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sábado, 7 de setembro de 2024

70 – As três marias

As três amigas caminhavam juntas pela campina… iam devagar, todos os sentidos atentos… preparadas para qualquer tipo de surpresa que se apresentasse. Mas… incrível… por mais que procurassem, nenhum inimigo cruzava seu caminho. De todo o grupo, elas eram as únicas que ainda não haviam enfrentado nenhum oponente. Dava para dizer que estes as estavam evitando… 

O céu continuava carregado. Os relâmpagos cortavam os céus clareando todo o mundo… os trovões soavam cada vez mais forte. Nenhum som das criaturas noturnas era ouvido… aliás, parecia que se estava caminhando por outro mundo, pois nada mais se ouvia além dos trovões que reboavam por todo o firmamento. Graça foi a primeira a notar a luz bruxuleante  que se aproximava… chamou a atenção de suas companheiras, que imediatamente levaram a mão à coronha das armas…  a poucos passos das três a luz foi tomando a forma de uma pessoa… era a Mulher de Branco, que finalmente dava o ar de sua graça…

Alberto continuava a sua peleja contra seu inimigo. A fera começou a lamber os beiços, ao perceber que o doutor começava a mostrar sinais de cansaço. O doutor começou a se preocupar com a sua situação, pois ele sabia que no seu primeiro vacilo o estranho ser iria atacá-lo. Alberto começou a pensar se não seria melhor imobilizar a criatura, uma vez que aquela estranha dança executada pelos dois estava acabando com as suas energias… ato contínuo, vibrou seu chicote no ar e o fez enrolar-se no corpo de seu inimigo, derrubando-o de uma vez… a fera debatia-se, tentando escapar do couro trançado que o amarrava, mas os pequenos enfeites de prata incrustados na ponta do chicote a impediam de ter sucesso em seu intento. Nesse ponto Alberto pensou sobre o que faria, e chegou à conclusão de que só havia uma atitude a tomar. Ato contínuo, sacou seu revolver e o apontou para o ser imobilizado, que ao ver o cano da arma apontado para si, começou a rir, pois as armas não tinham o poder de ceifar sua vida… o que o Papafigo não contava era que a munição usada pelo bom doutor era de prata… e o projétil expelido pela câmara da arma despachou a criatura para outro plano. Alberto se aproximou da fera imóvel com todo cuidado, sacou do facão que trazia na cintura, e repetiu o gesto que presenciou Juvêncio fazendo… decepou a cabeça do estranho ser. Imediatamente a figura se decompôs, e logo apenas lembranças da luta  permaneciam na memória do doutor, pois o corpo de seu inimigo não mais existia…

Juvêncio e Duarte caminhavam lado a lado, todos os sentidos em alerta…  Duarte ainda mostrava sinais de cansaço da luta que tivera contra os dois inimigos… mas sabia que não podia deixar o cansaço vencer… não essa noite, pelo menos. Os dois continuaram a andar, com toda a cautela, quando viram um vulto caminhar em sua direção. De imediato, estacaram e levaram as mãos a coronha das armas. Mas logo o vulto se identificou, era Zacarias, que estava feliz por encontrá-los… os três se reuniram e colocaram as novidades em dia, Zacarias explicando que fora obrigado a exterminar os dois lobisomens, embora não fosse esse seu desejo, Duarte contando que foi salvo no último instante pela ação rápida e certeira de seu colega de cargo… e os três continuaram sua jornada, todos os sentidos em alerta, pois segundo sua conta ainda haviam cinco inimigos a vencer…

Alberto começou sua caminhada em direção ao que parecia ser o ápice da tempestade… ia devagar, passo medidos, e atenção redobrada, pois sabia que ainda havia perigos pairando no ar…  afinal ele eliminou apenas um dos seres que os estavam caçando nesta noite… depois de caminhar por cerca de meia hora… um pouco mais, um pouco menos, visualizou a figura de três seres que seguiam na mesma direção que ele… deveriam estar a uma boa distância, mas se ele apertasse o passo, com certeza os alcançaria em pouco tempo. E foi o que fez… uma meia hora depois, já podia identificar, sem medo de errar, quem eram as pessoas na sua frente… e felizmente eram seus amigos…

