19.5 C
São Paulo
terça-feira, 19 de novembro de 2024

Mitos, Mitologias e o Mito

Quando falamos em mito, a definição mais antiga do termo vem da língua grega ????? (mûtos, para mito), mais precisamente concebida pelo poeta épico Homero, célere autor dos livros “Ilíada” e “Odisseia”, e significa palavra, fala ou história ou mesmo fábula, sem qualquer conotação de falsidade.

No transcorrer da história, a palavra “mythos” cada vez mais implicava “histórias difíceis de acreditar”, de modo que na época do icônico Platão (início do século IV aC), a palavra “mythos” tinha a maioria das conotações que nossa palavra “mito” tem.

Ou seja, mentira, suspeita, falsidade. Em síntese, basicamente, um mito é uma história. Contudo, um mito é um tipo particular de história. Pode ser definido como um “conto tradicional”, com duas características que o distinguem de uma lenda ou de um conto de fadas. Primeiro, um mito é adaptável a muitos gêneros literários. Em segundo lugar, embora flexível, a adaptabilidade de um mito é limitada pelo fato de que um mito deve ser culturalmente relevante.

Mito, sociedade e cultura

De maneira geral, os mitos têm sido e continuam a ser cruciais para a formação social, política, cultural e histórica de todas as comunidades que habitam ou habitaram este globo que denominamos de planeta Terra. Se não fossem pelos mitos, os conhecimentos, histórias, perspectivas e visões de mundo não teriam surgido.

Cada cultura possui suas próprias composições linguísticas, políticas, religiosas, históricas e geográficas que são fundamentadas em algum tipo de mito. Os antigos gregos, por exemplo, foram notáveis ??por sua rica tradição de mitos complexos. Um exemplo desse legado é a metáfora de “O Mito da Caverna”, escrito por Platão, que explora o conceito de apegar-se apenas àquilo que se conhece a alienação do ser humano.

Corroborando com a questão, na atualidade, um artigo intitulado “Os mitos como representações e transmissão do conhecimento”, escrito por Alan Carvalho, discutiu o papel dos mitos na representação e transmissão de conhecimentos. Ele menciona os mitos Yorubás, que são a base ideológica e ética do Candomblé, consistindo em uma coleção de cerca de cem contos, histórias e passagens da vida dos Orixás que contêm um vasto conhecimento sobre a essência da religião. As passagens, que abrangem todos os Orixás, oferecem ensinamentos sobre suas regências, personalidades, fraquezas e domínios, e esses ensinamentos são reproduzidos diariamente dentro dos terreiros e barracões.

Barthes 

Roland Barthes em sua obra “Mitologias” (1957) aborda os mitos do cotidiano da sociedade francesa, mas que podem ser observados de forma universal. Barthes argumenta que a função do mito na mídia é naturalizar e eternizar a sociedade burguesa, envolvendo uma contingência histórica em eternidade e imobilizando o mundo. Essa ideia é exposta em seu livro, que é uma coleção de pequenos artigos publicados em jornais e revistas francesas, incluindo a Paris Match. As narrativas desses artigos abordam os mitos do cotidiano da sociedade francesa no contexto histórico-cultural e político-social.

Nesse sentido, para Barthes, o mito é uma forma de fala despolitizada, produzida pela conotação e uma distração da realidade que se transforma em ideologia. O mito não nega as coisas, apenas as torna inocentes, atribuindo-lhes uma significação natural e eterna por meio de seu caráter imperativo. Não é definido pelo objeto de sua mensagem, mas sim pela sua forma e pode ser representado por um fato, anúncio, reportagem, entre outros.

O jornalista Alexander Goulart, do Observatório da Imprensa, destaca de maneira enfática que Barthes realizou um estudo profundo da mídia, explorando sua relação com o contexto social e cultural. Ele concebeu uma semiologia ativa que investiga os signos presentes no cotidiano, abrangendo tanto a língua quanto a fala. Barthes compreendeu que o signo é relativo e histórico, não podendo ser considerado uma verdade absoluta.

Ao romper com a visão de Ferdinand de Saussure, para quem o signo era absoluto, Barthes adotou uma abordagem estruturalista dialética, na qual o signo é compreendido em relação ao contexto sócio-histórico. Dessa forma, o autor também se preocupa com o translinguístico, ou seja, os aspectos que vão além da linguagem em si.

Os mitos políticos 

Ao abordar o tema do mito sob a perspectiva cultural, a historiadora Regina Célia Daefiol destaca que os mitos políticos são uma das chaves para a compreensão da política enquanto instância da vida social, além de serem um aspecto fundamental da cultura de uma sociedade. Daefiol ressalta que, para entender as complexidades políticas de uma sociedade, é necessário compreender seus mitos e como eles moldam as ideias e valores que sustentam as instituições políticas.

Nesse sentido, Daefiol enfatiza a interconexão entre cultura política e poder na sociedade. A cultura política de uma sociedade é formada por um conjunto de práticas, crenças e valores que influenciam a forma como a política é exercida. Ao mesmo tempo, o poder é um elemento central nesse processo, uma vez que é por meio do poder que as decisões políticas são tomadas e as instituições são criadas e mantidas.

Para ilustrar essa relação, Daefiol cita Frantz Fanon, psiquiatra e filósofo político, que em seu livro “História e Poder” afirma que a cultura política e o poder estão intrinsecamente relacionados na sociedade. Em outras palavras, a cultura política de uma sociedade não pode ser entendida separadamente do poder que a governa.

Assim, a análise dos mitos políticos torna-se fundamental para a compreensão da cultura política e do poder em uma sociedade. Através da análise dos mitos, é possível compreender como determinados grupos políticos legitimam seu poder, como as ideias e valores são transmitidos e como a política é exercida em uma determinada sociedade.

Referências bibliográficas

DAEFIOL, R. C. (2020). Os mitos políticos e sua relação com a cultura política:. Revista Espaço Acadêmico20(224), 218-228. Recuperado de https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/48995

CARVALHO, Alan. Os mitos como representações na transmissão do conhecimento. Brasil Escola. Disponível em: https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/religiao/os-mitos-como-representacoes-transmissao-conhecimento.htm. Acesso em: 18 mar. 2023.

GOULART, Alexandre. As mitologias sempre atuais em Barthes. Observatório da Imprensa. Disponível em: https://www.observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/as-mitologias-sempre-atuais-em-barthes/. Acesso em: 18 mar. 2023.

Vanderlei Tenório Pereira
Vanderlei Tenório
Vanderlei Tenório é jornalista, professor de atualidades no cursinho popular Emancipa, colunista, correspondente freelance de veículos portugueses (Cinema Sétima Arte e Central Comics) e foi bacharelando em Geografia (IGDEMA/UFAL).

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

Patrocínio