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Doces lágrimas

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Chorar nunca foi fácil para mim. Não pelo fato de possuir um coração gelado ou que meu caráter seja o de um racional nobre inglês. Não, muito pelo contrário! Sempre fui uma pessoa emotiva, que derrama o coração em tudo aquilo que me encanta. Sem pestanejar encho o peito para gritar um “eu te amo” àquelas pouquíssimas pessoas a quem tenho verdadeiro e profundo afeto. Também não me acovardo quando preciso bradar um altissonante “achei uma merda” ou um simplório e arrasador “que lixo!”, mesmo que isso possa machucar os sentimentos de outrem. Não me orgulho de ser assim, tampouco me envergonho. Sou o que sou e ponto ?nal.

No entanto, apesar do meu temperamento sanguíneo, sempre tive di?culdades em verter lágrimas de tristeza ou até mesmo de alegria. Meu pai assim me ensinou. Nunca o vi expressar qualquer tipo de consternação e lágrimas menos ainda. Sempre que meus olhos ameaçavam marejar, ouvia dele os mesmos chavões que ele possivelmente ouvira de seu pai desde a mais tenra idade: “o homem não pode se dar ao luxo de ?car triste” ou ainda “chorar é coisa de maricas”. Seja como for, aprendi a nunca expressar minha dor. Chorar nunca foi meu forte, ou meu fraco.

?uando mais jovem, jactava-me por ser assim. No funeral de vovô nem uma lágrima sequer ?oresceu em meu jovem e devastado rosto. Como eu admirava aquele velho! Mas não chorar era questão de hombridade e não o fazer tornava-me um homem forte, ao contrário das maricas choronas que eram meus primos. Achava um absurdo um marmanjo de trinta e poucos anos abrindo o berreiro por uma mãe moribunda cuja sina era mais que certa.

Bom, felizmente esses tempos já se passaram e hoje já não me orgulho desse meu comportamento. Ainda não sou capaz de jorrar cântaros de lágrimas como uma pessoa normal faz de quando em vez, mas hoje expresso-me através de um mecanismo equivalente: eu escrevo. E escrevo bastante! O tempo todo estou rabiscando alguma ideia, ou melhor algum sentimento ou sensação. Isso não quer dizer que o que escrevo seja bom,

vide a esculhambação de forma e conteúdo que é este texto, entretanto, esse é o jeito que eu choro, que me expresso e sinto o mundo. Escrever é minha terapia e meu relaxamento e ao fazer vejo a mim e tudo que ocorre ao meu redor. Admito que seja bastante egoísta, mas ao mesmo tempo é de suma honestidade, pois aqui faço um escrutínio da minha alma e de cada sentimento que jaz recôndito no interior do meu ser. Aqui deposito toda a minha essência. Escrevendo pinto a minha alma em palavras e possuo o universo inteiro na ponta da caneta. Isso não quer dizer também que todos os meus rabiscos sejam um lamúrio eterno. Em verdade, grande parte deles são bem humorados, pois há no mundo antídoto melhor para combater um espírito amuado que uma boa gargalhada? Pois então, escrevendo vivo, choro, me alegro, minto, desminto e espanto a tristeza para lá. Não sou escritor, sou exorcista de mim mesmo e através desse subterfúgio é que ruborizo e deixo as doces lágrimas caírem aos borbotões dos meus áridos olhos.

Mas hoje em caráter extraordinário e em tom bem leve quero listar quase tudo aquilo que quero chorar, tendo motivo ou não. ?uero chorar a morte dos meus avós cujos acalantos jamais tornarei a sentir. ?uero chorar o falecimento de Marina, minha irmã mais velha, morta muito antes de eu vir a este mundo. Estaria uma parte sua em mim? ?uantas diversões nunca teremos… ?uero chorar todos os ?lmes que não chorei, todos os romances de ?nais devastadores que li, todos os socos que meu pai desferiu em meu corpo quando criança, todos os amores não correspondidos, os sonhos que nunca se realizarão, o silêncio dos céus, o ?lho que jamais terei… ?uero chorar antecipadamente a morte de minha mãe, a mulher mais forte, mais brava e a melhor cozinheira que o mundo jamais conhecerá. ?uero chorar os sorrisos que demos juntos, o apoio incondicional e as melodias que não entoaremos novamente. ?uero chorar o seu restaurante, mãe, um sonho natimorto. Na minha dor, chorarei sua angústia de enterrar uma ?lha e a minha de um dia sentir sua testa fria e ver-te partir para sempre. ?uero chorar os amigos que perdi e aqueles tantos que perderei. Vou prantear todas as decepções que tive e aquelas milhares que in?igi. ?uero me emocionar pelo aroma de terra molhada e o gosto do cigarro mentolado.

?uero chorar de soluçar o alívio de sentir as primeiras gotas de chuva respingarem em minha testa após um dia muito abafado. ?uero me emocionar por cada vitória e fracasso que tive e terei. Vou chorar a beleza de minha esposa, a mulher mais linda do mundo. Vou chorar a beleza do seu rosto, a vastidão do seu saber, o mistério dos seus olhos, a vida que estamos construindo juntos, a admiração que tenho por ela e a beleza de sua silhueta esguia no vestido de noiva. En?m, quero chorar tudo isso não com dor, mas com leveza, alegria e, claro, escrevendo muito. Palavras, sintam minhas doces lágrimas! Frases, chorem minha vida!

Autor:

Pedro Romero Sanches Batista

Dedico essas minhas palavras à pessoa mais linda e chorona que já conheci: Andresa. Tão bela que ?cou deslumbrante mesmo após debulhar-se em lágrimas por este texto.

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