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domingo, 8 de setembro de 2024

60 – Passeando Na Orla Do Rio

 – Nossa, que surpresa boa….

– Estava com saudades de ti, Alberto….

– Que é que eu posso dizer? Uma mulher bonita com saudades de mim…

Alice riu. Um riso gostoso, com a inocência do riso de uma criança. Trazia um cesto em uma das mãos e o depositou em cima da escrivaninha de Alberto.

– E então? Pronto para passearmos um pouco?

-Mas são quatro horas, ainda… a gente não havia combinado de apreciar o por do sol mais tarde?

– Sim… mas o dia está tão gostoso… e acho que não terá problemas se fechar o consultório um pouquinho mais cedo que o normal… afinal de contas, você está à disposição da comunidade o tempo todo, com o consultório aberto ou fechado…

– Bom, isso é verdade… sim, você tem razão… vamos passear…

Alberto tirou seu jaleco e o pendurou no cabide. Enquanto se preparava para saírem, resolveu abrir o cesto, para ver o que a moça havia preparado para os dois… porém, ela não deixou….

– O lanche é uma surpresa… só quando estivermos lá no rio…

– Mas, Alice… deixa de ser malvada… estou com fome agora…

– Não, senhor… você nem ia sair do trabalho agora… portanto não iria comer tão já… dá para esperar um pouco….

– Você é muito malvada, sabia? Castigando assim um pobre faminto…

E os dois riram juntos. Alberto fechou seu consultório, não sem antes afixar um aviso, explicando onde poderiam encontrá-lo em caso de emergência. E lá foram os dois pela alameda, em direção ao rio… conversavam animadamente sobre tudo e sobre nada, que é a forma que todas as pessoas costumam conversar… coisas importantes, mescladas com assuntos que não despertam interesse em ninguém, mas que as pessoas fingem prestar atenção mais por educação do que por qualquer outro motivo. Em determinado momento, Alice resolveu falar sobre o encontro que teve pela manhã…

– Aposto que você não tem ideia de quem encontrei logo cedo…

– Lá vem você com seus joguinhos de adivinhação…

– Deixa de ser chato…

– Está bem… quem você encontrou?

– Tenta adivinhar…

– É alguém importante?

– Não sei… eu pensava que não… agora não tenho certeza…

– Nossa… e quem seria tal pessoa?

– O Seu Zacarias…

– Zacarias? Vocês cruzaram o caminho cedo? Mas ele trabalha na fazenda, e geralmente não vem para o centro pela manhã…

– Eu sei… mas ele havia marcado de se encontrar comigo logo cedo, para conversarmos…

– Sério?  E o que ele queria?

– Aí é que fica estranho… não faço a menor ideia…

– Como assim?

– Bom, você sabe que, às vezes, tenho lapsos de memória…

– Sim… e isso me preocupa.

– Pois é… eu me lembro de que a gente se encontrou umas seis horas da manhã, lá na praça. Conversamos por algum tempo. Mas, de repente, quando dei por mim, estava na Dona Mônica, sentada em uma mesa e devorando algumas broas de milho com café com leite…

– E…?

– E é isso… não faço a menor ideia de como fui parar lá na pensão… simplesmente, quando dei por mim, lá estava eu… e não sei sobre o que eu e o Zacarias conversamos…. dá para acreditar?

– Sabe que essa sua condição me preocupa… já te falei mais de mil vezes… você tem que fazer um exame completo, para saber o que está acontecendo contigo…

– Mas ai é que está o problema… eu não sinto que haja algo de errado comigo… só que as vezes eu esqueço de algumas coisas…

– Você não faz mesmo ideia do que seu Zacarias queria contigo?

