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sexta-feira, 6 de setembro de 2024

A taça de cristal

Capítulo Seis

Ricardo não estava com pressa de voltar para casa, quando acabou seu expediente. Fez a última viagem do dia por volta das oito horas da noite, depois que os passageiros desceram, desligou o itinerário do carro e dirigiu-se à garagem. Devido ao horário ele sabia que seria um pouco demorado, mas não estava preocupado com isso. Afinal, depois que tudo estivesse certo com relatórios e féria do dia, sua intenção era ir ao bar tomar algumas para esquecer os problemas do dia anterior. Realmente não tinha nenhuma vontade de retornar ao lar, principalmente depois da briga que tivera com sua esposa.

Ele não conseguia lembrar como a discussão começou. Sabia que a culpa era sua, mas não entendia o porque. Talvez pelo fato de que estivesse bêbado quando chegou em sua casa… puxando um pouco mais a memória, lembrou-se do… incidente… quando sua esposa havia pego o ônibus que ele dirigia. E justo naquela viagem Roseli tinha que inventar de lhe dar um beijo quando desceu do ônibus… e sem pagar a passagem, ainda por cima! O problema é que ela fazia isso todo dia, já era automático. É claro que isso se devia ao fato de os dois já estarem namorando a quase dois anos, e dessa relação uma filha deles ter nascido. Engraçado, ele nunca quisera ter filhos com Cecília, e com a Rose simplesmente aconteceu… Tinham uma garotinha linda e forte, para quem deram o nome de Letícia. A bem da verdade, de início ele queria pôr o nome da menina de Diana, e ela queria Melissa… no final, entraram em acordo sobre o nome escolhido…ela já tinha quase um aninho, e realmente era muito linda…

É claro que Cecília não poderia nem sonhar com isso, pois se ela viesse a descobrir que Ricardo tinha outra família, tudo desabaria como um castelo de cartas. E, embora não parecesse, ele amava sua esposa.

Bem, ele estava junto com seus amigos no barzinho em frente a garagem. Já era a quinta garrafa de cerveja que esvaziavam, sem contar as várias doses de cachaça consumidas entre uma garrafa e outra. Não é que ele gostasse de cachaça. Na verdade, detestava. Mas a maioria de seus amigos gostava de beber uma caninha e então, para não “fazer desfeita” aos amigos, acabava entornando alguns goles de aguardente. O problema é que subia rápido demais. Então ele acabava tendo que dar um tempo até recuperar o controle das pernas para que pudesse voltar para casa.

Lá pela meia noite já estava bastante “brisado”, mas era hora de ir dormir para pegar cedo no serviço. Seu carro estava escalado para sair da garagem às cinco e meia, então ele tinha apenas cinco horas até ter que retornar para o trabalho. Trocando as pernas, saiu a rua, esperando o Uber que havia chamado para conseguir chegar em casa.

Finalmente chegou. Pagou o motorista e desceu. Estava tudo escuro, o que estranhou, a princípio. Afinal, Cecília sempre deixava a luz do alpendre acesa. Mas não naquele dia. Com uma certa dificuldade conseguiu finalmente abrir a porta. Com aquela voz pastosa, característica de uma pessoa embriagada, chamou pela esposa diversas vezes. Nenhuma resposta. Começou a se exaltar, proferiu impropérios em altos brados, mas tudo continuava no mais sepulcral dos silêncios…

Chegou finalmente à porta do quarto, furioso porque a esposa não o recebera. Estava prestes a agredi-la novamente quando percebeu que, além dele, não havia mais ninguém no recinto. Começou a berrar impropérios ao léu, mas ninguém o ouvia. Depois de alguns minutos gritando como louco, caiu sua ficha… ele estava sozinho. Mas, como? Por que?

Sentou-se na cama, completamente perdido. Onde Cecília poderia estar a essa hora? Será que foi para a casa de seus pais? Não, com certeza, não. Ainda mais depois que teve aquela briga feia com sua mãe e com Estela, para defender Helena. Tanto Cecília quanto Helena não suportavam a Estela, e essa contribuía ao máximo para que a antipatia das irmãs aumentasse cada dia mais…

Bem, então ele podia descartar a casa da sogra… para onde ela teria ido? Casa de alguma amiga? Mas qual? E por que ela teria… espera, isso era óbvio… a briga. Mas… só por causa daquela discussãozinha boba? Não dava para entender… “Bem, sabe de uma coisa”, pensou ele, “eu vou é dormir… afinal, tenho que levantar daqui a pouco…”

O som do relógio da parede reverberava pelo seu cérebro, como se mil bigornas estivessem sendo golpeadas. O nome da esposa escapava de seus lábios a todo instante. Com aquela voz chorosa ele chamava por ela…

O som alto do despertador o fez levantar correndo da cama. Conferiu a hora. Eram quatro e meia da madrugada, tempo suficiente para tomar um banho, um café quentinho e sair correndo para a garagem. Ele tinha que parar com essa mania de ir encher a cara em dia de trabalho. Estava um caco só, mas tinha que ir para a garagem. Afinal, sua filha precisava de algumas coisas, e para isso, era necessário ganhar dinheiro.

Enquanto se banhava, gritou para que Cecilia preparasse seu desjejum. Estranhou quando não teve nenhuma resposta da esposa. “Nossa, ela está tão zangada assim que nem se digna a me responder?” pensou ele… então, de repente… com num relâmpago voltou a sua memória e lembrou-se que sua esposa não havia dormido em casa nessa noite. Então a preocupação veio forte… o que teria acontecido com Cecília? Ela nunca havia feito isso, antes. Porque iria ficar fora de casa à noite, assim? Por causa de uma simples briguinha? De uma bobagem dessas?

Ricardo se vestiu e ganhou a rua, sem tomar café, mesmo. Não tinha mais tempo para isso. Ainda estava meio tonto, culpa das bebidas da noite anterior…

Tania Miranda
Tania Miranda
Trabalho na Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo e minha função é "Agente de Organização Escolar", embora no momento esteja emprestada para o TRE-SP, onde exerço a função de "Auxiliar Cartorário". Adoro escrever, e no momento (maio de 2023) estou publicando meu primeiro livro pela Editora Versiprosa...

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