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quinta-feira, 5 de junho de 2025

Integração Logística e Eficiência na Stellantis Pós-Fusão FCA-PSA

A logística ocupa um papel central na indústria automobilística moderna. A cadeia de suprimentos de um veículo típico envolve milhares de componentes provenientes de fornecedores globais, que precisam chegar no momento certo às linhas de montagem, ao mesmo tempo que os veículos acabados devem ser distribuídos globalmente aos concessionários e clientes finais. Esse processo logístico complexo representa uma parcela significativa dos custos e da eficiência operacional das montadoras. Estimativas indicam que a logística pode responder por aproximadamente 10-20% do custo total de um veículo, dependendo do modelo de negócios e da localização das fábricas e mercados[3]. A performance logística afeta indicadores-chave: atrasos podem paralisar fábricas e falhas na distribuição causam estoques excessivos ou desabastecimento no varejo automotivo.

No contexto global, observa-se que a logística automotiva, ao longo das últimas décadas, evoluiu progressivamente para se tornar uma rede intrincada, interdependente e altamente otimizada. Modelos como o just-in-time e just-in-sequence (entrega sequenciada conforme a ordem de produção) foram adotados amplamente para minimizar estoques e melhorar a eficiência. Isso tornou as montadoras fortemente dependentes de cadeias logísticas confiáveis e de alta visibilidade. Ao mesmo tempo, eventos recentes como a pandemia de COVID-19 (2020-2021) e a crise de escassez de semicondutores (2021-2022) expuseram vulnerabilidades dessas cadeias lean. Esses eventos levaram a indústria a adotar estratégias de resiliência, como diversificação de fornecedores, aumento de estoques de segurança e investimento em tecnologia para mitigar riscos.

É nesse cenário que este artigo se debruça sobre a fusão FCA-PSA, concretizada em janeiro de 2021, que originou a Stellantis, atualmente uma das maiores montadoras globais. A fusão não apenas uniu portfólios de marcas e tecnologia, mas também integrou duas vastas cadeias de suprimentos e distribuição. A gestão eficaz dessa integração logística foi apontada como fator crucial para o sucesso inicial da Stellantis.

Este trabalho tem como objetivo revisar e aprofundar, com abordagem acadêmica e dados atualizados, a discussão sobre:

  • (I) A importância da logística na indústria automotiva global;
  • (II) O papel específico da integração logística no caso Stellantis;
  • (III) As estratégias logísticas adotadas pela empresa (padronização de plataformas, sustentabilidade, digitalização, hubs logísticos, sinergias);
  • (IV) Uma análise crítica de como a logística se configura como ativo estratégico em fusões de montadoras;
Stellantis

Importância da Logística na Indústria Automobilística Global

No geral, a logística na indústria automobilística abrange todos os fluxos de materiais, informações e recursos, desde os fornecedores até o cliente final. Isso inclui, o transporte de peças, o gerenciamento de inventário, o sequenciamento da produção, a distribuição dos veículos prontos, os serviços pós-venda. Em termos globais, trata-se de uma atividade colossal: o mercado mundial de logística automotiva movimentou cerca de US$ 281 bilhões em 2023, com previsão de atingir US$ 294,7 bilhões em 2024[4]. Esses números refletem serviços de transporte (terrestre, marítimo, ferroviário), armazenagem, embalamento e gestão de cadeia de suprimentos dedicados ao setor automotivo. A região Ásia-Pacífico destaca-se pela maior fatia desse mercado, dado o alto volume de produção e exportação de veículos em países como China, Japão, Coreia do Sul e Índia[5].

Fatores que explicam a magnitude e complexidade da logística automotiva

  • Globalização da produção: montadoras estabelecem fábricas em diferentes continentes e buscam fornecedores globais para aproveitar vantagens de custo e especialização. Por exemplo, uma fabricante europeia pode obter semicondutores de Taiwan, aço da China e estofados do México, montando o veículo na América do Sul. Exigindo uma coordenação logística internacional sofisticada.
  • Variedade de modelos e personalização: ao contrário de indústrias de produção em massa homogênea, o setor automotivo lida com inúmeros modelos, versões, cores e opcionais. Isso demanda uma gestão precisa para entregar cada combinação de produto conforme o pedido do cliente (build-to-order), sem inflar estoques.
  • Pressão por custos e eficiência: a logística eficiente pode resultar uma vantagem competitiva, reduzindo o custo unitário do veículo e acelerando o time-to-market. Montadoras competem em engenharia, design e excelência logística, com fábricas integradas e distribuição ágil, reduzindo capital circulante e melhorando o serviço ao cliente.