– Não… é como eu te disse… em um momento a gente estava conversando… e de repente, lá estava eu, na pensão…

É… realmente é estranho… mas é como estou te falando… a gente deveria fazer uns exames para descobrir o que está acontecendo contigo…

Alice dá de ombros, mas sorri com a preocupação de seu amigo. Ela também está preocupada com seus lapsos de memória, mas procura amenizar a situação para que ninguém se inteire da real dimensão de seu problema… que ela não faz a menor ideia de qual seja… 

Depois de caminharem por cerca de uma hora pelas margens do rio, encontram um lugar perfeito para fazerem seu piquenique… do outro lado das margens, bem distante, as montanhas serviam de moldura para a natureza. E, quando o sol começou a baixar por trás destas, seus raio iluminando as montanhas, criando uma miríade de cores, tornando o verde em vários tons, os dois jovens ficaram em silêncio, simplesmente abraçados, cabeça com cabeça, apreciando o espetáculo que a natureza proporcionava. Quase que não se ouvia nem  mesmo sua respiração, pois os dois estavam absortos em apreciar a beleza que o por do sol mostrava….

– Alice…

– Sim?…

– Já te falei que você está muito linda, hoje?

Alice sorriu. Ela sabia o quanto Alberto a queria. E sentia o mesmo por ele. Mas, por algum motivo, sentia que não deveria alimentar esse sentimento… sentia que não daria certo, que algo desagradável poderia acontecer e que ela se arrependeria por alimentar esse sentimento…

Alberto estava observando a moça, com olhos de cachorro perdido… era apaixonado por ela, sentia que era correspondido. E por isso não conseguia entender a relutância da moça em aceitá-lo. Não havia nenhum motivo plausível para isso.  Era uma pessoa de destaque na sociedade, culto, inteligente… e, modéstia às favas, um rapaz deveras bonito… e todo mundo dizia que os dois faziam um lindo par. Por isso, ele não conseguia entender a reserva dela em relação aos dois…

Vendo que não conseguia uma abertura para  declarar o que sentia por Alice, Alberto começou a falar sobre o seu dia, os encontros e desencontros em seu consultório. Falou de coisas curiosas que haviam acontecido durante os últimos dias, inclusive o incidente com o Mané da Tiana, pois ainda não havia lhe contado sobre esse ocorrido. Claro que omitiu os detalhes mais escabrosos, mas percebeu uma leve mudança no humor da sua companhia quando tocou nesse assunto, então tratou de mudar rapidamente  sobre o que conversavam. A noite estava fresca e agradável, mas, de repente, Alberto começou a se sentir desconfortável. E sugeriu à moça que retornassem ao vilarejo, no que foi aceito de pronto.

61 – Uma nova reunião…

Mais uma reunião com os cinco se iniciava. Duarte resolveu fazer uma piadinha com a situação… estavam na Távola Redonda… isso se devia ao fato de que a mesa que usavam era circular.  Não estavam nem na delegacia nem no consultório médico. Haviam reservado uma sala na pensão de dona Mônica, e nessa sala estava a tal mesa, com as cinco cadeiras solicitadas por Juvêncio. O primeiro a chegar foi doutor Alberto, sendo seguido pelo doutor Andrade, depois a professora Alice e por ultimo, Zacarias. Todos se sentaram, e esperaram que Juvêncio iniciasse a sessão. Ele continuava de pé, pensativo. Visivelmente, algo o incomodava. Pediu licença ao grupo e saiu da sala por alguns instantes. Retornou com o cenho carregado, semblante fechado, expressão preocupada. Tomou seu acento, olhou ao redor, conferindo se os participantes estavam todos ali como ele solicitara. Na frente de cada um deles havia uma pasta e um caderno com um lápis para possíveis anotações. Juvêncio continuava compenetrado em seus pensamentos, o ambiente estava pesado, dava para sentir a tensão no ar. Juvêncio pegou a jarra de água que estava sobre a mesa, encheu um dos copos, sorveu o líquido e finalmente começou a falar…

– Creio ser desnecessário explicar-lhes porque os chamei aqui…

– Os últimos acontecimentos, não é mesmo?