Agora os quatro caminhavam juntos cientes de que, teoricamente, haveriam cinco inimigos a combater… embora, como Zacarias já explicara anteriormente, um deles não iria confrontá-los de forma alguma. O máximo que poderia fazer seria deixá-los confusos durante as batalhas… porém até o momento isso não ocorrera, o que poderia significar que o Curupira resolveu não tomar nenhum partido nessa luta… mas ainda era muito cedo para se chegar a qualquer conclusão… mesmo porque ele poderia  muito bem estar focado em proteger a Mulher de Branco….

Depois de uma boa caminhada os quatro chegaram até onde as três garotas estavam… as três permaneciam paradas, atentas, fixando um ponto mais a frente de onde estavam. E foi aí que os quatro companheiros perceberam que Alice estava frente a frente as três moças… não muito próxima, a bem da verdade… talvez a uns cem, cento e cinquenta metros de distância. Ela não estava sozinha…. sentada em um trono feito de ossos, o mesmo repousava sobre o dorso de duas serpentes, cujas escamas brilhavam noite adentro, sendo que seu brilho superava o clarão dos relâmpagos que continuavam a cortar os céus… e, ao lado do trono, aguardando as ordens de sua rainha, estava a famigerada mula sem cabeça… portanto, o quadro estava completo… a vampira, os boi tatás e a mula sem cabeça… faltava apenas o curupira, mas esse jamais se deixaria avistar pelos mortais ali presentes…

– Então finalmente chegaram…

– Seus soldados nos deram um pouco de trabalho…

– E agora, o que farão?

– Viemos neutralizá-la….

– Mas vocês ao menos sabem o que eu sou?

– Uma vampira….

– Não… uma deusa. Eu não posso ser destruída por vocês… mesmo que esse corpo seja destruído, minha essência continuará no Universo… e eu retornarei.

– E porque resolveu se instalar aqui, no meio de nós?

– Não foi proposital… como vocês perceberam, minha contraparte humana não fazia a menor ideia de quem era, realmente…. assim como você também não saber quem é, não é mesmo, Zacarias?

Todos os olhares se voltaram para o velho boiadeiro. O que aquela mulher estranha tentava dizer?

–  Você sabe que não posso lutar contra seu grupo… por isso o escolheu… e até reuniu os três anjos da morte para me levar de volta, não é mesmo?

– Sim, você está certa. Isso quer dizer que vai se render pacificamente?

– Por que não? Uma luta entre nós seria apenas um desperdício de energia… eu já sei qual seria o resultado da contenda, mesmo….

– Mas não vai nem fingir que deseja lutar contra nós?

– Para que?  Vocês vão me derrotar, está escrito… aí retornarei ao Paradis toda machucada e levarei alguns milênios para me recuperar… e vocês também acabarão tendo baixas… e tenho certeza de que nenhum de nós deseja isso, não é mesmo?

– E como será seu retorno ao seio da Mãe Terra?

– Bem… os três anjos irão me escoltar até o portal… a partir de lá, seguirei sozinha… e não se preocupem… ninguém se lembrará de mim ou de qualquer coisa que tenha acontecido nesse meio tempo…

– Mas….

Alberto deu dois passos à frente e dirigiu-se a Alice….

– Você diz que ninguém vai se lembrar do que aconteceu nos últimos dias… e os mortos?

– Não retornarão… mas, para as pessoas que os conheceram, será como se nunca tivessem existido…

– Inclusive os cinco que morreram hoje?

– Inclusive eles….

Duarte resolve fazer uma pergunta, também…

– Mas, vem cá… se você já havia decidido retornar à Mãe-Terra, porque todo esse carnaval?