Por outro lado, ineficiências ou interrupções logísticas têm impactos severos na indústria. Um famoso exemplo foi a crise dos semicondutores de 2020, agravada por atrasos logísticos globais, que causou a paralisação de linhas de montagem em montadoras. No auge dessa crise, estimou-se que a escassez de chips reduziu a produção automotiva global em milhões de unidades, demonstrando como gargalos na cadeia de suprimentos podem afetar diretamente a oferta e as receitas das empresas (situação sem precedentes desde as disrupções do petróleo nos anos 1970). Outro caso emblemático ocorreu após desastres naturais, como o terremoto e tsunami no Japão (2011), que interromperam fábricas de fornecedores de peças críticas – forçando montadoras em outros continentes a pararem por falta de componentes, dada a dependência de um fornecedor único. Esses exemplos realçam a importância de gerir riscos logísticos e planejar contingências.

Assim, a logística automotiva contemporânea equilibra eficiência e resiliência. Conceitos como dual sourcing (dois fornecedores para itens críticos), aumento de estoques estratégicos e uso de análises preditivas para detecção antecipada de rupturas ganharam espaço nos últimos anos. Ao mesmo tempo, permanece a busca por excelência operacional via metodologias lean, automação de armazéns, digitalização da cadeia de suprimentos (com sistemas integrados de gestão, visibilidade em tempo real de embarques, uso de IoT e big data para otimização de rotas). Este panorama global fundamenta a análise de como a Stellantis, fruto de uma mega-fusão, enfrenta desafios e usa a logística como diferencial.

Fusão FCA-PSA e a Criação da Stellantis: Contexto e Metas

A fusão entre a ítalo-americana Fiat Chrysler Automobiles (FCA) e o grupo francês PSA (Peugeot Citroën Opel) foi anunciada em 2019 e concluída em janeiro de 2021, dando origem à Stellantis, atualmente o 4º maior conglomerado automotivo do mundo em volumes. Essa união envolveu 14 marcas comerciais (incluindo Fiat, Jeep, Peugeot, Citroën, Chrysler, Opel, entre outras) e uma presença geográfica diversificada na Europa, Américas, África e Ásia. A fusão visou criar uma empresa mais forte e eficiente, capaz de competir globalmente e liderar a transição tecnológica. Para isso, foram projetadas sinergias significativas em várias áreas: desenvolvimento de produtos, compras, manufatura, logística, marketing e outras funções administrativas.

No anúncio oficial da fusão, estimou-se que as sinergias poderiam atingir cerca de €3,7 bilhões anuais, a serem capturadas progressivamente, com 80% desse valor alcançado até o quarto ano pós-fusão (2024)[6]. A divisão das sinergias esperadas ilustrava as prioridades: aproximadamente 40% viriam de economias em desenvolvimento de produto e engenharia (evitando duplicação de projetos, aproveitando plataformas comuns), outros 40% das sinergias adviriam de economias em compras (maior poder de negociação com fornecedores, consolidação de volumes de peças comuns) e os 20% restantes englobariam outras áreas como marketing, administração e logística[7]. Ou seja, ainda que a logística não fosse isoladamente o maior componente, ela estava intrinsecamente ligada aos ganhos em compras e produção – por exemplo, a padronização de componentes e plataformas reduz complexidade logística, e a unificação de fornecedores e maior escala permitem otimizar fretes e estoques.

Importante destacar que a Stellantis estipulou inicialmente uma meta de sinergias de €5 bilhões anuais até 2024, revisando para cima as expectativas iniciais conforme as análises avançaram[8]. Surpreendentemente, já em 2022 a empresa anunciou ter superado essa meta com €7,1 bilhões em sinergias capturadas[9], dois anos antes do previsto. Esse resultado impressionante – cerca de 42% acima da meta original – demonstra a eficácia da integração entre FCA e PSA. Parte substancial desse excedente deveu-se a economias obtidas em manufatura e otimização da rede logística, segundo executivos da companhia[10]. A Stellantis racionalizou a produção, consolidou plataformas de veículos e integrou as cadeias de suprimento, superando as expectativas de redução de custos operacionais.

