Introdução
A interseção entre biotecnologia e ética tem sido palco de debates acirrados
nas últimas décadas, especialmente com os avanços em técnicas de reprodução
assistida e genética. A gestação, quando aliada aos métodos de análise genética,
permite uma avaliação detalhada do embrião ainda em estágios iniciais. Isso gera
questionamentos complexos e profundos acerca da valorização da vida, do direito
de escolha e das possíveis consequências sociais dessas decisões.
Ao considerarmos essa interface tecnológica, nos vemos diante de dilemas
que desafiam nossas concepções mais fundamentais sobre moralidade, direitos
humanos e a própria essência do que consideramos ser humano. Neste contexto,
este artigo se propõe a explorar as implicações éticas resultantes da convergência
entre a engenharia genética, a prática do aborto e o ressurgimento do conceito de
eugenia em uma sociedade moderna e tecnologicamente avançada.
A Engenharia Genética, o Aborto e a Reemergência da Eugenia: Implicações
Éticas na Era Moderna
Nas sombras dos debates sociais sensíveis e das tecnologias avançadas que
cercam a reprodução humana, um espectro do passado retorna: a eugenia.
Enquanto muitos de nós acredita que o seu ressurgimento seja impensável, o
nascimento de movimentos sociais e alterações aparentemente simbólicas na
legislação, vem mostrando que o Darwinismo social aos poucos ganha novamente
espaço na sociedade, mas recebe uma nova roupagem, a chamada “engenharia
genética”.
A temida, eugenia, termo criado em 1883, por Francis Galton, busca a
seleção artificial de seres humanos, defende que determinas características devem
prevalecer na sociedade, fazendo daqueles que as possuem, membros de uma raça
superior, a própria etimologia da palavra deixa claro a ideia da pseudociência,
eugenia deriva do grego e significa “bom em sua origem ou bem nascido”. Galton, a
define como “o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou
empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente”.
A eugenia esteve viva em inúmeros grupos durante a história da humanidade,
dos Gregos aos nossos nativos brasileiros a prática de eliminar os nascidos com
defeitos físicos era comum. O filosofo grego, Platão, abordou ideias eugenistas em
sua obra “A República”, o discípulo de Sócrates, defende a regulação do casamento
pelo Estado, assim estaria assegurado que as qualidades superiores seriam
perpetuadas nas próximas gerações, devendo os indivíduos indesejados serem
proibidos ou desencorajados ao casamento, muito próximo da eugenia positiva,
popularizada no século XX na Inglaterra.
Ao contrário do que a maioria de nós acredita, a eugenia negativa, que tem
como por objetivo a eliminação da vida, não foi aplicada pela primeira vez na
Alemanha, no regime Nazista, foi nos braços do Tio Sam, que a mais agressiva
forma de seleção artificial de seres humanos encontrou afago, entretanto, vale
ressaltar as palavra de Edwin Black no livro A guerra contra os fracos “os EUA
estavam prontos para a eugenia antes que a eugenia estivesse pronta para os EUA”
O grupo americano protestante, dominante naquela época, inconformado com o
aumento dos números de imigrantes, encontraram na pseudociência eugênica a
solução para os problemas enfrentados.
No Brasil, não foram apenas os nativos brasileiros que encontravam na
seleção artificial o aperfeiçoamento da espécie humana, em 1918 no estado de São
Paulo, Renato Kehl, médico brasileiro, fundou com o auxílio de outros médicos, a
Sociedade Eugênica de São Paulo, engana-se quem acredita que a sociedade era
formada apenas por médicos, um de seus membros era o escritor Monteiro Lobato,
eternizado por sua famigerada obra “sítio do pica pau amarelo”, difícil de acreditar
que uma obra tão icónica e importante para o nosso país tenha saído da mente do
mesmo homem que escreveu “O Choque das Raças ou Presidente Negro” obra
rejeitada pelas editoras americanas por considerarem o livro muito ofensivo para os
leitores negros.
Diferente do que acontecia na Europa e nos Estados Unidos, que comumente
defendia ações drásticas como a esterilização ou mesmo eutanásia nos indivíduos
que não possuíam mérito para viver, no Brasil o movimento eugenista tinha como
objetivo o branqueamento da nação, buscando incentivar à imigração europeia
alimentando a ideia de que a mestiçagem, ao longo das gerações, levaria a uma
população mais branca e, portanto, “mais apta”.
Ao longo do tempo, as teorias raciais, começaram a ser questionadas e
desacreditadas. Este cenário foi agravado pelas chocantes práticas eugenistas
associadas ao regime nazista durante a Segunda Guerra Mundial, que
demonstraram os extremos perigos e descortinaram os objetivos e ações
desumanas de tal ideologia. Paralelamente, o surgimento do neoconstitucionalismo,
um movimento jurídico que buscou realinhar o campo do direito com os princípios
éticos e filosóficos, proporcionou uma reavaliação profunda das normas e suas
interpretações. Essas transformações, combinadas, aceleraram a perda de
influência e credibilidade do movimento eugenista, não apenas no Brasil, mas no
mundo.
