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terça-feira, 28 de outubro de 2025

Dica de Leitura: “O Evangelho Segundo Pilatos”, de Eric-Emmanuel Schmitt – A Fé que Duvida de Si Mesma

Há livros que não apenas contam uma história, mas desestabilizam certezas. O Evangelho Segundo Pilatos, do escritor francês Eric-Emmanuel Schmitt, é um desses romances que não se contentam em reproduzir a tradição; preferem questioná-la. Com uma prosa clara e poética, Schmitt reescreve o episódio mais emblemático da fé cristã – a paixão e ressurreição de Cristo – para transformá-lo num drama íntimo sobre dúvida, consciência e transcendência.

A narrativa se divide em duas partes complementares. Primeiro, acompanhamos um Jesus humano, frágil, um homem em crise com o próprio destino, escrevendo cartas a Deus às vésperas de sua crucificação. Depois, o olhar se desloca para Pôncio Pilatos, o governador romano que, diante do desaparecimento do corpo de Jesus, se vê enredado numa teia de perguntas sem resposta. Schmitt faz dessa alternância um espelho duplo: de um lado, o homem que ascende ao divino; de outro, o racionalista que tenta compreender o inexplicável.

O autor, conhecido por conciliar filosofia e literatura, não pretende oferecer uma nova teologia. O que propõe é uma reflexão sobre o lugar da fé num mundo saturado de lógica. Pilatos, em suas meditações, poderia muito bem ser o próprio Schmitt — ou qualquer leitor moderno —, alguém que busca um sentido que a razão já não alcança. O romance, assim, fala menos de dogmas e mais do desassossego humano diante do mistério.

Há na escrita de Schmitt uma beleza contida, quase luminosa. Cada frase parece construída para revelar, ao mesmo tempo, o fascínio e o medo do sagrado. O autor faz da dúvida uma forma de oração, um gesto de quem aceita a incompletude da experiência humana. Seu Evangelho não é o evangelho dos que acreditam sem hesitar, mas dos que creem apesar da hesitação.

Em tempos de discursos absolutos, O Evangelho Segundo Pilatos renova a dignidade da pergunta e devolve à fé seu caráter mais corajoso: o de enfrentar o vazio sem fugir dele. Schmitt nos lembra que crer não é ter certeza, mas continuar buscando sentido mesmo quando o silêncio parece completo. Entre o tribunal da razão e o túmulo vazio, o autor constrói uma via possível — a da fé que duvida de si mesma, mas ainda assim se recusa a morrer.

Sobre Eric-Emmanuel Schmitt
Nascido em 1960, Eric-Emmanuel Schmitt é um renomado escritor, dramaturgo e filósofo francês. Sua obra se caracteriza pela união da literatura com questões filosóficas e espirituais, explorando temas como a fé, a dúvida e a condição humana. Autor de grandes sucessos internacionais, Schmitt é conhecido por sua habilidade de traduzir pensamentos complexos em textos acessíveis e poéticos, conquistando leitores ao redor do mundo.

Manuel Flavio Saiol Pacheco
Manuel Flavio Saiol Pacheco
Doutorando e Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Mestre em Justiça e Segurança pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Especialista em Desenvolvimento Territorial pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).. Possui ainda especializações em Direito Tributário, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Docência Jurídica, Docência de Antropologia, Sociologia Política, Ciência Política, Teologia e Cultura e Gestão Pública e Projetos. Graduado em Direito pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Advogado, Presidente da Comissão de Segurança Pública da 14º Subseção da OAB/RJ, Servidor Público.

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