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terça-feira, 11 de novembro de 2025

Quando o debate vira ataque

O cenário do debate público sobre segurança revela uma preocupante tendência: a crítica às ideias cede espaço para insultos e ameaças pessoais, especialmente contra profissionais que se dedicam à análise técnica e científica do tema. Condenar alguém por sua aparência física ou recorrer à intimidação é abandonar princípios democráticos e transformar o espaço de diálogo em campo de linchamento simbólico. Nenhum argumento ganha força ao diminuir o outro.

Recorrentemente se tenta desqualificar a contribuição de especialistas alegando que “não entram em favela como os policiais”, sugerindo que só a experiência empírica do confronto armado legitima a participação no debate sobre segurança pública. Tal visão ignora o papel fundamental da reflexão científica e da análise técnica. Há profissionais que, além de atuação acadêmica, possuem larga experiência em cargos de gestão na segurança pública, participaram da elaboração de protocolos operacionais e também na formação e treinamento de agentes. A trajetória que une teoria e prática fortalece o compromisso ético e a autoridade técnica na discussão sobre o uso da força e a construção de políticas públicas.

Por outro lado, assim como a academia não deve desprezar o conhecimento empírico dos policiais da ponta da linha, é igualmente indispensável valorizar a contribuição do saber construído coletivamente, por meio de pesquisa, experimentação e análise crítica. O avanço das políticas de segurança exige a construção de pontes entre saberes distintos — práticos e teóricos —, evitando reducionismos prejudiciais que empobrecem o debate e a própria sociedade. O equilíbrio entre experiência vivida e conhecimento sistematizado é o que torna o debate público vigoroso, plural e produtivo.

Por isso, é fundamental questionar a quem interessa reduzir essa discussão a uma disputa entre quem vive e quem estuda. Essa simplificação serve a grupos que temem o escrutínio qualificado das práticas cotidianas e preferem transformar o conhecimento crítico em inimigo. Ao opor saber empírico e acadêmico, minam-se as pontes necessárias para gerar soluções mais humanas, eficazes e menos letais. Menosprezar o papel da pesquisa é perpetuar rotinas violentas e impedir avaliações transparentes das políticas de segurança.

O pensamento crítico não se faz sob ameaça. Quando o medo cala a pesquisa e o debate, a sociedade perde a capacidade de compreender e reformar seus próprios problemas. Defender o direito ao contraditório e à livre expressão é defender o direito de todos os profissionais, pesquisadores, jornalistas e cidadãos de dialogarem sobre segurança sem medo de perseguição.

Mais grave ainda, o crescimento do anti-intelectualismo transforma o debate público em trincheira e sabota a formulação de políticas sérias. Atacar especialistas desmonta não só universidades e centros de pesquisa, mas o próprio conceito de conhecimento como ferramenta de transformação social. O ódio à ciência interessa a quem aposta no obscurantismo para manter privilégios e evitar responsabilização. Combater esse ambiente é ato de resistência democrática e condição essencial para uma segurança pública justa e racional.

Manuel Flavio Saiol Pacheco
Manuel Flavio Saiol Pacheco
Doutorando e Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Mestre em Justiça e Segurança pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Especialista em Desenvolvimento Territorial pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).. Possui ainda especializações em Direito Tributário, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Docência Jurídica, Docência de Antropologia, Sociologia Política, Ciência Política, Teologia e Cultura e Gestão Pública e Projetos. Graduado em Direito pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Advogado, Presidente da Comissão de Segurança Pública da 14º Subseção da OAB/RJ, Servidor Público.

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