Continuando nossa série de matérias sobre a franquia “Missão Impossível”, posso dizer que poucos títulos de franquia conseguem oscilar tão bem entre o absurdo e o brilhantismo como “Missão Impossível – Protocolo Fantasma”. Lançado em 2011 sob a direção de Brad Bird, esse quarto episódio da saga instala o agente Ethan Hunt – mais uma vez Tom Cruise no auge da acrobacia – no olho de um furacão onde geopolítica e ação desenfreada colidem entre explosões, gadgets duvidosos e uma sequência já antológica, com Cruise escalando o insano Burj Khalifa em Dubai apenas com luvas magnéticas que provavelmente não encontrariam serventia nem na feira da invenção do Faustão.
O roteiro, uma mistura saborosa de espionagem e corre-corre globalizado, adiciona à equação o bombardeio do Kremlin – sim, o Kremlin, porque não basta ser grande: tem que ser megalomaníaco – e a desconfiança internacional, restando à “força-tarefa” da IMF apenas a missão impossível (é claro) de provar a própria inocência e impedir que um vilão sueco desencadeie a Terceira Guerra Mundial. A trama, ainda que cheia de clichês saborosos, funciona como autorretrato irônico do nosso fascínio por teorias da conspiração e soluções tecnológicas suspeitas, antecipando paranoias que hoje até o mais reacionário dos grupos de WhatsApp leva ao delírio.
O visual do filme merece um elogio à parte: locações em Dubai, Moscou, índia e uma profusão de cenários e idiomas que transformam Ethan Hunt em cidadão do mundo (e das maracutaias). O arrojo visual de Brad Bird injeta fôlego ao já robusto mercado dos blockbusters, sem nunca perder a mão no humor involuntário da superação humana via CGI e golpes improváveis, aqueles que só Hollywood nos permite saborear sem culpa.
No plano das reflexões, “Protocolo Fantasma” opera quase como uma alegoria da era contemporânea: as instituições são desmontadas ao sabor da conveniência política, o real da espionagem vira espetáculo e a identidade, como nas máscaras de silicone do filme, é sempre maleável, falseável, descartável – tema caro a quem vive na era dos avatares digitais e do cancelamento instantâneo. Ethan Hunt já não depende de ordens superiores; agora o herói é, por definição, outsider, operando à margem da institucionalidade que ele mesmo destruiu. Eis um elogio involuntário, mas feroz, ao indivíduo autônomo diante do colapso das grandes estruturas de mediação social.
Para quem quer revisitar ou descobrir essa aventura arrasa-quarteirão, “Missão Impossível – Protocolo Fantasma” pode ser encontrado nas principais plataformas: Netflix, Disney Plus, Paramount Plus, Globoplay, Telecine, além de opções de aluguel e compra digitais.
No final, o filme diverte, impressiona e, talvez sem querer, instiga discussões surpreendentemente atuais sobre identidades, instituições e o eterno dilema entre a obediência burocrática e a rebeldia do indivíduo face ao impossível.

