O cenário do debate público sobre segurança revela uma preocupante tendência: a crítica às ideias cede espaço para insultos e ameaças pessoais, especialmente contra profissionais que se dedicam à análise técnica e científica do tema. Condenar alguém por sua aparência física ou recorrer à intimidação é abandonar princípios democráticos e transformar o espaço de diálogo em campo de linchamento simbólico. Nenhum argumento ganha força ao diminuir o outro.
Recorrentemente se tenta desqualificar a contribuição de especialistas alegando que “não entram em favela como os policiais”, sugerindo que só a experiência empírica do confronto armado legitima a participação no debate sobre segurança pública. Tal visão ignora o papel fundamental da reflexão científica e da análise técnica. Há profissionais que, além de atuação acadêmica, possuem larga experiência em cargos de gestão na segurança pública, participaram da elaboração de protocolos operacionais e também na formação e treinamento de agentes. A trajetória que une teoria e prática fortalece o compromisso ético e a autoridade técnica na discussão sobre o uso da força e a construção de políticas públicas.
Por outro lado, assim como a academia não deve desprezar o conhecimento empírico dos policiais da ponta da linha, é igualmente indispensável valorizar a contribuição do saber construído coletivamente, por meio de pesquisa, experimentação e análise crítica. O avanço das políticas de segurança exige a construção de pontes entre saberes distintos — práticos e teóricos —, evitando reducionismos prejudiciais que empobrecem o debate e a própria sociedade. O equilíbrio entre experiência vivida e conhecimento sistematizado é o que torna o debate público vigoroso, plural e produtivo.
Por isso, é fundamental questionar a quem interessa reduzir essa discussão a uma disputa entre quem vive e quem estuda. Essa simplificação serve a grupos que temem o escrutínio qualificado das práticas cotidianas e preferem transformar o conhecimento crítico em inimigo. Ao opor saber empírico e acadêmico, minam-se as pontes necessárias para gerar soluções mais humanas, eficazes e menos letais. Menosprezar o papel da pesquisa é perpetuar rotinas violentas e impedir avaliações transparentes das políticas de segurança.
O pensamento crítico não se faz sob ameaça. Quando o medo cala a pesquisa e o debate, a sociedade perde a capacidade de compreender e reformar seus próprios problemas. Defender o direito ao contraditório e à livre expressão é defender o direito de todos os profissionais, pesquisadores, jornalistas e cidadãos de dialogarem sobre segurança sem medo de perseguição.
Mais grave ainda, o crescimento do anti-intelectualismo transforma o debate público em trincheira e sabota a formulação de políticas sérias. Atacar especialistas desmonta não só universidades e centros de pesquisa, mas o próprio conceito de conhecimento como ferramenta de transformação social. O ódio à ciência interessa a quem aposta no obscurantismo para manter privilégios e evitar responsabilização. Combater esse ambiente é ato de resistência democrática e condição essencial para uma segurança pública justa e racional.