– Sim… mais dois corpos foram encontrados… e novamente nenhum deles tinha uma gota de sangue sequer em suas veias…

– Não se esqueça do corpo sem as entranhas…

– Sim, doutor Alberto, tem razão… dois corpos sem sangue e um sem entranhas… e sem ferimentos…

– Seu Vicente, nas duas ultimas semanas tivemos um total de quinze mortos em circunstâncias estranhas…

– Eu sei… seu Zacarias, poderia nos dizer alguma coisa?

– Bom… eu fiz algumas investigações, como o senhor me pediu…

– E…?

– Bom, eu não tenho nenhuma prova concreta em mãos… por ora, tudo o que eu posso dizer é que estamos enfrentando um vampiro e parte de seu séquito em nossa região….

Fora Juvêncio, a reação dos outros membros presentes foi de surpresa sobre as conclusões de Zacarias, que não se abalou com a cara de descrédito que fizeram. Simplesmente continuou…

– Antes que digam que isso são histórias que se conta ao pé da fogueira, para assustar criancinhas, um esclarecimento… não se costuma ouvir falar dessas criaturas porque normalmente elas estão em regiões onde há conflitos armados entre grupos divergentes… portanto, seus ataques passam despercebidos entre as pessoas normais…

– Pessoal, isso que o seu Zacarias está falando procede… a melhor maneira de se esconder é ficar em evidencia no lugar que menos te esperam… e que te dão mais condições de passar despercebido…

– Mas isso que vocês estão falando não tem sentido nenhum…

– Dona Alice, a senhora é uma estudiosa. É uma pessoa inteligente. Sabe que nem tudo o que acontece é contado para todo mundo…

– Sim, eu sei… agora, dizer que onde há guerra tem seres sobrenaturais…

– Dona Alice… ninguém disse que são seres sobrenaturais…

– E seriam o que, então?

– Sinceramente, não sei… o que sei é que conseguem nos usar como se fôssemos seu gado particular, escolhem qual de nós desejam devorar e simplesmente nos consomem, como fazemos com nossos animais…

– Seu Zacarias… como é que eles podem transformar uma pessoa comum em um deles?

– Não faço idéia… talvez o doutor Alberto possa nos dar uma luz sobre isso…

Doutor Alberto olhou para todos os presentes, que haviam dirigido seu olhar para ele. Levantou-se, caminhou um pouco pela sala, compenetrado naquilo que poderia falar… bem, como é que poderia falar sobre algo que não fazia a menor idéia do que poderia ser? A gente sempre tem uma teoria, mas essas são facilmente desmontadas quando se descobre como a realidade funciona… mas, já que queriam ouvir alguma coisa, ele diria o que pensava que poderia ser… ou seja, daria a sua opinião…

– Pessoal… antes de nada mais, peço que me desculpem… sou ignorante quando o assunto é o inexplicável… o sobrenatural… o que vou falar aqui para vocês são minhas impressões pessoais, não quer dizer que sejam a verdade….

– Tudo bem, doutor… é só isso que estamos pedindo para o senhor…

– Então lá vai… ao que tudo indica, quando alguém é atacado por essas… entidades… bem, elas são infectadas por algum tipo de vírus…

– Vírus? o que é isso?

– Depois eu explico… deixa eu continuar minha linha de raciocínio, por favor… normalmente as vítimas não resistem ao ataque e vem a falecer em seguida… essas são as pessoas com sorte… mas, por algum motivo, alguns acabam resistindo ao ferimento e sobrevivem…

– Isso é possível, doutor?

– Claro, Andrade… ou já se esqueceu do Mané da Tiana?

Ao ouvir falar sobre o Mané da Tiana, Alice se mexeu, mostrando desconforto em sua cadeira. Apenas Juvêncio e Zacarias perceberam isso, pois Andrade estava prestando atenção em Alberto, que por sua vez tentava explicar seu ponto de vista aos presentes e acabou por não ver a reação de sua amada. Zacarias podia jurar que a cor dos olhos da professora haviam mudado de azuis para negros, mas foi por apenas uma fração de segundos… para confirmar sua impressão, resolveu interpelar Alice…

– Professora, o que a senhorita acha da explicação de Alberto?