A logística, nesse contexto, revelou-se não apenas uma área de suporte, mas um elemento estratégico para viabilizar as sinergias. A fusão exigiu integrar sistemas de planejamento, equipes de logística e revisar fornecedores, armazéns e rotas de distribuição das duas empresas. Houve aproveitamento de instalações compartilhadas e eliminação de redundâncias – por exemplo, onde FCA e PSA antes mantinham cada uma um centro de distribuição regional próximo, a Stellantis pôde consolidar em um único centro maior, ganhando economia de escala. Adicionalmente, a unificação permitiu melhores negociações logísticas: volumes combinados maiores ao contratar transportadoras e fretes marítimos geram descontos e condições mais vantajosas. Em resumo, a Stellantis considerou a logística, desde o primeiro momento, como um pilar da integração pós-fusão, devido ao seu impacto financeiro e operacional.

Integração Logística na Stellantis: Estratégias e Iniciativas

Após a fusão, a Stellantis empreendeu uma série de estratégias para integrar e otimizar sua logística global. Nesta seção, discutiremos as principais iniciativas, divididas em subtemas: padronização de plataformas e impacto logístico; digitalização e eficiência; centros logísticos e malha de distribuição; sustentabilidade na cadeia de suprimentos; e sinergias e resultados alcançados.

  • Padronização de plataformas e impacto logístico: Uma das decisões estratégicas centrais da Stellantis foi a padronização de plataformas veiculares. Antes da fusão, FCA e PSA trabalhavam com diversas plataformas distintas para carros compactos, médios, utilitários, etc. A Stellantis anunciou a convergência para quatro plataformas modulares principais – STLA Small, STLA Medium, STLA Large e STLA Frame – que serviriam de base para maioria dos modelos das marcas do grupo[11]. Essa padronização tem efeitos diretos na logística: com plataformas comuns, é possível unificar componentes e processos de produção, reduzindo a complexidade da cadeia de suprimentos. Peças padronizadas podem ser compradas em maior volume e distribuídas conforme a demanda dos modelos, simplificando o estoque e o transporte nas fábricas.

A Stellantis indicou que suas plataformas compartilhadas seriam projetadas para permitir até 2 milhões de unidades por ano em cada plataforma[12], o que sugere altíssimo volume de produção a partir de um mesmo conjunto de peças base – gerando enorme economia de escala. Para a logística, isso significa rotas mais consolidadas (maiores lotes por envio) e menos variantes de peças a gerenciar. A padronização facilita a flexibilidade fabril, permitindo produzir múltiplos modelos em uma planta e remanejar produção conforme a demanda, reduzindo custos de estoque e transferência.

  • Digitalização e eficiência logística: A Stellantis, assim como outras líderes do setor, investiu significativamente na digitalização da cadeia de suprimentos. Isso inclui a adoção de sistemas avançados de planejamento de demanda e suprimentos (APS – Advanced Planning Systems), uso de torres de controle (control towers) logísticas e ferramentas de visibilidade em tempo real de cargas e inventário. Com a fusão, tornou-se essencial ter informações integradas sobre níveis de estoque e rastreamento de materiais críticos em fábricas, centros de distribuição e trânsito. A digitalização permite que a Stellantis identifique rapidamente gargalos ou atrasos e tome ações proativas (por exemplo, redirecionar um embarque ou acionar um segundo fornecedor). Além disso, tecnologias como IoT (Internet das Coisas) são empregadas para monitorar contêineres, caminhões e até embalagens retornáveis, fornecendo dados sobre localização, temperatura ou vibração – importantes para garantir a qualidade de componentes sensíveis durante o transporte.

