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segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Verticalização acelerada desafia infraestrutura de bairros da capital paulista

Expansão ocorre sem que haja investimento correspondente nas redes de eletricidade e de esgoto ou planejamento contra risco de enchentes; qualidade de vida dos moradores destas regiões pode ser afetada

Quem mora ou trabalha no bairro da Pompeia, na Zona Oeste de São Paulo, já deve ter se habituado à mudança na paisagem nos últimos anos: casas e pequenos prédios comerciais foram demolidos para dar lugar a novos empreendimentos imobiliários ou a grandes terrenos cercados por tapumes aguardando o início das obras. São dezenas de prédios recém-construídos ou em construção no bairro – um dos maiores, que atravessa uma quadra inteira entre a avenida Pompeia e a rua Cotoxó, é um espigão de 37 andares e 148 apartamentos, com unidades de até 190m². 

Nas ruas do bairro, caminhões levantam poeira durante o dia (e, muitas vezes, à noite) e o ruído de serras e betoneiras é constante. Gruas se erguem por todo lado. Nas proximidades do Shopping Bourbon e do Allianz Parque, quem passa de carro ou ônibus, não importa a direção, certamente vai encontrar trânsito parado. As obras da Linha Laranja do metrô, futura estação Sesc Pompeia, também bloquearam algumas ruas, complicando ainda mais o tráfego de automóveis, e nem quem transita no miolo do bairro está livre de engarrafamentos.

Problemas semelhantes são vividos também por moradores da Vila Mariana, Perdizes, Pinheiros, Tatuapé e diversos outros bairros de São Paulo. O processo de verticalização acelerado é consequência direta do Plano Diretor de 2014, a lei que orienta o crescimento da cidade e as regras para construção de edifícios. Para adensar a cidade em regiões com infraestrutura instalada e evitar o espraiamento da mancha urbana em direção à periferia, o Plano Diretor estabeleceu os chamados Eixos de Estruturação da Transformação Urbana (EETU), regiões localizadas a até 600 metros de estações de metrô e trem ou a até 300 metros de corredores de ônibus onde é permitido um coeficiente de aproveitamento mais alto dos terrenos. Uma revisão em 2023 aumentou as faixas de influência para 700 metros e 400 metros, respectivamente.

Sem limite para a altura dos prédios

Na prática, não há limite para altura dos prédios, desde que estejam dentro do coeficiente de aproveitamento. Nas EETUs, esse coeficiente é de até 4 – ou seja, um terreno de 1.000 m² pode receber 4.000 m² de área construída –, mas esse índice pode aumentar em alguns casos, como nas Habitações de Interesse Social (HIS), voltadas para moradores de renda mais baixa. Algumas construtoras, no entanto, ergueram edifícios fraudando essa política de atração de população de menor renda, de acordo com o Ministério Público de São Paulo. Uma reportagem do UOL mostrou que apartamentos de 61m² na Vila Olímpia, em tese voltados a famílias com renda de até seis salários mínimos, estavam sendo vendidos por até R$ 1,5 milhão – mais de R$ 20 mil por metro quadrado.   

Os transtornos com o trânsito, a mudança da paisagem urbana e as discussões sobre a efetividade do Plano Diretor, entretanto, são apenas as consequências mais visíveis do boom imobiliário. Enterradas sob asfalto ou presas nos emaranhados de fios nos postes, há aquelas ameaças que nem sempre são fáceis de enxergar: o risco aumentado de enchentes, o impacto nas nascentes de água, a sobrecarga no sistema de esgotamento sanitário, as ameaças de novos apagões de energia com a demanda provocada por aparelhos de ar-condicionado e vagas eletrificadas. Tudo aquilo que fica no meio do caminho entre o interesse público e o apetite das construtoras.

Aumento de demanda de eletricidade

O adensamento habitacional e a previsão de crescimento acelerado da frota de veículos elétricos levam especialistas a alertar para um aumento da demanda de energia nestes bairros. O receio é que isso possa acontecer em ritmo maior do que a capacidade de resposta das concessionárias. “Num lugar onde havia seis casas, vai surgir um conjunto de cem apartamentos. Esse redimensionamento deve ser feito pela concessionária de acordo com as diretrizes da Aneel”, diz Pedro Luiz Côrtes, professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP. Côrtes diz que, em geral, a geração de energia e as linhas de transmissão brasileiras funcionam bem. No começo do ano, por exemplo, o sistema suportou um recorde de consumo por causa do calor. 

O problema está na distribuição dentro das cidades. Isso é agravado pela fragilidade dos serviços de manutenção de emergência: basta lembrar os apagões que dezenas de milhares de residências da capital paulista experimentaram durante vários dias no rastro de fortes chuvas que varreram a cidade.

Com o aumento da demanda de energia e a recorrência de eventos climáticos extremos, Côrtes levanta dúvidas se há investimento adequado para garantir a segurança da rede. “Diante do que aconteceu nos últimos dois anos, e da falta de capacidade de pronta resposta diante desses eventos, fica a dúvida se a manutenção da rede tem sido adequada e se a capacidade de atendimento tem sido ampliada”, diz. 

Rede de esgoto não acompanha crescimento

Outro ponto de interrogação derivado do rápido processo de verticalização diz respeito ao risco de uma sobrecarga no sistema de esgotamento sanitário. A coleta de esgoto em São Paulo hoje é de 75,2% – muito acima da média brasileira, que é de 52,2%, mas ainda abaixo do ideal, que é próximo a 100%. “Tem 25% do esgoto de São Paulo sendo jogado in natura nos rios ainda”, diz o engenheiro Gustavo Ribeiro, professor da Faculdade de Engenharia da Unesp, câmpus de Bauru.

Mesmo assim, ele diz que esse não é um número real, já que há diversos vazamentos pelo caminho. Além disso, o sistema sofre com as ligações clandestinas, de difícil fiscalização, mesmo em regiões bastante urbanizadas. “Quando você vê água voltando pela boca de lobo, tem alguma coisa errada. Ou é esgoto na água pluvial ou água pluvial no esgoto. São ligações clandestinas”, diz. Em geral, o professor explica que o dimensionamento da rede é realizado levando em conta um horizonte de 20 a 30 anos – se a obra não for executada, é revista a cada cinco anos, sempre levando em conta para onde está indo a expansão da cidade. Mesmo assim, ele observa que é muito difícil presenciar obras de troca de galeria.

Para onde vai a água

O arquiteto e urbanista Arthur Cabral, que é professor da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design (FAAC) da Unesp, câmpus de Bauru, pondera que o aumento da densidade populacional de um bairro que é dotado de boa infraestrutura, como é o caso da Pompeia, pode ser uma mudança bem-vinda, em termos de planejamento urbano. Essa ocupação, no entanto, deveria vir acompanhada de um “respeito socioambiental” pelo espaço comum. “Vemos uma forte pressão do mercado imobiliário em prol da flexibilização dos parâmetros urbanísticos”, diz

Ele aponta como um dos efeitos problemáticos da expansão imobiliária a impermeabilização do solo. Afinal, junto com o processo de verticalização, há mais área construída e impermeabilizada por terreno. “Se pensarmos que isso acontece em vários quarteirões, fica a questão: para onde irá a água? A água que cai do céu só pode ir para as galerias, que estão já bastante saturadas, ou escoarem pela superfície, o que vai acarretar em um aumento de enchentes neste cenário de mudanças climáticas”, explica.

Leia a reportagem completa no Jornal da Unesp

Autoria:

UNESP

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