A marca deixada pelo eugenismo na tapeçaria da história humana é profunda
e perturbadora. Atualmente para a maioria das pessoas, é inconcebível imaginar seu
ressurgimento, dada a vasta rejeição e condenação dessa abordagem em nossa
sociedade.
Entretanto, devemos nos ater ao fato de que a eugenia contemporânea não
se manifestará mais através de sua abordagem negativa de eliminar futuras
gerações consideradas “geneticamente inferiores”, através de proibições ao
casamento, esterilização forçada, eutanásia indireta ou extermínio, ela se dará por
meio das chamadas “políticas públicas” que incentivarão a prática do aborto por
aqueles que são pelo Estado considerados indesejados.
A população mais sensível da camada social influenciada pelos pensadores
“progressistas” é incapaz de perceber que por baixo do manto da preocupação
estatal com a saúde pública, está a maior vergonha já criada pela humanidade, a
seleção dos seres humanos com base em suas características.
Esgotadas e vencidas as vias negativas e positiva da eugenia, hoje, é
obrigada a se apresentar com novos contornos, não deve ser defendida as claras,
ao contrário, devem seus adeptos criarem métodos para sua implementação de
forma que ela esteja sempre às sombras, logo, concluíram que fazer com o que o
indivíduo acredite que está tomando a decisão por si de eliminar a vida de seus
descendentes e semelhantes, é a forma mais eficaz de o Estado se ver livre
daqueles que considera indignos de viver, e ainda ser aplaudido de pé pela própria
camada que ele extermina.
O NIPT (Exame Pré-Natal Não Invasivo em Sangue Materno) realizado por
meio de uma amostra de sangue materno, visa rastrear alterações cromossômicas
no feto sem apresentar riscos para a gestante ou para a gravidez. Este rastreamento
se dá pela detecção do DNA fetal presente no sangue da mãe e pela análise do
número de cromossomos. Os cromossomos mais frequentemente examinados são o
21, 18, 13, X e Y. Por exemplo, uma variação no número do cromossomo 21 resulta
na Síndrome de Down, enquanto uma alteração no cromossomo 18 está associada
à Síndrome de Edwards.
O exame poderá ser realizado a partir da décima semanas de gestação, e o
resultado fica disponível em uma semana. Sendo assim, não poderemos mais nos
eximir da seguinte reflexão, se alinharmos o avanço tecnológico na engenharia
genética com o aborto até o terceiro mês da gestação, o resultado da equação será,
inevitavelmente, Eugenia.
Não devemos nos esquecer que atualmente pela RESOLUÇÃO CFM Nº
2.294, DE 27 DE MAIO DE 2021, que adota as normas éticas para a utilização das
técnicas de reprodução assistida autoriza que os embriões submetidos a diagnóstico
de alterações genéticas causadoras de doenças, sejam doados para pesquisa ou
descartados, conforme a decisão do paciente. Sendo assim, há em nosso país o
descarte de embrião não saudável, entretanto, uma vez introduzido no útero não
poderá mais ser, tendo a gestante a obrigação legal de mantê-lo durante todo o
período da gestação, podendo caso assim deseje, entrega-lo para adoção voluntário
segundo a Lei 13.509/2017, que Introduziu modificações no Estatuto da Criança e
do Adolescente – ECA e adicionou a “entrega voluntária”, que permite que uma
gestante ou mãe ceda seu filho ou recém-nascido para adoção sob a supervisão da
Justiça da Infância e da Juventude. Há outras hipóteses de eliminação da vida
prevista em nosso ordenamento jurídico, são os casos do aborto terapêutico e o
humanitário, todas as outras formas são proibidas pela legislação vigente.
Com a legalização do aborto até o terceiro mês da gestação, a barreira
legislativa será rompida, podendo o feto, após exames genéticos, já existentes, ser
eliminado pelo simples fato de possuir alguma limitação ou característica indesejada,
nos fazendo retornar aos tempos dos eugenistas, mas não por meio da proibição
marital, esterilização forçada ou assassinatos, mas pela via abortista.
Por meio do avanço da engenharia genética logo poderemos então,
selecionar não apenas a higidez de nossos descendentes, mas caso, o porte físico
projetado, cor da pele ou espessura do fio de cabelo não nos agrade, poderemos
sim, eliminá-los, e o Estado nada poderá fazer, a não ser, comemorar o genocídio
por ele provocado através de seus programas de incentivos floreados por
marketeiros que propagam ideias como “abortar é um ato de amor” “meu corpo
minhas regras” “aborto é liberdade” dando assim a massa a ideia de serem eles os
donos do Estado.