A analítica de dados e machine learning também passaram a apoiar decisões, seja otimizando roteirização de entregas (minimizando distância e custo de frete) ou ajustando automaticamente níveis de estoque de segurança com base em variabilidade de demanda e lead times. Com a fusão, a harmonização dos diferentes sistemas legados de FCA e PSA foi um desafio inicial; mas a empresa sinalizou a migração para plataformas unificadas de TI logístico, tirando proveito do melhor de cada antiga organização. A integração digital foi crucial para capturar sinergias, permitindo racionalizar recursos e evitar desperdícios, como pedidos duplicados e excesso de estoque devido à falta de visibilidade.

Um exemplo concreto de iniciativa digital é a implantação de um sistema global de gestão de transporte (TMS – Transportation Management System) único para toda a Stellantis. Isso permite consolidar o planejamento de cargas, escolhendo os modais ótimos (rodoviário, ferroviário, marítimo) e melhorando a taxa de ocupação dos veículos de transporte. Também houve foco em EDI e portais com fornecedores para sincronizar planos de produção com entregas de matéria-prima e componentes em tempo real, reduzindo esperas na fábrica. Em síntese, a digitalização tornou a logística da Stellantis mais ágil, transparente e responsiva, qualidades essenciais diante de cadeias globais sujeitas a intempéries.

  • Centros logísticos e malha de distribuição integrada: Com a fusão, a Stellantis herdou duas redes paralelas de distribuição de peças e veículos. Uma tarefa importante foi racionalizar essa malha logística. A empresa avaliou sobreposições geográficas e de função: em alguns países ou regiões, FCA e PSA tinham cada qual seus depósitos de peças de reposição e centros de distribuição de veículos. Sempre que possível, a Stellantis passou a consolidar essas operações. Por exemplo, na América do Sul (onde a fusão uniu operações robustas da Fiat/Jeep com as da Peugeot/Citroën), pode-se supor que armazéns regionais e frotas de distribuição tenham sido unificados para atender todas as marcas do grupo, diminuindo custos redundantes.

No Brasil, principal mercado sul-americano, a Stellantis rapidamente assumiu a liderança de mercado, atingindo cerca de 35% de participação de vendas no início de 2022[13], reflexo da soma dos portfólios Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën. Essa liderança também é sustentada por ganhos logísticos: com mais fábricas locais (Betim, Goiana, Porto Real) e um portfólio unificado, a empresa consegue otimizar transferências entre plantas e distribuir veículos de diferentes marcas juntos, preenchendo melhor os caminhões-cegonha e reduzindo custos por unidade.

Além de integração, a Stellantis investiu em infraestrutura logística estratégica. Um marco recente foi a decisão de internalizar mais o controle sobre a logística outbound (distribuição de veículos prontos). Em 2024, a Stellantis adquiriu 60% de participação na empresa francesa 2L Logistics por €55 milhões[14]. Com esse movimento, a montadora busca maior controle sobre a entrega de veículos aos mercados, garantindo capacidade e performance mesmo em períodos voláteis. Ao deter participação direta em operadores logísticos (ou desenvolver seus próprios centros), a Stellantis pode alinhar melhor a logística com suas prioridades (por exemplo, assegurar transporte suficiente para escoar picos de produção ou melhorar serviços de entrega ao cliente).

Adicionalmente, a empresa vem estruturando centros logísticos multimarca: grandes hubs nos quais veículos de diferentes fábricas são consolidados para exportação ou distribuição doméstica, e centros de peças que atendem todas as marcas com inventário compartilhado, aproveitando sinergias de aftermarket. Essa abordagem reduz a duplicação que existia quando FCA e PSA atuavam separadamente.

  • Sustentabilidade na cadeia de suprimentos: Outro pilar das estratégias logísticas da Stellantis pós-fusão é a ênfase em sustentabilidade e redução da pegada de carbono. A logística tradicionalmente contribui significativamente para emissões (ex: transporte rodoviário de longa distância, navios porta-carros movidos a óleo combustível, etc.). Com ambiciosas metas ambientais anunciadas no plano Dare Forward 2030, incluindo atingir carbono neutro até 2038 (em emissões líquidas de suas operações)[15], a Stellantis vem implementando iniciativas verdes na logística. Entre elas, destaca-se o aumento do uso de modais menos poluentes, como transporte ferroviário e marítimo de baixo enxofre, em substituição parcial ao rodoviário onde viável.

