Recentemente fui perguntado sobre se, ao morrer, a pessoa sabe-se morta. Bem…, se sabe, há neurônios funcionando, consequentemente possui cérebro e, obviamente, não se trata de gente morta, mas de gente ainda viva. Espanta-me que, ainda hoje, com todos os avanços científicos, haja quem pense como em eras muito remótas, medievais e mesmo primitivas, em que se acreditava que “um ente pensava, falava no corpo, e que conduzia o corpo”. Hoje sabe-se que há um cérebro, com funções psicomotoras, e órgãos fonéticos, como laringe, faringe…
A crença em “alma” ou “espírito”, como se ensina em religiões, se originou do animismo, isto é, da crença em “um ente habitando um corpo e animando-o”; tal coisa já foi demobstrada falsa pelos avanços científicos. Toda forma de pensamento se faz mediante sinápses neuronais e todas as emoções, que atuam com o pensamento, se deve aos humores, hormônios estimulados pela relação organismo/hambiente. “Espírito” ou “alma” nada tem a ver com o conceito religioso, não se trata de um “ente dentro de um corpo”. Esse “espirito” ou essa “alma” é o que filósofos estoicos (333–264 a.C.) e os peripatéticos (335 a.C.) chamavam de ???? (palavra cuja transliteração é “hormê”, sendo, mediante o Latim, traduzida por “ímpeto”. A palavra era utilizada para eferir-se ao “movimento de um organismo em direção a um objeto”, e do qual um ato físico resulta. O termo latino é CÕN?TUS, do verbo CÕNOR. Para esses antigos filósofos, tudo que, de algum modo, é animado, incluindo as plantas, tinha um “hormé” (dessa palavra deriva “hormônio”), que seria “aquilo que anima”, que “impulsiona”, que “faz agir”; uma espécie de força ou energia. Filósofos no período moderno, principalmente os alemãs, passaram a utilizar a expressão “trieb” (pulsão, instinto). Freud utilizou essa expressão, que em Latim corresponde à “LIBIDO”, que se traduz por “desejo”, “anseio”, “ímpeto”, derivando, porém, de LIBERE, que significa “agradar”. Conforme essa conotação freudiana, a “energia” que nos impulsiona (espírito; alma) seria algo inerente à relação sujeito/objeto, iniciando-se no período de gestação e intensificando-se no que ele chamou de “fase oral”, e daí por diante. Mas, para um entendimento claro e, consequentemente, esclarecedor, sobre “espírito”, “alma”, convém remontar as origens dos referidos conceitos, desde suas raízes etimológicas e suas primeiras aplicações. A palavra “psique” vem do Grego ????, cuja transliteração é “psychê”, sendo traduzida, literalmente, como “respiração”, “sopro”, semelhantemente à ??????, que se translitera “pnêuma”. Embora, com o tempo, no âmbito místico-religioso, a palavra “psique” tenha passado a ser utilizada como “alma”, e no filosófico-científico como “mente”, a forma grega ???? (eu respiro) revela haver o sujeito, “aquele que respira”, a “criatura consciente da própria respiração”, e isso nos faz entender que “psique” não é a palavra melhor indicada à representação da mente humana. A palavra “nous” (????, em Grego antigo) que não possui tradução direta à língua portuguesa, se refere ao “intelecto”, à “razão”, o que implica sujeito e ato. Abrangendo tanto os aspectos conscientes como os inconscientes, “nous” faz que tomemos ciência de que seu significado principal é o de “mente”, pois o leque de sua aplicação vai desde “intelecto”, “razão”, passando por “percepção mediante os sentidos” até “instinto” e “autopercepção” (ou “consciência de estar consciente”) pois a palavra era utilizada, de modo especial, para descrever uma percepção que opera como que dentro do indivíduo, em relação a ele próprio e não apenas através dele ou mediante ele.