O legado eugenista que assombrou gerações passadas não é apenas uma
mancha escura na história, mas um lembrete contundente das perigosas
consequências de permitir que a ciência opere sem limites éticos. O século passado
é um retrato de uma figura horrenda destruindo todas as virtudes humanas, através
de discursos populistas, que possui em suas bordas, o desejo pelo sangue das
classes periféricas
À medida que nos aproximamos de uma nova era onde a engenharia genética
tem o potencial de remodelar radicalmente o conceito de humanidade, enfrentamos
dilemas éticos sem precedentes. Mas, é vital reconhecer que a verdadeira força da
humanidade reside não apenas em seu código genético, mas em sua capacidade
inerente de mostrar empatia, solidariedade e respeito mútuo.
Portanto, é essencial nos aprofundarmos em todos os aspectos dos discursos
a favor do aborto, para termos certeza que ao levantarmos essa bandeira não
estejamos abrindo a porta para a mais cruel das ideologias já criada pelo homem.
Ao que parece a eugenia, que historicamente já foi justificada por diversas retóricas,
parece encontrar, na contemporaneidade, um novo campo de atuação através do
debate sobre o aborto
Faço aqui uma pausa para reflexão: é imperativo que abordemos a situação
não através das lentes de nossas crenças religiosas, convicções ideológicas ou
filosóficas, mas com uma perspectiva objetiva. Devemos fundamentar nossa análise
em experiências concretas, ao invés de nos deixarmos influenciar pela ilha de
fantasia social que habita em nossos corações. Retomando a discussão, se existe a
possibilidade de meu filho vir ao mundo com qualquer tipo de limitação, seja física,
mental ou intelectual, e se o ordenamento jurídico não apresenta barreiras para a
interrupção da gestação, qual seria o argumento convincente para preservar a vida
desse ser? Precisamos ponderar a possibilidade de, ao optar pela interrupção,
termos a chance de conceber posteriormente um filho sem tais limitações, sem
carregar o ônus de cuidar de um indivíduo com necessidades especiais.
Fica claro que, o cerne da questão não reside na ética do aborto em si, mas
sim na possível instrumentalização deste para promover a eugenia na atualidade. O
que está verdadeiramente em jogo é a valorização de determinadas características
em detrimento de outras, com base em critérios que definem o que é “desejável” ou
“indesejável”.
Em vez de perguntarmos se é moralmente aceitável interromper uma
gestação, precisamos nos questionar sobre as motivações que estão por trás dessa
decisão. Será que estamos, de fato, promovendo a autonomia individual e o direito
de escolha? Ou estamos, propositalmente, sendo levados por uma corrente sutil de
ideias que hoje se apresentam como “políticas públicas em prol à dignidade da
mulher”, e que no futuro será utilizada para privilegiar determinadas características
genéticas em detrimento de outras, perpetuando assim um ideal eugenista
disfarçado? Se deixarmos de lado as convicções pessoais e olharmos objetivamente
para a situação, poderemos perceber que há uma fina linha entre garantir o direito
de escolha e validar práticas que possam direcionar nossa sociedade para uma
seleção genética preocupante.
É fundamental, portanto, que haja uma conscientização ampla e um debate
robusto sobre o assunto, assegurando que decisões tomadas hoje não conduzam a
um futuro em que a diversidade humana e a aceitação de todas as formas de vida
sejam comprometidas em nome de ideais eugenistas ressurgidas.
Considerações Finais
À medida que a ciência e tecnologia avançam, nossa sociedade se vê
confrontada com dilemas éticos cada vez mais complexos. A possibilidade de
manipular, selecionar ou mesmo descartar a vida com base em critérios genéticos
ou por mero desejo traz à tona antigos debates sobre o valor intrínseco da vida e o
que agride a dignidade da pessoa humana, princípio fundante da atual constituição.
A interação entre o aborto e a engenharia genética pode resultar, em certos
casos, em práticas eugênicas, inclusive, com o passar do tempo, normalizar a
seleção de características desejáveis de nossos descendentes. Fazendo com que
nossa sociedade se distancie das questões sobre direitos, dignidade e a natureza da
sociedade que queremos construir.
Ao longo da história, a eugenia foi justificada sob variados pretextos, muitos
dos quais levaram a atrocidades e discriminações, o que levou a maioria da
sociedade rejeitar qualquer pensamento sombreado por ela, porém, a eugenia
nunca deixou de ser debatida e por vezes, voluntária ou involuntariamente,
defendida.
Estando sempre no núcleo das discussões sobre a legalização do aborto,
poucos são os que a percebem. Embora os métodos e as tecnologias possam ter
mudado, é essencial que a sociedade se mantenha vigilante quanto aos princípios e
valores que sustentamos coletivamente. A autonomia das decisões individuais deve
ser respeitada, mas é crucial que haja um diálogo aberto e transparente sobre as
implicações em longo prazo dessas escolhas, ao legalizar o aborto, devemos ter a
consciência que estaremos regulamentando a eugenia.