A Stellantis também exige de seus operadores logísticos parceiros o cumprimento de padrões ambientais, incluindo otimização de rotas (para evitar viagens vazias), treinamento de motoristas em direção econômica e compensação/neutralização de carbono em algumas rotas críticas. Um exemplo concreto no pilar sustentabilidade é a ampliação de embalagens retornáveis e reutilizáveis no transporte de peças entre fornecedores e fábricas. Em vez de caixas de papelão descartáveis, a Stellantis adota contêineres retornáveis padronizados, reduzindo lixo e custo. A otimização da logística reversa garante que carretas retornem carregadas, evitando viagens sem carga, transportando pallets vazios, componentes ou veículos de retorno. Essas práticas, além do benefício ambiental, trazem redução de custo operacional – mostrando a sinergia possível entre logística verde e eficiência econômica.

Na Europa, por exemplo, a empresa vem ampliando o envio de veículos novos por trem, diminuindo o número de caminhões nas estradas e, consequentemente, as emissões de CO₂. Além disso, em suas operações internas, há esforços contínuos para eletrificar frotas de logística, como o uso de empilhadeiras elétricas em armazéns, veículos de suporte elétricos nas fábricas e o estudo de caminhões elétricos ou movidos a biogás para entregas urbanas.

  • Sinergias e resultados alcançados pós-fusão: Passados alguns anos da fusão, os resultados das estratégias logísticas da Stellantis começam a se refletir nos indicadores da empresa. Conforme mencionado, as sinergias totais atingiram patamar superior a €7 bilhões já em 2022[16], e continuaram a crescer em 2023, contribuindo para margens robustas. Grande parte dessas economias tiveram origem na racionalização industrial e logística. Ao unificar compras e fornecedores, a Stellantis reduziu o custo unitário de materiais e também pôde otimizar o fluxo físico desses itens – combinando volumes para transporte e eliminando rotas redundantes. Estimativas indicam que só a integração logística e manufatura pode ter respondido por aproximadamente 20% das sinergias totais, o que implicaria algo em torno de €1,4 bilhão anuais em economias, considerando o valor de 2022[17].

O montante apresentado pode advir de múltiplas fontes, como, por exemplo, a consolidação de armazéns, resultando em economia em imóveis, mão de obra e utilidades. Além disso, negociações logísticas aprimoradas, como fretes mais baratos por maior volume contratado, e a redução de estoques redundantes entre as duas antigas empresas, também contribuem para esses ganhos. Por fim, há uma melhora geral na eficiência de transporte e distribuição, o que potencializa ainda mais os resultados.

Operacionalmente, a Stellantis conseguiu melhorar certos indicadores-chave de performance logística. Por exemplo, o tempo médio de entrega de um veículo ao cliente (desde a produção até a concessionária) foi reduzido em algumas regiões graças à rede integrada – dados internos sugerem melhoria de dois a três dias em prazos médios de entrega na Europa após a consolidação dos centros logísticos, segundo divulgou a empresa em eventos do setor (informação mencionada em apresentações, embora não publicada oficialmente). Na área de peças de reposição, que é crítica para atendimento ao cliente e geração de receita pós-venda, a Stellantis consolidou catálogos e estoques entre FCA e PSA, aumentando a disponibilidade de peças e reduzindo a necessidade de pedidos internacionais onerosos. Com isso, a taxa de atendimento (entrega da peça correta no primeiro pedido) elevou-se, melhorando a satisfação dos consumidores e concessionários.

Importante notar que, embora tenha havido ganhos, nem tudo foram benefícios imediatos: o processo de integração logística enfrentou desafios, como a necessidade de harmonizar contratos pré-existentes. Por exemplo, alguns fornecedores logísticos e transportadoras, que possuíam contratos exclusivos com FCA ou PSA, precisaram renegociar escopo e preços para atender ao grupo unificado. Além disso, houve investimentos significativos para aprimorar sistemas de TI e realizar treinamentos nas equipes para adaptação à nova forma de operação integrada. Contudo, a direção da Stellantis considera que esses investimentos pagaram-se rapidamente via as economias geradas.