Alice lhe dirige um olhar gélido, mas decide responder…

– Que graça teria eu simplesmente desaparecer? Já que decidi partir, que seja em grande estilo….

– Então as serpentes e a besta…

– Nunca foram requisitadas para lutar contra vocês… não esta noite, pelo menos…

As três bestas, que estavam ao lado de Alice, transformaram-se em corcéis adornados de pedras brilhantes… o trono em que estava sentada também transformou-se em um corcel… As três moças, sem pronunciarem uma única palavra, caminharam em direção aos animais e os montaram… mais uma vez Alice se dirigiu a Zacarias…

– Eu sei que você não se lembra… mas nós somos amantes de longa data… e quando você se cansar de brincar de mortal neste plano, retorne aos meus braços no Paradis….

Todos olharam para Zacarias, sem entender exatamente o que a deusa queria dizer… mais ela não falou… montou seu corcel e, em companhia das três Marias, ganhou as alturas, pois suas montarias eram aladas… e aos poucos foram sumindo no céu, que começou a acalmar-se, até que as estrelas e a lua dominaram todo o firmamento….

Graça estava eufórica, esperando a partida do trem que a levaria até a Capital, onde se encontraria com sua mãe, totalmente curada da enfermidade que a acometera. A moça decidiu que iria ficar na cidade grande, onde teria condições de cuidar melhor de sua mãe… afinal, o dinheiro do prêmio que recebera, não sem um pouquinho de dor na consciência, permitiria que ela e sua mãe vivessem confortavelmente por um bom tempo…

Rosa assumiu a escola do vilarejo, pois faltava uma professora no quadro… e ela estava apta a dar aulas para os pequeninos. Logo todos se acostumaram com o jeito meio destrambelhado da nova professora, que de vez em quando aparecia com alguma novidade para seus alunos… sim, ela conquistara a todos da comunidade…

Maria resolveu dar uma chance para Juca e começaram o que poderia ser um grande romance no futuro… mas começaram devagar, apenas mãozinhas dadas nos passeio que faziam nos finais de tarde, quando Maria fechava sua loja de roupas… coisas de mulher… e iam passear na orla do rio, apreciando o entardecer e depois o nascimento da lua e das estrelas….

Alberto resolveu sair da cidadezinha e voltar para a Capital… sentia um vazio em seu peito, mas não sabia exatamente o porque… a única coisa de que tinha certeza era que  alguma coisa estava faltando em sua vida… de vez em quando, um vislumbre acontecia e ele via um rosto, meio apagado, de uma linda mulher… mas não saberia dizer quem seria… a única coisa estranha era que quando via essa imagem, uma calma profunda tomava conta de todo o seu ser…

Duarte conseguiu resolver todos os casos de sua jurisdição… não tinha mais nenhum caso em aberto, e por essa proeza recebeu das mãos do governador uma medalha pelos bons serviços prestados… ele não conseguia entender muito bem como conseguiu solucionar os casos, mas o importante era o resultado final…

Em uma bela tarde, Juvêncio montou seu cavalo Tornado e despediu-se do vilarejo… poderia ter pego o mesmo trem que Graça havia tomado, mas preferia cavalgar pelas campinas e recordar um tempo que já havia passado e não mais retornaria…

E Zacarias? Bem, retomou suas funções de faz tudo na fazenda dos Nardi, e supervisionava todos os trabalhos, sempre atento a qualquer coisa diferente que ocorresse nas imediações sob sua responsabilidade. Continuou sua pesquisa sobre acontecimentos estranhos e os guardava religiosamente em sua mente… na verdade ninguém nunca soube quem era, na realidade, Zacarias… um belo de um dia ao entardecer, despediu-se da esposa e dos filhos, montou seu cavalo baio e sumiu no horizonte… e nunca mais se ouviu falar daquele caboclo que era pau prá toda obra… ah, sim… Maria acabou se casando com Juca, que assumiu o lugar de seu sogro no posto da fazenda….

Autora:

Tania Miranda

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