Convém algumas observações para não permitirmos dúvida alguma: o Hebraico nos traz a palavra “ruah”, que se traduz, literalmente, “fôlego”, “ar”, mas que também foi modificada no meio religioso, para se referir ao suposto “espírito” no sentido de “ente interno”. Originalmente “ruah” era a expressão para se referir à “respiração”, como sendo concedida por Deus ou DEUSES” _no âmbito religioso_ como no livro bíblico Genesis, contido na Bíblia, que diz que “Deus (no Hebraico ‘ELOHIM’, que significa ‘DEUSES’) ‘soprou’ (tradução correta: ‘sopraram’) o ESPÍRITO (ar; fôlego) ‘nas narinas do homem’, de maneira que este se tornou uma ‘criatura vivente'”. A expressão “criatura vivente” se contrapõe à expressão “modelou com o barro” o homem, também contida no mesmo livro bíblico, e complementa-a, indicando que, “o inanimado foi animado pelo ar ou fôlego”, e não que “um ente adentrou o barro recém modelado. Posteriormente, com o desenvolvimento de religiões, a partir do que chamamos de “animismo”, o sentido literal foi se tornando subjetivo, ao ponto de passar a significar algo como um “ser dentro do corpo”, o qual poderá ir para o Inferno, Purgatório ou Paraíso. Mas é interessante ressaltar que “alma”, que em Hebraico é ???????,, cuja transliteração é “néfesh” ou “nephesh”, significa “criatura respirante”, isto é, “enquanto viva”. O homem, ao receber dos DEUSES o “ESPÍRITO” (ar; fôlego), passou a condição de “alma” (criatura viva). Isso nos mostra que, inicialmente, o conceito de “alma” pouco ou mesmo nada tinha a ver com o conceito que encontramos nos círculos religiosos e místicos, de um “ser dentro do corpo humano”, pois “alma” significava o “ser em sua totalidade orgânica e enquanto vivo”. Podemos também citar o equivalente em Sânscrito, para “alma”, que é “?tman”, também significando, literalmente, “criatura enquanto viva”. Resumindo: “alma” como “ente dentro do corpo humano” é uma distorção etimológica. Sendo assim, deve-se ter bem esclarecido que, “psique”, é expressão que deve ser utilizada como se fosse “nous”, visto que “psique” se popularizou e não pode, por isso, ser trocada sem prejuízos às áreas terapêuticas. Para esclarecer as pessoas iracundas, que, desprovidas de bom senso, se apressam a agredir com palavras, provavelmente por não estarem próximas fisicamente, em vez de se darem ao dialogo maduro, imparcial, visando o aprendizado mútuo, ressalto que não estou dizendo não existir “alma” ou “espírito” no sentido que as religiões e círculos místicos ensinam, mas, tão-somente, que tal sentido se originou de adulterações etimológicas. Me refiro, então, apenas ao sentido etimológico. As crenças devem ser respeitadas, de maneira tal que se deve separar o melhor possível o que é crença e o que é filosófico e científico, até mesmo porque tem surgido pessoas se intitulando psicanalistas, terapeutas…, mas inserindo essas distorções conceituais com base em suas próprias experiências místico-religiosas e leituras rasas.
Vivamos éticamente, com a consciência do certo e do errado no contexto inter-relacional, e não por temer um hipotético Inferno ou pelo desejo egoísta de ir para o hipotético Paraíso enquanto tantos outros “possam” ser atirados ao Inferno. Viva, agora mesmo, a “eternidade”, que por ser “suspensão cronológica”, é atemporal, é “estar presente no que se esteja vivendo”, com intensidade tal que “os ponteiros da existência travam-se, não mais havendo nem passado, nem futuro”, somente um teansbordamento de Vida!
Autor:
Cesar Tólmi – Filósofo, psicanalista, artista plástico autodidata, jornalista, pós-graduando em Neurociência Clínica, escritor, palestrante e idealizador da Neuropsiquiatria Analítica, integrada aos campos clínico, forense, jurídico e social.
Contato com o autor: cesartolmi.contato@gmail.com