A empresa inclusive promoveu em 2023 uma reestruturação organizacional, trazendo a função de logística e cadeia de suprimentos para perto da manufatura na estrutura hierárquica – um sinal de que logística passou a ser vista como extensão natural do processo produtivo, e não meramente uma função de compras ou suporte[18]. Tal mudança cultural é essencial para manter os ganhos de sinergia no longo prazo.

Logística: Fator Estratégico em Fusões Automotivas Globais

A experiência da Stellantis oferece lições valiosas sobre o papel estratégico da logística em fusões e aquisições de grande porte no setor automotivo. Historicamente, fusões de montadoras focavam em complementação de portfólios de produtos e ganho de escala produtiva, mas subestimavam por vezes a complexidade de integrar cadeias de suprimentos. No caso da Stellantis, a gestão proativa da logística revelou-se um fator crítico de sucesso. A seguir, destacam-se aspectos críticos dessa integração e reflexões aplicáveis a outras situações:

  • Sinergias Reais vs. Teóricas: É comum que, em anúncios de fusão, divulguem-se cifras de sinergias esperadas. Contudo, atingir esses números requer execução disciplinada, especialmente na logística. A Stellantis mostrou que sinergias logísticas são tangíveis, mas demandam investimento inicial e mudanças estruturais (como consolidação de centros e sistemas). Atingir €7,1 bi/ano antes do prazo[19] indica que a empresa conseguiu ir além das sinergias “fáceis” (ex.: descontos por volume) e implementar sinergias estruturais (redesenho de rede logística). Em outras fusões, caso a logística fique em segundo plano, corre-se o risco de deixar dinheiro na mesa – ou pior, ver custos aumentarem devido à ineficiência de redes duplicadas.
  • Risco de Disrupção durante Integração: Integrar duas cadeias logísticas grandes é desafiador e envolve riscos de curto prazo. Problemas de TI, falhas na comunicação ou dificuldades em alinhar políticas podem causar transtornos, como entregas perdidas ou linhas paradas, durante a transição. A mitigação vista na Stellantis foi planejamento antecipado e transição faseada: antes mesmo da fusão se concretizar, grupos de trabalho mapearam a rede FCA e PSA e elaboraram planos de integração progressivos, implementados nos primeiros 12-24 meses da nova companhia. Ainda assim, críticos apontam que alguns fornecedores menores sofreram com o aumento de escala e complexidade, exigindo suporte extra. Isso evidencia que, estrategicamente, fusões precisam contemplar suporte à cadeia de fornecimento durante a transição, para evitar rupturas que anulem ganhos.
  • Logística como Vantagem Competitiva Pós-Fusão: Uma vez integrada, a logística pode se tornar fonte de vantagem competitiva sustentável. No caso da Stellantis, sua cadeia logística ampliada e otimizada lhe confere maior robustez contra choques. Por exemplo, se ocorrer outra crise de componentes, a Stellantis tem múltiplas fontes e canais logísticos estabelecidos para redirecionar suprimentos entre regiões. Do ponto de vista comercial, a agilidade logística permite responder mais rápido a mudanças de demanda – seja lançando um novo carro simultaneamente em vários continentes ou remanejando estoques para onde há maior procura. Quando negligenciam a logística em fusões, as empresas combinadas perdem flexibilidade e deixam de aproveitar plenamente a escala global. Portanto, o caso Stellantis sublinha que logística e suprimentos devem estar no centro da estratégia de fusão, e não relegados a etapas posteriores.
  • Sustentabilidade e Reputação: Cada vez mais, a forma como uma empresa gerencia sua logística também impacta sua reputação e conformidade regulatória (pense em metas de emissão de CO₂, compliance trabalhista em transportes, etc.). Empresas fusionadas de grande porte, como a Stellantis, enfrentam maior escrutínio de stakeholders sobre práticas sustentáveis. Integrar cadeias fornece a oportunidade de estabelecer padrões elevados em toda a nova companhia – por exemplo, adotando as melhores práticas ambientais de cada legatário. A Stellantis capitalizou nisso ao impulsionar metas de carbono neutro e exigir desempenho sustentável de fornecedores logísticos. Falhar nessa dimensão poderia acarretar penalidades (como impostos de carbono, restrições legais) e danos reputacionais. Portanto, logística sustentável deixou de ser opcional e tornou-se parte da estratégia corporativa de longo prazo, especialmente em fusões globais onde o alcance das operações cresce exponencialmente.

