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quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

O doce Pé de Moleque

Na minha infância eu sempre gostei muito de ficar perto de gente que gostava de cozinhar, de fazer biscoitos, doces, eu achava muito interessante ver o resultado das receitas. Minha babá tinha costume de fazer uns pãezinhos doces. Ela sempre que fazia me chamava para ajudá-la, mesmo bem novinha. Colocava um banquinho ao lado da pia para que eu pudesse alcançar os ingredientes.

O que eu gostava mesmo era colocar a mão na massa, literalmente, misturar a farinha, com o leite, o sal, o fermento em pó, ficava tudo grudado na minha mão, mas era tão gostosa a sensação e depois eu amassava, moldava e fazia aquelas bolinhas de massinha no tabuleiro. E ficava de olho se elas estavam crescendo. Minha babá nessa hora aumentava a supervisão, afinal uma criança perto de forno é um perigo eminente. Mas ela tinha esse cuidado sim, era como uma segunda mãe, era atenta a cada passo meu. Me chamava de bonequinha e eu de Tiana.

As receitas de certa forma sempre me chamavam atenção. Tinha um hábito também de passar a limpo para o caderno da minha mãe. Ah, esse caderno tem muitas histórias. Escrito a mão. Não existia computador para imprimir e nem consultar o google. As consultas eram feitas pelo telefone com as amigas, quando não dava certo algo, conversavam sobre as possibilidades e os ingredientes que faltavam ou até que podiam acrescentar.

Era uma forma também de bater aquele papo gostoso, contar sobre a vida, sobre os filhos. As receitas tinham vida, e cada uma tinha seu modo de florescer. A criatividade era criar algo tão gostoso que quando dava certo convidava a família para se reunirem à mesa e degustar o novo bolinho de laranja com aquele açúcar por cima cristalizado, os biscoitinhos de araruta com goiaba amassados com o garfo, sem falar da broa de fubá! Ai que delícia!

As receitas eram assinadas por suas artistas. Em especial, a do pé de moleque tinha assinatura da minha tia Solange, ela é uma confeiteira de mão cheia, essa eu pude experimentar e mais tarde me aventurar a fazer. Não era tarefa fácil, pois o famoso ponto era complicado, se passasse endurecia, se tirasse antes grudava tudo, era sempre uma loteria acertar o ponto ideal. Esses encontros eram regados de histórias para experimentar as gostosuras. A mesa era posta com o bule dos anos 50, as xícaras com desenhos de azulejos, o açucareiro aquele de metal com sua colherzinha apoiada, quantas lembranças! À mesa a gente falava dos nossos anseios, nossos sonhos, lembrávamos como era a vida dos nossos tios, avós, família e seus costumes. Lembro daquele leite que era fervido e vinha da fazenda, esse eu nunca mais esqueci, sem contar com o doce de leite dos deuses, aquele que fazia por horas e horas!

Hoje em dia está muito diferente, quem manda mensagem para gente é o vilão dos relacionamentos, aquele que nos afasta, nos distancia um do outro, do olho no olho. Aquele que levamos para a mesa do jantar. Infelizmente o tal do aparelhinho que nos seduz a todo momento e que só corre na velocidade turbo 2x com câmbio automático. Que surrupiou o nosso tempo e que estamos perdendo para a famosa da falta de inteligência totalmente artificial, sem sentimento e emoção, que até pode ter sua função se bem aproveitada, mas que substitui essas mãos humanas com falhas que estão por trás do robô da tecnologia.

Como tudo tem seu lado bom, o tempo foi passando e aquela receita de pé de moleque se transformou. Como poderia imaginar? Sim, desenvolvi com afeto variações do pé de moleque, criei uma roupagem bonita para ele, com jeito diferente de fazer, acrescentei alguns ingredientes, um deles e talvez o mais importante foi ter transformado o pé de moleque em moleque de pé, sim, um menino que tem uma linda história de superação e que ajuda com seu jeitinho doce muitas crianças a sonharem alto.

Essas novas receitas hoje estão no meu caderninho vermelho, escritas a mão com muito carinho, guardado comigo. Eu sonho que esse moleque coloque nos seus pés seu par de patins vermelho, seu equipamento de proteção e corra por esse mundão a fora levando amor por onde passar e nunca esqueça de suas origens de uma de infância que era feita apenas de pé de moleque derretidos naquela panela grande cheia de calda, amendoim, afeto e boas lembranças! 

Autora:

Raquel Pádua

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