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segunda-feira, 22 de abril de 2024

A suavidade e a generosidade do amor desmedido

Quando o amor está presente, não há necessidade de exageros ou artifícios argumentativos mirabolantes. Essa talvez seja a premissa adotada por Ira Sachs no sublime “O Amor É Estranho”, um dos raros filmes do género gay que, graças à sua sutileza e transparência, não cai na armadilha do melodrama barato ou do romance superficial, limitado apenas ao sexo casual e a rupturas violentas.

Não é coincidência que, ao contrário de muitos filmes gays que nos apresentam a casais que se encontram por acaso e se envolvem em relações meramente físicas ou extraconjugais, esta história comece com um casamento – o casamento dos protagonistas, George (Alfred Molina), professor de música, e Ben (John Lithgow), um artista.

São um casal gay de longa data que, após quase 30 anos juntos, sentiram a necessidade de oficializar seu amor não apenas para si mesmos, mas também para aqueles que os amam. Dou um merecido 10 pela ternura, sinceridade e intimidade emocional que Molina e Lithgow transmitem em cena; a química entre eles é tão autêntica que parece que são realmente um casal casado há anos. Tudo isso é capturado com delicadeza pelas lentes e pela narrativa perspicaz de Sachs.

Entretanto, a vida não é feita apenas de momentos felizes. Em um piscar de olhos, eles se veem obrigados a viver separados por questões financeiras, quando George é cruelmente demitido de seu cargo de professor após a revelação de seu casamento com uma pessoa do mesmo sexo, espalhando-se pelo ambiente conservador da escola católica onde trabalhava. O irônico é que as pessoas sabiam há anos que George estava em um relacionamento com outro homem, mas a notícia chegou ao Bispo da Arquidiocese depois que ele viu uma foto no Facebook.

A demissão de George marca um ponto de virada crucial para o casal. Diante da nova realidade financeira, Ben e George se veem obrigados a tomar medidas drásticas. A principal delas é a realização de uma reunião familiar de emergência. A situação é clara: o casal precisa encontrar um novo lar, pois a pensão de Ben e os rendimentos das aulas particulares de piano de George não serão suficientes para arcar com o aluguel do apartamento. A única solução viável, por mais dolorosa que seja, é colocar o imóvel à venda.

Ao fim da tensa reunião familiar, a incerteza paira no ar. A questão que aflige a todos é: onde Ben e George vão morar? A locomoção se torna um obstáculo adicional, já que ambos não dirigem mais. Mindy, se propõe a acolher o casal, mas outros membros da família apresentam suas próprias sugestões, cada qual com suas vantagens e desvantagens.

Essa separação traz consigo seus próprios dilemas, especialmente quando a saúde de Ben começa a se deteriorar.

Após a reunião familiar e a discussão sobre a nova realidade de Ben e George, a cena se desloca para a casa de Kate e Elliot, sobrinho de Ben. Lá, somos apresentados ao filho do casal, o problemático Joey. A casa, embora bonita, revela um clima de tensão entre os pais, ambos absortos em seus projetos individuais e com dificuldades de comunicação. Para completar o cenário, Joey e seu amigo Vlad enfrentam um desafio inesperado: estudar em casa com o tio Ben instalado em um dos beliches do quarto de Joey.

Em outra parte da cidade, George se depara com dois policiais: seu sobrinho Roberto e sua parceira Ted. Roberto e Ted vivem a vida em ritmo acelerado, enquanto George prefere manter as coisas no ritmo lento. Ao falar com Ben ao telefone, ambos concordam que quando se vive com outras pessoas, tende-se a aprender mais sobre elas do que gostaria.

O desafio para ambos é se adaptar à nova realidade e ao ambiente em que estão inseridos. Essa talvez seja a força motriz do filme: Roberto, com sua vida agitada, chacoalha a rotina metódica e controlada de George. Já Kate, Elliot e Joey, com suas vidas ilhadas, tensas e sem comunicação, surgem para balançar e desafiar o estado de contração de Ben. Mas, como diz o ditado, “há males que vêm para o bem”.