Em suma, a logística automotiva emergiu da função tradicional de “apoio” para uma função estratégica de primeira linha. Em fusões globais, ela pode determinar se a nova entidade atingirá sinergia e terá resiliência para prosperar em um ambiente competitivo e incerto. A Stellantis, em seu curto histórico, evidenciou esse ponto ao integrar eficientemente as redes FCA-PSA e colher frutos rapidamente. No entanto, ainda enfrentará desafios, como continuar otimizando a rede diante de mudanças tecnológicas, como novos fornecedores de baterias elétricas que exigem ajustes logísticos, e geopolíticas. O legado inicial indica que fusões bem-sucedidas no setor automotivo dependem da excelência em logística e gestão da cadeia de suprimentos.

Conclusão

A partir da revisão realizada, fica claro que a logística desempenha um papel crucial na competitividade e sustentabilidade da indústria automobilística contemporânea. A logística eficiente permite que montadoras gerenciem redes complexas, atendam mercados distantes e se adaptem rapidamente a variações de demanda ou rupturas de suprimentos. Além de ser um mercado multimilionário e impactar custos de produção, a logística tornou-se um diferencial estratégico, incorporando tecnologias digitais e práticas sustentáveis.

No caso específico da Stellantis, a integração logística pós-fusão FCA-PSA revelou-se fundamental para o sucesso inicial do conglomerado. As estratégias de padronização de plataformas, consolidação de fornecedores, digitalização de processos logísticos e investimento em centros de distribuição e modais eficientes permitiram capturar sinergias expressivas, ultrapassando metas antecipadamente[20]. Em poucos anos, a Stellantis integrou duas cadeias de suprimentos antes independentes, obtendo economias de escala e incorporando as melhores práticas de cada predecessora. Além disso, a empresa comprometeu-se a direcionar sua logística para a sustentabilidade e inovação digital, elementos-chave para o futuro do setor automotivo, especialmente na transição para veículos elétricos e serviços de mobilidade.

Uma contribuição importante deste artigo é a discussão crítica sobre fusões e logística. Nesse contexto, verifica-se que a consideração da logística como eixo estratégico, desde os estágios iniciais de um processo de fusão no setor automobilístico, revela-se imprescindível para que a empresa resultante possa atingir, de forma eficaz, suas metas financeiras e operacionais. No cenário atual, marcado por incertezas e alta interdependência global, ignorar a complexidade da integração logística pode comprometer seriamente o valor das fusões ou aquisições. Por outro lado, quando conduzida de maneira eficaz, a integração da cadeia de suprimentos pode, além de mitigar riscos, proporcionar vantagens competitivas sustentáveis. Esse potencial é, de fato, evidenciado de forma clara no caso da Stellantis.

Conclui-se, portanto, que o papel estratégico da logística automotiva tende a se acentuar, seja em empresas que crescem organicamente seja naquelas resultantes de consolidações. A indústria automobilística avança para um futuro em que logística flexível, ágil e sustentável será tão vital quanto engenharia e design. Pesquisas futuras poderiam aprofundar a quantificação de ganhos logísticos em outras fusões no setor, bem como analisar como a digitalização (incluindo inteligência artificial e blockchain) continuará revolucionando a gestão logística automotiva. Em resumo, a logística integrada é essencial para o sucesso de montadoras globais e, em fusões, pode ser o fator decisivo entre uma simples soma de empresas e uma organização sinérgica.


Bibliografia

[1] fortunebusinessinsights.com

[2] media.stellantis.com

[3] nocache.media.stellantis.com

[4] fortunebusinessinsights.com

[5] fortunebusinessinsights.com

[6] nocache.media.stellantis.com

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[8] reuters.com

[9] media.stellantis.com

[10] media.stellantis.com

[11] insideevs.com

[12] insideevs.com

[13] istoedinheiro.com.br

[14] in.marketscreener.com

[15] media.stellantis.com

[16] media.stellantis.com

[17] nocache.media.stellantis.com

[18] reuters.com

[19] media.stellantis.com

[20] media.stellantis.com

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