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terça-feira, 23 de julho de 2024

O personagem de Renato Gaúcho e o amadorismo dos dirigentes

Sábado passado, 27/11, meu cunhado e seu irmão realizaram reunião festiva, na casa de meu pai, para comemorar o nascimento do seu primeiro sobrinho, afilhado e filho, respectivamente. Poucos convidados, eu tive a honra de ser um deles. O encontro inicialmente estava marcado para às 18 horas, mas os organizadores logo se deram conta que estaríamos no intervalo da final da Libertadores. Acertadamente, acredito, anteciparam o início do encontro para antes da partida.

O mais difícil para mim, admito, ao sair de casa em dia de futebol é torcer de forma mais “civilizada”. Eu confesso que faltei à aula em que se abordou o processo civilizador e, provavelmente, naquele dia eu estava gritando e xingando na beira de um gramado. Desta forma, mesmo na casa do meu genitor, que já conhece a minha forma impulsiva, ou talvez descontrolada, de torcer, procurei ser mais comedido. Juro para todos vocês que acreditava ter alcançado êxito, até o momento de me despedir de alguns convidados e um deles me falar que a minha paixão pelo futebol é contagiante.

Particularmente, gostei da partida disputada em Montevidéu. Palmeiras e Flamengo realizaram um jogo emocionante e de bom nível técnico para os atuais padrões do futebol de clubes da América do Sul. Concordo com o professor André, meu estimado orientador no doutorado, que comentou ao final do jogo sobre a baixa qualidade técnica dos clubes brasileiros, mas podemos extrapolar para todo o nosso continente, se comparados aos times europeus. Lembro que o capital, em sua forma liberal, jamais buscou distribuir de forma equilibrada os seus benefícios e um ótimo laboratório para tal experiência é o futebol. Nele, o “vil metal” adquire o que há de melhor e mais produtivo em todos os locais do mundo para seu proveito próprio. Exportamos os principais talentos e ficamos com os produtos de qualidade inferior ou ainda com o “refugo” que por diversos motivos já não possuem mercado na Europa. Não há, atualmente, termos de comparação entre os clubes europeus e os sul-americanos.

O Palmeiras, equipe bem treinada e com padrão tático definido, atuou da forma esperada. É uma equipe que exerce forte marcação e explora com eficiência e até de forma cirúrgica, como foi o caso do jogo do último sábado, as eventuais falhas do adversário.

O Flamengo, por sua vez, ainda vive a infindável assombração de Jorge de Jesus. Após sua saída, em meados de 2020, já se foram três treinadores com perfis totalmente distintos: Domènec Torrent, Rogério Ceni e Renato Gaúcho. O Flamengo, apesar de ter se recuperado financeiramente, continua sendo administrado mais pela paixão do que com a frieza profissional. Não percebo um projeto de futebol elaborado pelos seus dirigentes e isto fica claro quando se troca treinadores com perfis tão diferentes quanto os de Ceni e Gaúcho. Na ausência de tal projeto ou, ao menos, de um norte, o clube fica muito mais sujeito às intempéries provenientes da torcida.

Como resultado da ausência de projetos, os treinadores vivem os redemoinhos das paixões. Eles podem ser alçados à categoria de gênios tão rapidamente quanto são triturados e chamados de incapazes quando os resultados não são obtidos. Mesmo o treinador bicampeão da Libertadores, Abel Ferreira, teve o seu cargo ameaçado quando o Palmeiras oscilou no Campeonato Brasileiro. Não só os torcedores, mas a própria imprensa especializada se perguntou se ele conseguiria retomar os trilhos do alviverde paulista antes da final do último sábado.

Para o técnico português, felizmente, houve um longo hiato temporal entre a classificação e a disputa do jogo final e ele pode reajustar a equipe. Por sinal, este é um aspecto que critico. No meu entender, campeonatos de “mata-mata” precisam ser disputados em datas mais próximas. Vocês já imaginaram uma Copa do Mundo em que os dois finalistas só irão disputar o jogo decisivo um ou dois meses depois de se classificarem?

Após a ressaca da derrota, Renato Gaúcho deixou o rubro-negro. Na minha leitura, a vitória do Palmeiras apenas facilitou o que já era inevitável. O ex-treinador do Flamengo vinha, pelo menos desde a derrota para o Atlhetico Paranaense pela Copa do Brasil, tendo as suas metodologias de trabalho questionadas, tanto por jogadores, quanto por dirigentes. Ambos estavam incomodados com as ausências de Renato em alguns treinos e também pela falta de profundidade tática por ele apresentada. Segundo relatos provenientes dos bastidores do Ninho do Urubu, boa parte dos treinos consistia em pequenos jogos, com menos de 11 jogadores em cada time.

Não quero aqui discutir se Renato possui ou não o aprofundamento tático que aparentemente seus comandados desejavam. Me interessa muito mais o personagem por ele construído. Já nos tempos de jogador, ele sempre se jactou de suas qualidades. Renato era bom de bola, mas jamais foi genial, como sempre se vendeu. Ele criou uma figura irreverente, debochada, descontraída, cheia de si e autossuficiente.

Tal personagem, que manteve como treinador, criticou os conhecimentos acadêmicos buscados por outros profissionais. Sua autossuficiência o fez afirmar que ele não precisava de tal experiência pois ele conhecida a “linguagem” do campo: “Quem precisa aprender vai para a Europa, quem não precisa vai pra praia” foram suas palavras.

Particularmente, não acredito que o Renato Gaúcho, após importantes conquistas, seja um analfabeto tático e que não estude. No entanto, suas falas negacionistas em relação ao conhecimento acabaram cobrando o seu preço. Se seus times são incapazes de superar os desafios impostos pelos adversários isto se deve, na percepção de seus críticos, única e exclusivamente ao seu parco domínio tático.

Quem fala demais dá bom dia a cavalo. Se o ditado já é comprovado na questão acima mencionada, ele se reforça quando o então treinador do Grêmio foi engolido por Jorge de Jesus em 2019. Na oportunidade, Renato afirmou que se tivesse em suas mãos uma equipe tão cara quanto a do Flamengo ele ganharia todos os títulos. O personagem mais uma vez se jactou, mas no momento em que teve em suas mãos o time de “200 milhões”, ele não conquistou nada, absolutamente nada.

No entanto, há um aspecto que os dirigentes do Flamengo jamais poderão afirmar: que Renato, ou melhor, o seu personagem os enganou. Quando contrataram o treinador, eles sabiam muito bem qual era o pacote que estavam adquirindo. Se este personagem fazia parte do projeto, não se pode recriminá-lo, se não era parte do projeto ou se não existia projeto comprova-se o caráter amador dos dirigentes brasileiros.

Autor:

Luiz Henrique Borges

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