Assim sendo, a vida por vezes nos golpeia com toda sua força. Por quê? Essa é uma pergunta que poderia ter consumido Ben e George, mas que, no fundo, não os levaria a lugar algum. Em vez de buscar respostas vazias, eles optaram por se concentrar em como reagir a essa nova realidade. Não se entregaram à tristeza e ao desânimo; escolheram erguer-se e fortalecer-se.

Certamente, quando nos encontramos no olho do furacão, é natural pensar que não há luz no fim do túnel. Contudo, com persistência, dedicação e um toque de fé, outras oportunidades começam a se apresentar. Pensemos por um momento: quantos obstáculos já encontramos ao longo da vida? Quantas adversidades surgiram em nosso caminho? É praticamente certo que todas essas barreiras foram superadas, de uma forma ou de outra.

Minha conexão com o filme foi profunda, talvez por isso. A história é fácil de acompanhar e os personagens são divertidos de assistir. Além disso, o filme aborda temas importantes como a privacidade e a adaptação às mudanças.

Um dos pontos fortes do filme é o destaque para a importância dos laços afetivos. Ele nos mostra como nos esforçamos para manter esses laços quando estamos separados e como a falta de vínculos com outras pessoas pode nos levar à infelicidade.

Nesse contexto, a família surge como um elemento central do filme, com parentes se unindo para apoiar um dos seus. Apesar dos possíveis inconvenientes, eles não hesitam, pois o bem-estar de Ben e George está em jogo. Estão dispostos a intervir e oferecer ajuda, custe o que custar, demonstrando um comprometimento inabalável.

Embora algumas pessoas sejam tão egocêntricas e absorvidas em suas próprias vidas a ponto de ignorar o cuidado com seus parentes idosos, os amigos e familiares retratados no filme parecem autênticos, demonstrando um apoio genuíno. Isso é reforçado pelo fato deles considerarem o amor duradouro de Ben e George como um exemplo a ser seguido.

Além disso, mais uma vez, todo esse mérito é atribuído a Alfred Molina e John Lithgow, que estão simplesmente magníficos. Eles verdadeiramente personificam um casal que compartilha anos de história, e isso transparece em suas atuações. Seja nos olhares ternos que trocam, no conforto mútuo após longos períodos de separação, ou mesmo nas discussões por causa de bebidas, é completamente crível que esses dois tenham mantido um casamento ao longo dos anos. Não há nada em suas interpretações que pareça exagerado ou artificial.

Para alguns, o ritmo do filme pode parecer mais lento e apático. Ao contrário de outros filmes do género, como “Me Chame Pelo Teu Nome” ou “O Segredo de Brokeback Mountain”, ele não baseia-se em incidentes dramáticos, confrontos acalorados, beijos apaixonados na chuva ou em uma banda sonora marcante para intensificar as emoções.

Apesar disso, é um filme genuinamente caloroso e sincero que ilustra como duas pessoas conseguem manter a felicidade e o amor um pelo outro, mesmo diante das adversidades da vida.

É uma produção que coloca as pessoas em primeiro lugar. Não há mensagens complicadas, discussões sobre religião ou casamento gay, e nenhum drama forçado em excesso. Ele aborda o casamento com respeito, não o tratando como um mero acessório.

À vista disso, a simplicidade e a naturalidade com que a história se desenvolve são, sem dúvida, suas maiores qualidades. As atuações autênticas de Molina e Lithgow, somadas à realização discreta de Sachs, nos aproximam dos sentimentos dos personagens e nos permitem presenciar a beleza de seu amor sem qualquer exagero.

Enfim, simplesmente permita-se envolver e deixe que o amor seja o guia. Se você quiser apreciar esse amor encantador, o filme está disponível no YouTube (assista aqui)

Vanderlei Tenório Pereira
Vanderlei Tenório
Vanderlei Tenório é jornalista, professor de atualidades no cursinho popular Emancipa, colunista, correspondente freelance de veículos portugueses (Cinema Sétima Arte e Central Comics) e foi bacharelando em Geografia (IGDEMA/UFAL).

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