Todos se voltaram para Alice, inclusive Alberto. Todos queriam ouvir o ponto de vista da mestra. Meio sem jeito, Alice se pronunciou…

– Pessoal, essa não é a minha praia… aliás, nem sei o que estou fazendo aqui… sim, eu sou uma pesquisadora… mas, ao contrário do senhor Zacarias aqui presente, minhas pesquisas se referem às origens das famílias. Não sei nada sobre casos fantásticos, não são de meu interesse…

– A gente sabe, professora… mas suas pesquisas sobre as famílias podem nos ajudar bastante. De repente, é em seus escritos que se encontra a solução de tudo o que estamos passando…

– Não vejo que relação poderia ter…

– Nem nós… ao menos por enquanto…

Juvêncio resolveu retomar o comando, passando a palavra para Alice…

– Dona Alice, sabemos que a senhora não é médica… mas sabemos, também, que é uma estudiosa fervorosa.  E que gosta de anotar todas as descobertas que faz. Em sua opinião pessoal, a visão de Alberto sobre esses… vírus… poderia ter algum fundo de verdade?

– Mas é claro que sim… suponhamos que encontramos alguma dessas criaturas fantásticas em nosso caminho e somos por ela atacados…. alguns dos membros da equipe com certeza se salvarão… e é aí que esses microorganismos agirão…
– Então a senhora acha isso perfeitamente possível de acontecer…
– Sim sem dúvida alguma…
– E eu concordo com a Alice, seu Juvêncio….
– Bem, então estamos de acordo que a propagação se dá através do contato físico com o agente causador…

– Sim, isso é ponto pacífico… a transmissão se dá por contato físico… com toda certeza, pela saliva do agente em questão…

– Nesse caso, a única maneira de evitar tal situação seria não se deixar tocar por este…

– O que, em todas as situações, se mostrou impossível…

– Sim, porque na verdade a pessoa está sendo atacada… é uma vítima…

– Na verdade, é a presa de algum  predador…

–  Ou seja, alguma coisa está caçando as pessoas…

– Que, no caso, são vistas apenas como “comida”…

– Acho que podemos dar um nome para o nosso predador… seria “A Mulher de Branco”…

A menção foi feita por Zacarias, que junto com Juvêncio, prestava atenção às reações da professora. Notaram que ela se controlava a muito custo, e a impressão que tiveram antes com relação a troca da cor de seus olhos se repetiu… sim , a moça estava extremamente desconfortável…

– Mas ninguém que a viu permaneceu vivo para contar a história… como vamos saber que ela existe, realmente?

Desta vez foi Juvêncio quem se manifestou, relatando a visão que tivera na orla do rio. Todos ouviram seu relato, prestando atenção em todos os pormenores. E mais uma vez Juvêncio e Zacarias notaram o desconforto de Alice enquanto os fatos eram relatados…

Continuaram a trocar informações por mais uma hora, então Juvêncio resolveu encerrar a reunião, pedindo a todos que retornassem no dia seguinte no mesmo horário… e que cada um investigasse o que fosse possível, para que pudessem continuar a discussão no próximo encontro… depois que todos saíram, e que ficaram apenas Juvêncio e Zacarias, o primeiro resolveu interpelar seu parceiro…

– E então… o que o senhor acha?

– Sinceramente? Cada vez mais me convenço que o nosso alvo é a professora…

– Concordo… mas vamos fazer mais algumas investigações, antes de darmos nosso parecer… não quero acusar uma pessoa inocente… não em um caso desses…

– O senhor está certo, seu Vicente… esse é um caso deveras delicado….

E os dois também ganharam a rua, indo cada um para seu destino na noite…
 

Autora:

Tania Miranda

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