou entendendo….
– Duarte, Duarte… o pior cego é aquele que não quer ver, sabia? Primeiro, a gente recebeu o sujeito morto aqui no Morgue….
– Nós pensamos que estava morto… não quer dizer que estava.
– Duarte, sou médico legista a um bom tempo. Eu sei quando um sujeito está morto. E o Mané estava morto, sim, senhor.
– Tá… então me explica como é que ele conseguiu sair daqui com as suas próprias pernas, se estava morto….
– Eu não tenho como explicar… esse é o problema. Ele estava morto e não tinha como ter saido. Simples assim.
– Você mesmo me mostrou que ele estava se mexendo…
– Duarte, deixa de ser turrão, homem… o Mané estava com seu abdomem aberto. Eu tinha retirado algumas vísceras do sujeito… como é que você queria que ele estivesse vivo? Mas nem com reza braba… e você se esqueceu de como o encontraram no campo?
– Tenho certeza de que você tem alguma explicação para aquilo…
– Tenho… ô, se tenho! Duarte… o sujeito estava fedendo, derretendo e simplesmente se dissolveu na sua frente. E você quer que eu arranje uma explicação para isso? Desculpe, meu amigo, mas não tem como…. sou obrigado a abraçar a teoria do delegado e do Seu Zacarias…
– Mas isso não tem lógica nenhuma…
– Meu amigo, desde o começo que essa história não tem lógica… é corpo sem sangue, é corpo sem visceras, sem ferimentos… é aparição que surge do rio…
– Que aparição?
– Duarte, você mesmo me contou…. e disse que quase se borrou todo….
– Eu poderia estar tendo uma alucinação…
– Inclusive no campo, junto com o resto do grupo…
– E por que não? Isso pode acontecer, não pode?
– Até pode… mas lembre-se que estava você, o padre, o delegado Vicente e o Juca… além de mais três vaqueiros… vai me dizer que todos vocês estavam alucinando? E que o que viram ali foi fruto da sua imaginação?
Duarte ficou momentaneamente sem argumento. Ele sabia que o doutor estava certo, mas admitir isso era admitir que coisas do outro mundo estavam acontecendo em sua jurisdição… e ele não conseguia admitir tais manifestações… não era lógico… não era natural… mas o doutor parecia aceitar os acontecimentos tranquilamente… como se fosse a coisa mais normal do mundo…
– Duarte…
– Sim, Alberto?….
– Eu até queria refutar as idéias do delegado Vicente…
– E por que não refuta?
– Porque, por mais que me doa admitir, ele está certo em suas conclusões… se fosse um agente humano a causa desses ataques… ou até mesmo um animal… nós já teríamos identificado e neutralizado a ameaça…
Os dois ficam em silêncio por alguns instantes. A porta se abre e entra Alice, sorridente como sempre….
– Nossa, meninos…. não estão sérios demais, não?
– A gente está tentando entender algumas coisas, Alice…
– Posso perguntar o que seria? Ou é alguma coisa confidencial?
Duarte se volta para a professora e responde….
– Não, nada confidencial… ao menos não para o nosso grupo… é que estou questionando a linha de investigação do Delegado Vicente sobre os casos que estamos investigando…
– Sei…
– Ele acha que temos que procurar o sobrenatural para explicarmos os casos que estão ocorrendo na região…
– E…?
– E eu acho isso um absurdo… temos que procurar respostas racionais para resolvermos essa… maçaroca….
– E o que você acha disso tudo, Alberto?
– Bem, Alice… por mais que me doa admitir… e me dói, tenha certeza… eu sou obrigado a concordar com o delegado Vicente….
– Mas… Alberto, as ideias do delegado não fazem sentido nenhum…
– Racionalmente, não, Alice. Mas se consideramos que não temos nenhuma explicação lógica para os acontecimentos, temos que ter a mente aberta, e aceitar outros caminhos…
– Alberto, você é um cientista…
– Sou um médico. Mas quando as explicações lógicas não são suficientes, que venham as ilógicas…
– Não entendi…
– Simples, querida… eu receito remédios para meus pacientes…
– Sim…
– Mas algumas vezes eles saram com suas promessas aos santos de suas devoções…
– E…?
– Ora, se o Além funciona como agente da luz, pode ser que também funcione como agente do caos…
– Nunca ouvi uma ideia mais estapafúrdia…
– Alice, como eu disse antes, temos que manter a mente aberta…
– Não para aceitar baboseiras e crendices como verdade…
– Se elas nos derem uma resposta aceitável… por que não?
Alice se mostrou um pouco irritada com a observação de Alberto. E sua resposta saiu entredentes….
– Por que simplesmente nunca ouvi uma ideia tão idiota antes… por isso.
Alberto não entendeu o repentino mau humor de sua amiga. Mas resolveu deixar para lá. Estava cansado do trabalho, o dia fora puxado. E convidou os dois amigos para darem um pulo na pensão da dona Monica, para tomarem um bom café acompanhado com um bolo de chocolate. Os dois aceitaram na hora e instantaneamente o bom humor de Alice retornou. Começaram a conversar sobre banalidades, deixando os problemas da delegacia e do morgue trancados pelas portas que cerraram. E lá foram os três, conversando alegremente….
Autora:
Tania Miranda