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domingo, 21 de abril de 2024

À sombra do vício

Em meio à uma festa de São João realizada por uma paróquia qualquer no meio da rua, Olívia catava as latinhas que as pessoas jogavam na rua.

Moradora de rua e adicta, Olívia no auge dos seus trinta e cinco anos, com aparência de setenta, tinha uma bagagem muito pesada nas costas. Sua vida era regada aos desafios diários de tentar sobreviver a cada dia em prol de seus cinco filhos pequenos que deixara com a irmã enquanto ia em busca de alimentos na rua.

Olhando para cada uma das pessoas muito bem agasalhadas que se serviam das guloseimas daquela festança, Olívia desejava um prato de arroz com feijão, uma vez que a única refeição que fizera foi o café preto que tomara às cinco da manhã quando saíra de sua barraca.

Cansada do dia exaustivo, ela só pensava em como prosperar e ter uma vida digna, mas, internamente ela sabia que não fazia por onde ter uma vida melhor, pois era dominada pelas drogas. Mas, naquela noite, agradeceu por ter conseguido os vinte reais no decorrer daquele dia. Já dava para comprar algum alimento para sobreviver a mais um dia de cão.

Sentada no meio fio, observava atentamente cada pessoa que esboçava jogar latinha de cerveja no lixo e, quando isso acontecia, corria para ser a primeira a apanhar e vibrava com cada recipiente daquele que ajudaria nas despesas da barraca onde morava.

Já passava das duas e meia da manhã quando o organizador da festa junina informou que a festa se encerraria em cinco minutos. Olívia vibrou, pois era o momento em que ela mais esperava, uma vez que todos iriam para suas casas deixando seus lixos que era um verdadeiro tesouro para ela e que garantiria mais um dia de sobrevivência.

Foi para um canto escondido da rua e acendeu a pedra que levava consigo e ficou observando um a um indo embora, deixando atrás de si as tão esperadas latinhas de refrigerantes, sucos e cervejas. Ao ver aquela cena, mais que depressa, largou a droga que estava usando e como uma sombra daquelas pessoas, ficou catando tudo o que via pela frente e colocando em seu saco de lixo para que no dia seguinte pudesse trocar e receber um trocado por aquele serviço que aos olhos de muitos era indigno.

Enquanto catava as últimas latinhas jogadas no chão, Olívia ouviu alguém assobiando e quando olhou para trás, se certificou que era para ela aquele assobio. Correu em direção ao carro ligado onde tinha um casal muito bem vestidos e ao chegar até eles, cumprimentou-os e, amedrontada, pensou que fosse levar alguma bronca ou algo do gênero pensando que eles pudessem tê-la visto fumando sua droga ali naquele ambiente, mesmo que fosse na rua, pois isso era o que acontecia todos os dias. Mas, para a sua surpresa, o homem desceu do carro e a cumprimentou, sacando do seu bolso duzentos reais e entregando a ela e dizendo que naquele momento era o que tinha para ajudá-la.

Olívia, petrificada, não conseguiu esboçar qualquer tipo de reação, uma vez que aquele dinheiro daria para sustentar seus filhos durante alguns dias. Ainda sob o efeito daquela droga, olhou para o casal, agradeceu e virou-se para ir embora.

Lembrou-se que seus filhos pequenos a esperavam em sua barraca, mas o vício falou mais alto. Saiu da festa e foi direto para a primeira boca que conhecia e lá deixou os duzentos reais e toda a sua dignidade também. Esqueceu completamente de quem era e acordou no dia seguinte com gosto amargo na boca e na alma.

Ao se dar conta de que não havia chegado em casa na noite anterior, chorou copiosamente e se bateu por ser uma mulher fraca diante das drogas e olhando ao seu redor viu que não estava sozinha. Aproximou-se de um usuário qualquer e deu a última tragada e não voltou mais a respirar.

Patricia Lopes dos Santos
Patricia Lopes dos Santoshttp://www.escritorapatricialopes.com
Trabalho num Conselho de Fiscalização Profissional há mais de 30 anos, sou Autora do livro "Memórias de uma depressiva", mãe de Sofia, Duda e Átila e me aventuro na escrita, onde me encontro totalmente.

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